Seriamente preocupado com a intensidade do clamor popular e com a desavergonhada corrupção que tomou conta da Nação literalmente, o governo federal se ocupa de levar adiante medidas visando a dar um destaque no cenário do diploma normativo número 12846/13. Dentre as principais medidas anunciadas temos a criminalização do caixa 2 de campanha eleitoral, o sequestro de bens e dinheiro ilíticos, a venda antecipada desse patrimônio ilegal e o depósito do valor até a coisa julgada, e , paralelamente, o poder da Controladoria Geral da União realizar acordos de Leniência.
Repousa aqui uma das mais graves falhas e talvez a maior da regulamentação, haja vista que o propalado defeito de tratar essa matéria sob as luzes da CGU retira do Ministério Público e do próprio judiciário a condução comportamental do aparato repressivo e do discernimento sobre o horizonte da macrocriminalidade. A ética, decência, moralidade somente serão restabelecidas, na condição de ter o agente a exata noção de sua punição, sem quaisquer tergiversações.
Daí porque centralizar tudo na esfera administrativa não parece ser o melhor mecanismo de combate aos grupos organizados criminosos que tomaram assento em todo o País e fizeram dessa ilicitude a regra maior da paralisação do Brasil e o efeito contagiante na atividade produtiva. Basta dizer que se o TCU não conseguiu apurar a falcatrua a própria mazela, então essa omissão respinga na possibilidade de um acordo de leniência junto à Controladoria Geral da União, quando, a portas fechadas, os interessados poderão bem divisar o norte dos acordos, do pagamento da multa e sua repercussão no contexto da apuração das fraudes perpetradas.
O pacote de medida anticorrupção se afigura tímido e não terá o condão de debelar a mazela. Ao contrário, servirá de estimulo para que os grandes detratores da lei e marginais à sua aplicação se socorram da mão amiga da controladoria geral da União para fins de acordos de leniência, nada
mais inaceitável. A regra de duvidosa legalidade e revestida de perfil de constitucionalidade deverá ser legada aos Tribunais Superiores, eis que além de retirar competência de quem a detém, também favorece acordos a portas fechadas, sem a necessária e mais profunda investigação das causas que serão apuradas ao longo do devido processo criminal.
Enquanto a Nação chocada pede nas ruas moralidade e o fim da impunidade, com a outra mão, o governo acena com a possibilidade, dentro da perspectiva de acordo de leniência com exclusividade destinada a CGU, o que fratura a base do entendimento e elimina o conhecimento pleno e geral a respeito das demais empresas envolvidas e as propinas distribuídas.
Temos muito a caminhar pela frente e não de lado, a criação de varas especializadas é fundamental e igualmente Tribunais, com a supressão de foros privilegiados, o rito célere, acordos de cooperação internacional, e o mais essencial: a rapidez na internação do dinheiro que está fora do País, deliberações que se somam à lei da ficha limpa para pessoa física e também agora para as empresas de uma forma geral.
Enquanto não formos capazes de mudar a mentalidade de agentes públicos e particulares e matarmos com definitivo sepultamento a famigerada Lei de Gerson, todas e quaisquer medidas serão paliativas para combater a chaga da corrupção, cujo rastilho de pólvora se espalha pelos quatro cantos e prepara um grito de rebeldia da população extremamente exausta dos descontroles do Estado e a leniência das autoridades na punição exemplar dos malfeitores do dinheiro público.
20 de março de 2015
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP com Especialização em Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.
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