Assembleias ou parlamentos costumam adotar liturgias apropriadas ao ato de criar, recriar ou excluir dispositivos da Lei Maior. Não necessariamente pomposos, porém minimamente decorosos, tais ritos se impõem em circunstâncias semelhantes às atuais, quando os representantes do povo se dispõem a votar um rol de emendas a uma Constituição adotada democraticamente há mais de um quarto de século, depois de duas décadas de uma brutal ditadura.
O volume, a velocidade e a dimensão das reformas propostas pelo presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, conferem ao plenário da casa uma aparência de Constituinte que a indecorosa farra legiferante converte em paródia.
O descaso em preservar qualquer traço simbólico ou litúrgico, o atabalhoamento da pauta, a ausência de um master plan e os sucessivos atropelos adotados pelo parlamentar fluminense na condução das votações conferem ao atual momento político uma indisfarçável aparência de casuísmo e oportunismo. Se o pacote de reformas pretende o aperfeiçoamento do Estado de Direito, a patuscada que é oferecida desde a Praça dos Três Poderes, em Brasília, chega com forte e inequívoca conotação voluntarista, cesarista, bonapartista e, principalmente, caudilhesca.
A incrível reviravolta propiciada pela geminação de votações com apenas 24 horas de diferença tornou quase secundária a questão da maioridade penal. O debate mudou de foco drasticamente, deixando de lado uma controvérsia que absorve as atenções e interesses de grande parte da sociedade e descambou para a vala comum das manobras duvidosas e pedaladas legais.
É possível que o presidente Eduardo Cunha tenha razão em gabar-se de sua expertise em matéria regimental, mas o seu notório descaso com os instrumentos legais complementares faz dele mais um político ególatra preocupado em ganhar votações do que um legislador empenhado em buscar soluções justas e equilibradas. Qualquer que seja a idade adotada para tornar imputável um jovem infrator, a emenda exige ajustes simultâneos no Estatuto da Criança e do Adolescente e em códigos correlatos. Isolada, funcionará inevitavelmente ao contrário.
A atabalhoada reforma política concebida por Eduardo Cunha é outro casuísmo engendrado por seu febril temperamento, verdadeira colcha de retalhos, irregular e contraditória. Para ser emendado e liberado dos atuais vícios e deformações, o processo político-eleitoral exige um conjunto multidisciplinar, integrado, holista. O fim da reeleição não pode ser decretado por capricho, sem um minucioso estudo preliminar sobre a extensão de mandatos, função dos pleitos intermediários, equilíbrio entre os poderes etc.
Em novembro passado, o ex-presidente José Sarney ofereceu em artigo um surpreendente mea culpa combinado com um testamento político. Harmonizou com excepcional poder de síntese sua experiência de operador político em diversos regimes, abdicou de planos e projetos pessoais.
O deputado e correligionário passou os olhos pelo documento, mas não enxergou um dado fundamental: Sarney pendurava as chuteiras. Cunha, ao contrário, pretende coroar-se como coronel.
04 de julho de 2015
Alberto Dines
O volume, a velocidade e a dimensão das reformas propostas pelo presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, conferem ao plenário da casa uma aparência de Constituinte que a indecorosa farra legiferante converte em paródia.
O descaso em preservar qualquer traço simbólico ou litúrgico, o atabalhoamento da pauta, a ausência de um master plan e os sucessivos atropelos adotados pelo parlamentar fluminense na condução das votações conferem ao atual momento político uma indisfarçável aparência de casuísmo e oportunismo. Se o pacote de reformas pretende o aperfeiçoamento do Estado de Direito, a patuscada que é oferecida desde a Praça dos Três Poderes, em Brasília, chega com forte e inequívoca conotação voluntarista, cesarista, bonapartista e, principalmente, caudilhesca.
A incrível reviravolta propiciada pela geminação de votações com apenas 24 horas de diferença tornou quase secundária a questão da maioridade penal. O debate mudou de foco drasticamente, deixando de lado uma controvérsia que absorve as atenções e interesses de grande parte da sociedade e descambou para a vala comum das manobras duvidosas e pedaladas legais.
É possível que o presidente Eduardo Cunha tenha razão em gabar-se de sua expertise em matéria regimental, mas o seu notório descaso com os instrumentos legais complementares faz dele mais um político ególatra preocupado em ganhar votações do que um legislador empenhado em buscar soluções justas e equilibradas. Qualquer que seja a idade adotada para tornar imputável um jovem infrator, a emenda exige ajustes simultâneos no Estatuto da Criança e do Adolescente e em códigos correlatos. Isolada, funcionará inevitavelmente ao contrário.
A atabalhoada reforma política concebida por Eduardo Cunha é outro casuísmo engendrado por seu febril temperamento, verdadeira colcha de retalhos, irregular e contraditória. Para ser emendado e liberado dos atuais vícios e deformações, o processo político-eleitoral exige um conjunto multidisciplinar, integrado, holista. O fim da reeleição não pode ser decretado por capricho, sem um minucioso estudo preliminar sobre a extensão de mandatos, função dos pleitos intermediários, equilíbrio entre os poderes etc.
Em novembro passado, o ex-presidente José Sarney ofereceu em artigo um surpreendente mea culpa combinado com um testamento político. Harmonizou com excepcional poder de síntese sua experiência de operador político em diversos regimes, abdicou de planos e projetos pessoais.
O deputado e correligionário passou os olhos pelo documento, mas não enxergou um dado fundamental: Sarney pendurava as chuteiras. Cunha, ao contrário, pretende coroar-se como coronel.
04 de julho de 2015
Alberto Dines
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