Minha formação inicial foi a graduação em Direito; depois, fiz mestrado em Ciência Política e passei anos lecionando Sociologia. Não perdi, contudo, a paixão pelo Direito – embora o curso não fosse o que eu desejava de início. Afastada agora de tudo quanto fiz na vida, dedico-me a ler e a estudar, e volta e meia me vejo a quebrar cabeça com problemas jurídicos, igualzinho vivi quando fui aluna do brilhante professor Lydio Bandeira de Mello. Brilhante e excêntrico, diga-se de passagem. Com ele, aprendi que nem tudo o que parece, é. E que, vista mais de perto, a realidade pode ser muito diferente do que o assentado na letra da lei – mesmo da Constituição Federal.
Meu primeiro susto com a diferença entre o escrito e o interpretado ocorreu quando dei de cara com as decisões judiciais acerca da “despedida obstrutiva da aquisição de estabilidade” no âmbito do Direito do Trabalho. Havia ao tempo o reconhecimento da estabilidade do empregado aos dez anos de permanência em uma dada empresa. Ocorre que, na prática, os patrões passaram a despedir sem justa causa ou por causa por ele “providenciada” quando essa data se aproximava.
Salvo engano (escrevo de memória), consegui à época – escusado dizer que muito antes de a ditadura impor a “escolha do FGTS” em lugar da estabilidade – uma decisão judicial, às vésperas de 1964, em que se reconhecia a “despedida obstrutiva da aquisição de estabilidade” aos 8,5 anos de exercício do emprego. Foi aí que vi que os juízes, seja singulares, seja em colegiado, também sofrem as influências do meio social em que vivem – e, portanto, sofrem também influência de ocasionais ou constantes turbulências em um país.
RITO DO IMPEACHMENT
Quis a ironia do destino que o rito do julgamento do crime de responsabilidade do presidente da República fosse recentemente estabelecido com base em ação instaurada sob o comando de uma lei de minha iniciativa: a Lei de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Claro está que passei todo o tempo defronte da TV, acompanhando com atenção o julgamento. Embora não tenha tido ainda acesso ao acórdão – que estudarei com afinco –, afirmo duas coisas muito simples. Em primeiro lugar, que Suas Excelências deveriam, de quando em vez, descer de seus excelsos assentos no STF e acompanhar in loco como funciona o Congresso Nacional, sobretudo em sua relação com o Executivo, mormente em tempos de compra e venda de apoios, como sói acontecer de há muito.
Em segundo lugar, tenham todos certeza, a loquaz divergência aberta pelo professor-doutor Luís Roberto Barroso, e alegremente seguida pelos que temem ser eivados de comparsas de Eduardo Cunha, não me deixou mais dúvida: o direito é interpretado à luz das circunstâncias do momento. Não tivesse coincidido o pedido de impeachment com as interpretações de Cunha, ou outra fosse a linha sucessória de Sua Excelência, a presidente, teríamos tido outro rito de julgamento do crime de responsabilidade.
Data maxima venia.
11 de janeiro de 2016
Sandra Starling
O Tempo
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