A presunção de inocência à brasileira vai até onde se puder pagar advogados para impetrarem recursos até os crimes prescreverem
Sou filho, neto e bisneto de advogados e juízes, na nossa família sempre se levou a Justiça muito a sério. Por isso, vibrei com a recente decisão do STF de mandar para a prisão os réus já condenados em segunda instância por decisão colegiada, como acontece na França e nos Estados Unidos. E fiquei chocado, e depois ri, com a “Carta aos jovens criminalistas” assinada por nove ilustres causídicos brasileiros, comparando o atual Judiciário à ditadura, que “em vários aspectos era melhor do que hoje no Brasil”.
Leiam! No palavreado rebuscado, exaltado e antiquado, sente-se o aroma nostálgico de tempos heroicos em que eram jovens e defendiam presos políticos de graça, mas agora falam como alguns dos melhores e, com toda a justiça, mais bem pagos advogados de alguns dos réus mais ricos do Brasil. Eles não estão com saudade da ditadura, mas da impunidade ameaçada.
Para os velhos criminalistas, a nova jurisprudência atenta contra o princípio constitucional da inocência, mas a atual presunção de inocência à brasileira vai até onde se puder pagar advogados para impetrarem incontáveis recursos, até os crimes prescreverem. Se o “garantismo” é só para o réu, quem garante os direitos da sociedade?
Em tese, as atuais liberalidades processuais foram criadas como a antítese da legislação repressiva da ditadura, mas exageraram na dose, e elas foram tão deturpadas para servir aos piores interesses, que chegou a hora da síntese democrática, sob o princípio dos princípios constitucionais: todos são iguais perante a lei.
O ministro Joaquim Barbosa já se enfureceu com um processo com 62 recursos. O ex-senador Luiz Estevão, um dos mais notórios e ricos ladrões públicos, condenado em todas as instâncias que a frouxidão da presunção de inocência e os truques processuais dos advogados permitem, graças a 32 recursos, continua solto. Não há advogado digno do nome que não se envergonhe disso.
Mas os jovens criminalistas podem ficar tranquilos, vão ter muito trabalho no Brasil pós-Lava-Jato. Mas entre eles não estará impetrar infinitos recursos para livrar criminosos ricos da cadeia, como faziam velhos chicaneiros.
26 de fevereiro de 2016
Nelson Motta, O Globo
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