"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 20 de março de 2015

O PREÇO DO PODER NÃO É A PERDA DA HONRA E DIGNIDADE

 




Getúlio Vargas foi a mais singular das personalidades históricas da vida política do Brasil. Singular e complexa, múltipla e polivalente. Não era apenas um ser humano, muito menos um homem apenas convencional, com seus defeitos e suas qualidades, que às vezes oscilam entre a grandeza e a mediocridade.

Visceralmente retilíneo nas suas crenças e convicções, em seus passos pelo mundo fez profundo e devastador pacto com a vida e a morte, que o guiou até aos extremos a que permaneceu fiel até o último momento, sereno e pacificado, creio eu. Assim ilustrou, com o autoextermínio, que a morte não lhe significava nenhum sacrifício senão o ato redentor da dignidade, que lhe restituía a honra arrancada, elevando-o para a eternidade.

Não lhe exprimia apenas a perda da vida, cujo valor não aferia por critérios puramente humanos; a vitória sobre a morte, de que falou o apóstolo Paulo, era, enfim, o triunfo final e definitivo sobre as misérias humanas, das quais nada mais sobrava, antes reafirmava a divindade e a autonomia do ser humano, pacificando-lhe as atribulações terrenas, que ficavam para trás e lhe permitiam traçar novos caminhos.

Imagino que Getúlio tinha da vida a certeza do seu papel de mera passagem para a morte. Esta, enfim, cuidava de curar as ofensas e os desenganos. Quando tardava ou não chegava, o suicídio era a decisão mais nobre para libertar o homem e restituir-lhe a autonomia recebida no Éden, assim transformando-se em exclusivo árbitro do destino, da derrota ou da glória.

A SUA CRUZ

Registros históricos testemunham essa crença de Getúlio, em documentos legados à posteridade, deitados ao papel em momentos de perigos de desonra. Essa era a sua cruz, o suicídio lhe era a glorificação eterna, que só dependia dele.

Senhores altíssimos dirigentes do nosso país: este artigo se exime de qualquer alusão a Vossas Excelências por um único e decisivo motivo: respeito a individualidade das pessoas, sejam quais forem as funções que exerçam, por mais altas que sejam, assim como as do trabalhador mais humilde. O brando norte assopra em minha vida aquele lindo verso do poeta d. Marcos Barbosa: “Varredor que varres a rua/ varres o reino de Deus”.

Creio em Deus, não faço qualquer apologia do suicídio. Comecei este artigo citando Getúlio Vargas – de quem Vossas Excelências talvez estejam a uma distância sideral – porque o admiro como homem público e estadista. Isso não quer dizer apoio aos seus longos anos de governo, embora o aplauda por medidas pontuais mais profundas.

Todavia, seu notável sentimento de honra e dignidade é luz e clarão para os brasileiros. Tomo a liberdade de clamá-los por inspirar-se nele. Repito, não falo de suicídio, mas de inspiração na honra e na dignidade. Não raro, a renúncia gera a glória de resgatá-las. O tempo é caprichoso e curto.

Ouçam os sussurros da nação, enquanto o fio d’água está luzindo o seu murmúrio. Não permitam que a sua mansa água se transborde pela força das tempestades. Não faltem com os compatriotas na hora trepidante.

20 de março de 2015
Márcio Garcia Vilela
O Tempo

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