Tentar pôr pecha de traidor em Pessoa piora as coisas para Dilma. A presidente Dilma, infelizmente para nós brasileiros e para o país, não tem o dom de organizar seu pensamento. Se fosse apenas uma dificuldade de se expressar, como quando resolveu louvar a mandioca e chamou-a de "grande conquista brasileira", já seria difícil para uma autoridade que tem obrigação de explicar seus atos a cada instante de seu governo.
Mas, quando o pensamento equivocado é também embaralhado, aí já se torna um problema político-institucional. Se ela diz que não respeita delatores, está partindo do princípio de que o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e outros executivos que fizeram suas delações premiadas estão revelando fatos verdadeiros que deveriam ser escondidos.
Sim, porque só pessoas que estão por dentro das conspirações ou bandidagens podem delatar companheiros em troca de algum benefício da Justiça. Foi para evitar que revelações sobre crimes fossem desqualificadas pelos interessados que o que chamamos de "delação premiada" tem o nome oficial de "colaboração premiada".
Mas, de qualquer maneira, Dilma jogou sobre Pessoa a pecha de traidor, comparando-o a Joaquim Silvério dos Reis, o que a deixa mal e a todos os denunciados pelo empreiteiro. E ela não percebe essa incongruência, o que faz com que prossiga em linha reta para o abismo sem que ninguém possa ajudá-la, já que, sabe-se, ela não admite contestações.
"Eu não respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas, e garanto para vocês que resisti bravamente. Até, em alguns momentos, fui mal interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem que resistir, porque se não você entrega seus presos."
Nessa frase, temos de tudo: confusão entre seu papel como guerrilheira e o dos petistas no mensalão e no petrolão; ignorância assombrosa da diferença entre democracia e ditadura e, sobretudo, a insensatez de comparar os inconfidentes mineiros com mensaleiros e petroleiros, que podem ser tudo menos patriotas heroicos em luta contra opressão estrangeira.
Não há Tiradentes nessa história que Dilma tenta recontar, e nem ela foi uma lutadora pela democracia, como pretende hoje. A tortura de que ela e muitos outros foram vítimas é uma página terrível de nossa história, mas não pode servir de desculpa para justificar roubos de uma quadrilha que tomou de assalto o país nos últimos 12 anos, nem para isentar os eventuais desvios cometidos pela presidente.
Ao contrário, aliás, muitos fazem hoje a comparação da sanha arrecadatória do governo federal com os "quintos do inferno", que a colônia portuguesa tirava do Brasil. Quanto à insinuação de que os presos pela Lava-Jato sofrem torturas como no tempo da ditadura, só mesmo a politização da roubalheira justifica tamanho despautério.
A propósito, o jurista Fábio Medina Osório, especialista em questões de combate à corrupção e improbidade administrativa, "olhando o direito comparado e o que ocorre hoje no mundo em termos de combate à corrupção", discorda dos que consideram abusivas as prisões decretadas pelo juiz Sérgio Moro.
"Não apenas nos EUA, mas na Europa, prisões cautelares têm sido utilizadas no início de processos ou quando investigações assinalam elementos robustos de provas", diz, lembrando os casos do ex-premier de Portugal José Sócrates e dos dirigentes da FIFA, presos cautelarmente por corrupção - alguns em avançada idade -, que seguem encarcerados. "A ideia não é humilhar, mas, diante do poder econômico ou político das pessoas atingidas, estancar o curso de ações delitivas de alto impacto nos direitos humanos, tal como ocorre no combate à corrupção".
Medina Osório lembra que, "nos termos da Lei Anticorrupção, as empresas deveriam ter aberto robustas investigações para punir culpados e cooperar com autoridades, talvez até mesmo afastando os executivos citados nas operações, se constatadas provas concretas ou indiciárias de suas participações em atos ilícitos".
Ao não cooperar nem apurar os atos ilícitos noticiados, "as empresas sinalizam que estão ainda instrumentalizadas por personagens apontados pela Operação Lava-Jato como os possíveis responsáveis".
