"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 30 de junho de 2015

GRÉCIA: CENÁRIOS RUIRAM E ATORES COMEÇARAM A IMPROVISAR

Até sexta-feira, tudo correu como previsto no habitual cenário europeu – sucessivas reuniões e tensas negociações em busca de um compromisso que evitasse o que todos mais temiam – uma ruptura dramática capaz de mergulhar a Grécia no caos, instalar o pânico nos mercados, abalar a estabilidade do Euro e, de caminho, comprometer a própria solidez da União Europeia.

Essa era a expectativa geral e eu próprio admiti aqui que um acordo acabaria provavelmente por ser alcançado.
Apesar das dificuldades manifestas, de início e quase até ao fim, tudo parecia efetivamente encaminhar-se nesse sentido.

Depois de muita hesitação, quinta-feira os credores (FMI, BCE e UE) apresentaram uma última proposta ao governo grego, considerando-a uma “generosa oferta” e sublinhando que era pegar ou largar: nova ajuda financeira no montante de 15 mil milhões de Euros, mais um plano de investimentos de 30 a 35 mil milhões, com base num calendário de renegociação da dívida em troca de mais cortes nas despesas públicas, aumentos de impostos e “reformas estruturais”.

Parecia haver a convicção em Bruxelas de que tudo se acabaria por compor. Uma nova reunião do Eurogrupo (19 ministros das Finanças do Euro) chegou a ser marcada para sábado, a fim de selar o entendimento tão aguardado, garantindo assim “fumo branco” capaz de acalmar as bolsas na abertura desta segunda-feira.

Foi então que, sexta-feira à noite, o primeiro-ministro grego anunciou a convocação de um referendo a 5 de Julho para submeter a votação popular
as propostas dos credores, consideradas “humilhantes e ofensivas”.
Trata-se – disse Tsipras em comunicação ao país – de um “ultimato à democracia e ao povo da Grécia. Um ultimato contrário aos princípios e valores que estão na base do projeto europeu”.

Sincera reação de última hora motivada pelo descontentamento com a proposta final dos credores, ou golpe de teatro previsto desde o início no esquema da teoria de jogos de que o ministro das Finanças grego, Varoufakis, é suposto ser um especialista?

Os credores disseram-se surpreendidos, mas a verdade é que Tsipras já tinha avisado, em Abril, como se pode ver aqui - que recorreria a um referendo se as negociações chegassem a um impasse.

Parece que os negociadores europeus e o FMI não se deram conta da profundidade dos sentimentos gregos e da determinação do governo de Atenas de não aceitar mais planos que se limitem a conceder novos empréstimos para pagar dívidas anteriores, exigindo em contrapartida sempre mais e mais sacrifícios a um país que já viu o seu PIB cair 25% nos últimos 5 anos e continua a ver a dívida a crescer em vez de diminuir.
Seja como for, a verdade é que a partir de agora, com a decisão do referendo – já aprovada por larga maioria no parlamento de Atenas - tudo se complicou ainda mais.

A corrida aos depósitos bancários acentuou-se de imediato e apesar do Banco Central Europeu ter decidido, para já, continuar o apoio de emergência aos bancos gregos, estes estarão fechados hoje, não se sabendo quando e em que condições irão reabrir, parecendo inevitável que Atenas imponha rapidamente o controlo de capitais.

Por outro lado, a Grécia provavelmente não irá pagar a tempo ao FMI a parcela de 1,6 mil milhões de Euros que vence já nesta terça-feira, o que, a acontecer, levará à declaração de incumprimento (default), com todas as consequências negativas daí decorrentes.

Varoufakis ainda apela hoje, em entrevista a um jornal alemão, para que a chanceler Angela Merkel faça um gesto e as instituições apresentem uma proposta “significativamente melhor”.

Embora improvável, dada a completa oposição das narrativas, um acordo na 25ª hora ainda poderá, hipoteticamente, acontecer.

Face aos perigos que se podem antever - caos ou descontentamento geral na Grécia, enfraquecimento do Euro e abalo profundo no projeto europeu, com as consequências geoestratégicas daí decorrentes (a Rússia e a China espreitam) - ambas as partes poderão, in extremis, recuar, voltar à mesa das conversações e chegar a um entendimento mínimo.

Mas está agora criada uma dinâmica que ultrapassa os próprios intervenientes, como costuma acontecer nas tragédias. É como se as contradições não resolvidas da integração europeia e as debilidades na estrutura do Euro evidenciadas pela crise se tivessem concentrado num único ponto, ameaçando explodir todas ao mesmo tempo. Tudo isso num pano de fundo de revolta cada vez maior - tanto à esquerda, como à direita - contra as políticas de austeridade.

Dá a sensação de que o tremor grego desencadeou uma avalanche que derrubou os cenários e os atores começaram a improvisar, tendo agora de navegar à vista em mar alteroso e desconhecido. Ainda conseguirão recompor-se e recuperar a iniciativa, mais do que se deixar arrastar pelos acontecimentos?



30 de junho de 2015
Carlos Fino

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