“O Exército Brasileiro corresponde a um corte vertical na sociedade brasileira”, General Villas Bôas. (A entrevista do General Villas Bôas à Revista do Clube Militar I)
Escrevi dois textos sobre o nosso novo comandante, general Villas Bôas: “Novo Comandante: gerações, missões” e “Comandante ou comissário? COMANDANTE!”. E os divulguei, através de e-mails postados em 18 e 27 de janeiro, deste ano de 2015, respectivamente.
Como registrei, logo no início do primeiro e-mail (Novo Comandante: gerações, missões), a impressão que o general Villas Bôas me deixou foi a melhor possível. Alertava para que não caísse na armadilha da Esquerda de querer dividir o nosso Exército entre os comprometidos com a Revolução de 1964 (na qual me incluo, AMAN/1963) e as novas gerações (nas quais ele se inclui, AMAN/1973), taxando estes como “militares modernos” e aqueles como “militares carrancudos e autoritários”, como fez na entrevista ao jornal Zero Hora (24/1/2015, pág.8).
E salientava que esta semente da cizânia, plantada lá atrás, não poderia se transformar em cultura, pois a força do nosso Exército vem da unidade que sempre existiu entre a Ativa e a Reserva. Alertava que o pior que poderia acontecer seria o general “se contaminar com aquela cultura do deslumbramento que predomina no Partido dos Trabalhadores e que leva a achar que tudo que agrada aconteceu depois que eles chegaram ao poder e, o resto, é a herança maldita dos séculos que ficaram para trás, desde que Cabral aqui aportou”, que o que precisávamos era de um COMANDANTE (com todas as letras maiúsculas).
Concluía lembrando que “isso somente seria possível se conduzido por alguém que venha para ser o nosso comandante e não o comissário de um partido que nos vê como óbice ao seu projeto de se perenizar no poder” e pedindo “a Deus que o general Villas Bôas reflita sobre isso e que tenha todo o sucesso, pois dele dependerá o futuro do nosso Exército”.
No dia 31 de março, o CMS comemorou a Revolução de 64 e, depois de sentir o clima e ouvir dois pronunciamentos do seu comandante reportei aos meus correspondentes a minha convicção de que existe perfeita sintonia entre os nossos chefes e que o que o general Mourão passou foram recados do próprio Exército.
No dia 19/4, aproveitando o canal Reserva Proativa, cumprimentei o General Villas Bôas pelo seu pronunciamento sobre o Dia do Exército, “pela ênfase dada sobre a existência de um exército que se orgulha do seu passado”. “Uma nova força terrestre para o mesmo exército, sempre democrático, apartidário, inteiramente dedicado ao serviço da nação”. “Uma nova força terrestre para o mesmo exército, sempre orgulhoso da sua história e apegado aos valores que o sustentam e lhe dão coesão”. “Os desafios são nossos, os valores são os mesmos, desde Guararapes”.
Agora, a entrevista, na Revista do Clube Militar, deixa-me em dúvida se o General Villas Bôas é o nosso comandante ou o comissário político para garantir o controle da força terrestre. E o que me leva a esta dúvida foi a abordagem que fez sobre variáveis dominantes que ditarão o futuro para o nosso Exército.
Vou me ater àquelas que impactam diretamente sobre a carreira militar cuja valorização passa por um correto diagnóstico e que deve ser tratada de forma prioritária para que tenhamos um grande exército.
O General Villas Bôas faz um diagnóstico equivocado quando prega que o “Exército Brasileiro corresponde a um corte vertical na sociedade brasileira”. Correspondia, mas não mais, há muito tempo. E aqui está o problema maior (muito maior do que o reequipamento) que só se agrava sem que se vislumbre o seu equacionamento que somente se iniciará com um correto diagnóstico.
O Exército deixou a muito tempo de ser um corte vertical na sociedade brasileira. E a causa não está no revanchismo, mas, entre outras, na cultura da cota de sacrifício que nos impuseram, desde 1964, que acabou sendo consolidada na CF/88 e que nos transformou nos primos pobres do Estado brasileiro. Qualquer dúvida, basta recorrer às estatísticas da AMAN onde constam os dados sobre a origem dos cadetes.
Faça-se um corte vertical no perfil do Exército e se constatará que não corresponde ao da sociedade. O sucesso que tivemos em 1964 não se deveu aos equipamentos, mas a completa projeção, no Exército, do corte vertical na sociedade brasileira o que fez o Exército pulsar na mesma frequência da sociedade. A perfeita identidade entre as lideranças civis e militares, pela convivência nos mesmos ambientes, desde os bancos escolares.