Para Medina Osório, vale indagar: o que é realmente novo aqui no Brasil? "Prisões democráticas, onde cabem ricos e pobres, convenhamos".
30 junho de 2015
Merval Pereira, O Globo
Mas, quando o pensamento equivocado é também embaralhado, aí já se torna um problema político-institucional. Se ela diz que não respeita delatores, está partindo do princípio de que o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e outros executivos que fizeram suas delações premiadas estão revelando fatos verdadeiros que deveriam ser escondidos.
Sim, porque só pessoas que estão por dentro das conspirações ou bandidagens podem delatar companheiros em troca de algum benefício da Justiça. Foi para evitar que revelações sobre crimes fossem desqualificadas pelos interessados que o que chamamos de "delação premiada" tem o nome oficial de "colaboração premiada".
Mas, de qualquer maneira, Dilma jogou sobre Pessoa a pecha de traidor, comparando-o a Joaquim Silvério dos Reis, o que a deixa mal e a todos os denunciados pelo empreiteiro. E ela não percebe essa incongruência, o que faz com que prossiga em linha reta para o abismo sem que ninguém possa ajudá-la, já que, sabe-se, ela não admite contestações.
"Eu não respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas, e garanto para vocês que resisti bravamente. Até, em alguns momentos, fui mal interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem que resistir, porque se não você entrega seus presos."
Nessa frase, temos de tudo: confusão entre seu papel como guerrilheira e o dos petistas no mensalão e no petrolão; ignorância assombrosa da diferença entre democracia e ditadura e, sobretudo, a insensatez de comparar os inconfidentes mineiros com mensaleiros e petroleiros, que podem ser tudo menos patriotas heroicos em luta contra opressão estrangeira.
Não há Tiradentes nessa história que Dilma tenta recontar, e nem ela foi uma lutadora pela democracia, como pretende hoje. A tortura de que ela e muitos outros foram vítimas é uma página terrível de nossa história, mas não pode servir de desculpa para justificar roubos de uma quadrilha que tomou de assalto o país nos últimos 12 anos, nem para isentar os eventuais desvios cometidos pela presidente.
Ao contrário, aliás, muitos fazem hoje a comparação da sanha arrecadatória do governo federal com os "quintos do inferno", que a colônia portuguesa tirava do Brasil. Quanto à insinuação de que os presos pela Lava-Jato sofrem torturas como no tempo da ditadura, só mesmo a politização da roubalheira justifica tamanho despautério.
A propósito, o jurista Fábio Medina Osório, especialista em questões de combate à corrupção e improbidade administrativa, "olhando o direito comparado e o que ocorre hoje no mundo em termos de combate à corrupção", discorda dos que consideram abusivas as prisões decretadas pelo juiz Sérgio Moro.
"Não apenas nos EUA, mas na Europa, prisões cautelares têm sido utilizadas no início de processos ou quando investigações assinalam elementos robustos de provas", diz, lembrando os casos do ex-premier de Portugal José Sócrates e dos dirigentes da FIFA, presos cautelarmente por corrupção - alguns em avançada idade -, que seguem encarcerados. "A ideia não é humilhar, mas, diante do poder econômico ou político das pessoas atingidas, estancar o curso de ações delitivas de alto impacto nos direitos humanos, tal como ocorre no combate à corrupção".
Medina Osório lembra que, "nos termos da Lei Anticorrupção, as empresas deveriam ter aberto robustas investigações para punir culpados e cooperar com autoridades, talvez até mesmo afastando os executivos citados nas operações, se constatadas provas concretas ou indiciárias de suas participações em atos ilícitos".
Ao não cooperar nem apurar os atos ilícitos noticiados, "as empresas sinalizam que estão ainda instrumentalizadas por personagens apontados pela Operação Lava-Jato como os possíveis responsáveis".
Para Medina Osório, vale indagar: o que é realmente novo aqui no Brasil? "Prisões democráticas, onde cabem ricos e pobres, convenhamos".
30 junho de 2015
Merval Pereira, O Globo
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