"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A MARCHA DO SOLDADO 13


A editora Boitempo escolheu Frei Betto para escrever a orelha e um professor marxista para escrever o prefácio da edição brasileira de O homem que amava os cachorros, romance do escritor cubano Leonardo Padura. É mais ou menos como se Richard Dawkins prefaciasse Confissões de Santo Agostinho. Pois o prefácio e a orelha são os únicos trechos dispensáveis nas quase 600 páginas deste livro magistral. Padura concebeu uma obra-prima literária sobre o medo e o desamor.

O livro conta a história de três homens: Liev Trotski, líder comunista soviético, expulso da Rússia por seu arquirrival Stalin; Ramón Mercader, militante stalinista e assassino de Trotski; e Iván Cárdenas Maturell, obscuro escritor cubano mergulhado na miséria e na desolação da ilha socialista.

Ancorado na pesquisa histórica, Leonardo Padura narra a história de Trotski a sofrer no exílio (Turquia, Noruega, França e México), enquanto seus antigos companheiros de revolução eram perseguidos e assassinados a mando de Stalin. Com notável poder descritivo, o autor reconstitui as faces de Mercader, agente comunista espanhol escalado e treinado para se infiltrar nos círculos trotskistas e matar o exilado a qualquer custo.

Um de seus codinomes era Soldado 13. Entrementes, sem utilizar qualquer clichê sobre o tema, Padura conta os tormentos de Iván, que luta para sobreviver em um país mais parecido com um cárcere a céu aberto.

Tão diferentes, os três personagens possuem em comum o amor pelos cachorros. Mas há outra característica: são indivíduos esmagados pela força da ideologia e do coletivismo. A revolução só causa desgraças na vida de Trotski, Mercader e Iván.

Para alguém que, como eu, já levou a sério o trotskismo e teve simpatias pelo regime cubano, a leitura de O homem que amava os cachorros é ainda mais impactante, por fazer a descrição do inferno de dentro para fora.
Poucos sabem, mas Ramón Mercader terminou seus dias como hóspede do regime cubano, em outubro de 1978. Após sair da prisão no México, migrou para a União Soviética (onde foi condecorado) e depois acabou preferindo mudar-se para a ilha tropical. Virou amigo e conselheiro de Fidel Castro.

“De que outra coisa podem falar os náufragos, a não ser do mar?”, diz, numa passagem do livro, o homem que treinou o Soldado 13. Espero sinceramente que os amigos esquerdistas leiam O homem que amava os cachorros. Para o ideal socialista, é um livro tão devastador quanto Arquipélago Gulag, O Zero e o Infinito ou A Revolução dos Bichos. Náufragos, falem do mar.


22 de maio de 2015
Paulo Briguet
 

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