E deveria ser prioridade da gestão do novo comandante a correção desta distorção. Somente a valorização da carreira militar poderá voltar a reproduzir, no Exército, o corte vertical da sociedade.
A sensação que passa o General Villas Bôas, ao abordar tema importante para a valorização da carreira militar, como remuneração e evasão de militares de carreira é de que, passa longe do estoicismo dos nossos antigos chefes que diante do objetivo maior (o sucesso da Revolução de 64) nos impuseram a cota de sacrifício que até hoje nos arde no lombo.
Sente-se, nas respostas do Comandante do Exército, a intenção de não mostrar os graves problemas que o Exército enfrenta e o que espanta é que a realidade está sendo escamoteada para o público interno, alvo da Revista do Clube Militar.
Perguntado sobre a remuneração dos militares, como reverter as graves distorções e desequilíbrios existentes nos vencimentos do funcionalismo público que mantém os militares na vergonhosa posição de primos pobres da República, o general saiu pela tangente, alegando que o “tema está sendo estudado” e que será levado ao MD “para que elabore uma estratégia no sentido de reverter esse quadro”. “Estudado” está sendo há décadas, mas sem determinação e força política, vai continuar rendendo migalhas quando exige mudanças estruturais.
Entra ano e sai ano e a conversa é sempre a mesma. Segundo o general Synésio, fonte da Revista do Clube Militar, “a degradação salarial dos militares federais foi progressiva, inexorável” sendo que no período de 2003 a 2014 , o salário médio dos militares federais, frente à categoria com a menor remuneração média no serviço público federal, sofreu um decrescimento de cerca de 50%. Sem determinação e força política não se arranca nada deste governo de sindicalistas, acostumados a ceder só com a pressão.
Aliás, acho que isto pode ser constatado (falta de determinação e força política) quando se vê a resposta dada pelo Comandante do Exército ao preocupante aumento da taxa de evasão de militares de carreira: “Esses dados ocorrem ciclicamente com maior ou menor incidência e estão associados a aspectos econômicos conjunturais do País ou a alguma oportunidade inusitada na vida civil que se cria para uma determinada especialidade”, “não se pode afirmar categoricamente que a saída desse pessoal signifique uma insatisfação ou desalento com a vida militar”.
Que devido à ótima formação dos oficiais do Exército, “tornam-se extremamente atraentes para o exercício de funções da iniciativa privada e candidatos muito competitivos nos cargos oferecidos nos melhores concursos públicos”. E arrematou: “a saída precoce desse pessoal, ao menos nos assegura, favoravelmente, a disseminação da imagem e da reputação do Exército por novos ambientes da sociedade brasileira, conduzindo e divulgando os valores da Força, e contribuindo, de forma indireta, para a missão de cooperar com o desenvolvimento do País”.
Um exemplo acabado para “a hipocrisia que esconde a realidade com o seu manto de deboche”, parafraseando o general Synésio, ao traduzir a indignação dos militares com a inação dos chefes contra a degradação salarial, um dos fatores dominantes da perda de atratividade da carreira militar, em e-mail recentemente divulgado. Porque não é missão do Exército formar quadros para a iniciativa privada ou preparar candidatos competitivos para os melhores concursos públicos. Porque é sabido que a evasão é provocada pela deterioração da carreira militar que deixou de ser atraente por uma série de razões, de todos conhecidas, mas que são escamoteadas por aqueles que estão na zona de conforto, aqueles que formam a “cultura de contentamento” que envolve e mantém o poder.
Com estas justificativas chapa branca chego a conclusão que o general Villas Bôas não está sintonizado com os nossos anseios e demandas e vai acabar abrindo espaço para que outros se levantem para lutar pelos interesses dos seus comandados. Que seja o nosso COMANDANTE, sempre foi o meu desejo, pois o nosso Exército não suportaria ser tutelado por um comissário político de um partido que está ameaçando o nosso futuro com a deseducação e a corrupção.
Estamos ansiosos e saudosos de ouvir um sonoro e firme NÃO da boca do nosso comandante, para uma série de absurdos que estão acontecendo. (Há quanto tempo não ouvimos um NÃO da boca de um dos nossos comandantes?)
08 de junho de 2015
Péricles da Cunha é Coronel na reserva do EB.
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