O almirante Julio de Sá Bierrenbach, que morreu na quinta-feira aos 96 anos, não gostava da esquerda e de esquerdistas. Em 1962, devolveu a Ordem do Mérito Naval em protesto contra a entrega da condecoração a Leonel Brizola. Em 2014, continuava a chamar de “revolução” o golpe que derrubou o presidente João Goulart.
As convicções não o impediram de contribuir para o fim do arbítrio da ditadura. Como ministro do Superior Tribunal Militar, ele denunciou a tortura e ajudou a desmontar a farsa que encobria os responsáveis pelo atentado do Riocentro.
Bierrenbach chegou ao STM em 1977. Na posse, disse que os presos deveriam ser intocáveis e que os interrogatórios precisavam de inteligência, não de violência. Três meses depois, defendeu a absolvição de um réu que havia sido torturado para confessar um assalto a banco.
CONTRA A TORTURA
“Já é tempo de acabarmos, de uma vez por todas, com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente, pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram”, disse.
Em 1981, voltou a desafiar o regime ao contestar o arquivamento do caso Riocentro. Apontou “inúmeras falhas e omissões” no inquérito, que transformava em vítimas os militares que fizeram o atentado. “Não estamos aqui para fazer um julgamento de conveniência”, afirmou.
O almirante perdeu a votação, mas preservou a dignidade. No fim da vida, prestaria depoimento à Comissão da Verdade, ajudando a remover a farsa da história oficial.
Fui visitá-lo no ano passado, em Copacabana. Ele disse que os militares deveriam ter devolvido o poder aos civis em 1965, como prometiam, e não duas décadas depois. “Sempre fui contra o continuísmo dos generais”, afirmou. “Hoje fico satisfeito porque quem elege é o povo. Não é um regime ditatorial, sob o pensamento de uma só pessoa.”
20 de junho de 2015
Bernardo Mello Franco
Folha
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