"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

ÉTICA EMPRESARIAL NO MUNDO GLOBALIZADO

 
Uma das pilastras maiores da recuperação judicial e do princípio fundamental da preservação da empresa é a boa fé empresarial ao lado do estudo de viabilidade do negócio societário. A empresa que pratica atos contrários à ética e de visível ilicitude deve ser mantida ou considerada inidônea nos termos da Lei 12846/13?
 
E quando os seus negócios se relacionam com o governo o que mais contrata e paga, também poderíamos inserir na tessitura do modelo as empresas estatais, cujo controle é do Estado? Infelizmente num Estado de governabilidade pouco ético e sem o estofo moral que se espera, as empresas privadas se degringolam em torno de consórcios e cartéis visando às respectivas dominações do mercado e o aumento ambicioso do lucro.
 
Aplicada a lei na sua essência, uma empresa sem ética e com princípios de governança corporativa abalados pelas ilicitudes cometidas não poderia mais continuar no mercado ou ser aceita a sua recuperação judicial. Em tese é o que estamos observando na melindrosa operação Lava Jato. Contudo, vamos ousar divergir por alguns motivos não menos relevantes.
 
A globalização mundial econômica flexibilizou inúmeros princípios e alcançou no lucro e na concentração de riqueza corporativa as molas propulsoras da amplitude, e de certa forma da largueza da atividade empresarial. Em nenhum momento se pretende defender quem agiu desonestamente ou com o escopo de prejudicar não apenas a empresa, mas emblematicamente o próprio Estado.
 
A declaração de inidoneidade de diversas empresas que têm negócios nos mercados internacionais representaria um preocupante processo de crise social e milhares de empregos diretos e indiretos estariam sendo suprimidos em busca da verdadeira qualidade do negócio empresarial. Conquanto pudéssemos reduzir as milhagens de corrupção as quais nosso Governo sempre carregou e hoje ostenta, o braço dessa desmesurada corrupção não pode ser desviado do foco do Estado brasileiro, da falta de controle e respectiva transparência, na medida em que as empresas estatais, as chamadas sociedades de economia mista, têm um controle muito aquém pelos órgãos responsáveis, respingando no mercado e provocando uma bola de neve, no que diz respeito ao perfil destoante das economias avançadas.
 
Pensamos que os atos praticados pelos diretores, conselheiros e mesmo gestores das empresas não podem ser o mote para a não preservação da empresa ou do negócio, já que eles atuam com um mandato provisório e por tempo determinado. Esculhambadas as portas dos defeitos praticados, por si só, já perdem seus cargos e merecem exemplar substituição com o bloqueio e a indisponibilidade de bens.
 
O mesmo conceito se aplica a latere nas sociedades de economia mista. Não será o ato isolado do controlador de nomear pessoas sem o desejado nível de gestão ou governança corporativa que ensejará o fim da atividade econômica e de âmbito empresarial. Empresas seculares não podem ser extintas ou consideradas simplesmente inidôneas se o jogo de sobrevivência contou com o apoiamento do Estado, o único e maior responsável pelo controle dessas imperfeições e distorções que resvalam em toda a sociedade civil e geram prejuízos que podem chegar na casa de um trilhão de reais.
Nos EUA a situação não é diferente. O processo invariavelmente acaba com  o reconhecimento da culpa e pagamento de pesada multa. Banir do mercado empresas que têm quase cem mil empregados e contam com o dobro de empregos indiretos seria aplicar uma pena de morte para a empresa viável.
 
Daí porque a lei de recuperação que em breve completará uma década previu no seu artigo 64 o afastamento dos maus administradores, e não chegou ao ponto da dissolução da empresa, exceto se inviável fosse alcançado e vencido o período de observação.
 
Enfrentamos uma quadra relevante do cenário nacional. A ética empresarial, ao lado da transparência do negócio, ambas encerram a razão de ser do mundo contemporâneo. Mas jamais iremos conseguir a neutralidade ou a mudança substancial, pois que se os princípios estão deteriorados e a moral em xeque, raramente os demais sobreviverão, pois quem inflige essa catarse e mudança dos usos e costumes é o próprio Estado brasileiro.
 
O processo de punição é apenas o primeiro passo nas esferas penal, civel e administrativa, para o afastamento imediato de todos que se acumpliciaram na mendaz forma de ganhar mediante desabrida corrupção e acobertamento do Estado.
 
Que todo o procedimento possibilite o renascer da ética e da moral empresarial, não apenas das sociedades comerciais, mas principal e inadiavelmente das empresas estatais, cujo controlador necessita se curvar à realidade e findar de uma vez por todas com seus desmandos e arroubos que comprometem não unicamente o ambiente salutar dos negócios, mas desencadeiam crises sistêmicas que podem abalar toda a confiança e credibilidade de uma Nação.
 
26 de janeiro de 2015
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP, com especialização em Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.

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