Eduardo Suplicy estava 40 minutos atrasado para o único compromisso na sexta-feira depois do Carnaval: conhecer os 188 funcionários e 88 estagiários que passara a chefiar três semanas antes, quando foi nomeado secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo — a estreia dele no Executivo, aos 73 anos. Suas preocupações naquela manhã, no entanto, eram outras.
“Viu o que saiu no UOL?”, perguntou a Rogério Sottili, seu secretário-adjunto. Estava aflito com a manchete que lera na internet: “Suplicy vai receber 52 mil reais de salário.” Sottili começou a rir, balançando os cachinhos do cabelo: “Tá bem, hein, Suplicy?” Em seguida, Suplicy queixou-se de que não conseguia falar com Miguel Rossetto, secretário-geral da Presidência. “Eu ligo pra ele agora”, disse Sottili.
Há mais de quatro anos Suplicy tenta encontrar a presidente Dilma Rousseff para retomar sua ideia fixa: o projeto da renda básica de cidadania, marca de seus 24 anos como senador. Não há sinal de encontro à vista.
Andando pelo Centro a caminho da secretaria (seu gabinete fica em outro prédio), ele lembrou a primeira vez que procurou Dilma, então chefe da Casa Civil, para defender o programa. Foi em 2008. “Ela me convidou para almoçar e colocou uma placa de não incomodar na porta”, disse, com uma ponta de orgulho.
RENDA MÍNIMA
Suplicy apresentou o projeto em 1991, mas o texto só foi aprovado pelo Congresso quando o Partido dos Trabalhadores chegou à Presidência. Pela regra, sancionada por Lula em 2004, todos os brasileiros e residentes no país há mais de cinco anos teriam direito incondicional a um benefício anual.
Os mais pobres começariam a receber primeiro. Não são especificados valores nem de onde sairia o dinheiro. A lei, nunca regulamentada, é de número 10.835. A seguinte, 10.836, transformou-se na bandeira petista: o Bolsa Família, que atende um quarto da população, com a condição de que os filhos estejam na escola.
A quem explica o projeto, Suplicy inexoravelmente cita o exemplo do Alasca, onde parte da renda do petróleo é destinada a um fundo cujos lucros são repartidos igualmente entre os moradores. Em 2008, Dilma ouviu e pareceu interessada. No ano seguinte, os dois se encontraram no almoço de Natal da base aliada. O paulistano prometeu apoio na campanha dela à Presidência. “Ao se despedir, ela me disse: Essa foi a melhor notícia que recebi hoje.”
PEDIDO DE AUDIÊNCIA
Desde que Dilma foi eleita a primeira vez, Suplicy enviou-lhe oito cartas reivindicando o direito de ser recebido no Palácio do Planalto. Pede a criação de um grupo de estudo para “preparar a nação” para a transição do Bolsa Família para o Renda Básica, e anexa cartas de apoio de políticos e intelectuais.
Em 2014, passou a ser mais incisivo nas investidas. Em 23 de abril, foi ao Planalto disposto a falar com Dilma. Acabou recebido por Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social, e Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, que lhe deu um banho de água fria: o custo do Renda Básica equivaleria aos orçamentos da saúde e da educação juntos.
O ex-senador voltou a acossar Dilma em dezembro, no dia em que ela se diplomava na Justiça Eleitoral. Na fila dos cumprimentos, disse-lhe que seria justo que um petista que representou São Paulo no Senado durante tanto tempo fosse recebido por ela. “Mais que justo, senador”, respondeu a presidente.
Perto do Natal, foi atrás de Joaquim Levy, que antes da posse na Fazenda despachava numa sala próxima à de Dilma. Suplicy disse não ver contradição entre as posições do ministro Chicago Boye seu projeto. “A Sarah Palin é do Partido Republicano e como governadora do Alasca aprovou, durante a crise americana, uma lei que pagou uma parcela extra de 1 200 dólares.” No ano passado, cada habitante do estado recebeu 1 884 dólares.
“PEGUE MEU CELULAR”
No tour pela Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, Suplicy perguntava nome e função de cada um. Dava o número de seu celular. “Pode ligar para o que precisar.” Avisou que iria para Nova York naquela noite, mas estaria de volta em 3 de março. Uma funcionária disse que fariam uma campanha na internet para ajudá-lo. “Dia 3 a Dilma vai te receber no aeroporto, secretário.”
Uma assessora comentou que Suplicy é como criança. “Não pode prometer, porque ele não esquece. Ela disse que ia recebê-lo, ele está esperando.” Para Suplicy, não é pirraça, e sim uma filosofia de vida. Citou Goethe: “Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor.”
Mais tarde, mostraria o e-mail de um amigo frei, que lhe garantia que as notícias de sua mágoa com Dilma haviam sido discutidas no Planalto.
O POETA TRANSEXUAL
Sua incursão pela secretaria só terminou no meio da tarde. No setor de políticas LGBT, contou sobre a amizade com Anderson Herzer, poeta transexual que ele tirou da Febem em 1979, oferecendo-lhe um trabalho em seu gabinete. Herzer jogou-se de um viaduto aos 20 anos.
Em seu bolso encontraram o nome e o telefone do então senador.
A história foi adaptada para o cinema, com Raul Cortez como Suplicy, que chorou ao lembrar a história. Na sala seguinte, foi instado a cantar. Foi de Father and Son, de Cat Stevens, a capela.
Nos Estados Unidos, o secretário encontraria o responsável por políticas de imigração da Prefeitura de Nova York e faria uma palestra no Congresso Norte-Americano da Renda Básica, que se reúne anualmente. Antes de encerrar o expediente, Suplicy e Sottili telefonaram ao prefeito paulistano para sugerir que recebesse prisioneiros de Guantánamo. Fernando Haddad ficou de pensar.
AUDIÊNCIA AO PAPA
No carro, a caminho de casa, Suplicy disse ter encontrado a solução para seus dois problemas. Ficaria com a aposentadoria do Senado, mas a parte de seu salário de secretário que excedesse o teto do funcionalismo público seria doada a um fundo, a ser criado pela prefeitura, para instituir a renda básica na cidade. No dia seguinte, a má publicidade estava desfeita: “Suplicy dispensou salário de 19 mil reais”, dizia uma manchete.
Para persuadir Dilma, recorreria à providência divina. A ideia é convencê-la a anunciar o Programa Renda Básica durante a visita do papa Francisco ao Brasil, em 2017. Antes, seria preciso cooptar o sumo pontífice para fazer a cabeça da presidente. “Falta pouco tempo. Vou pedir logo uma audiência com o papa.”
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis)
20 de março de 2015
Carol Pires
Revista Piauí
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