A vida é curta, precária e frustrante, logo, uma hora dessas, ou Jesus ou Frontal vai bater na sua porta
Não, o título deste texto não é uma citação, apenas uma expressão que em inglês soa melhor. Se formos falar "Jesus não pode encher o saco" ou "Jesus não pode entediar", isso não capta o sentido contemporâneo de Jesus como "commodity".
Inglês é o idioma ideal para o mundo da mercadoria, porque vendemos tudo melhor em inglês. Imagine se fôssemos fazer um comercial sobre como Jesus tem que ser legal para você, se você for um jovem ou uma jovem de 20 anos? "Jesus can't be boring" soaria muito melhor... Ou seja: Jesus tem que ser legal... E somar à sua vida... (ou "agregar valor", expressão que eu pessoalmente detesto).
Estamos falando de mercado religioso. Sim, as religiões competem no mercado de "bens religiosos": festas, significados para vida e para o sofrimento, laços sociais e afetivos dentro das comunidades de fiéis, casamentos, educação de filhos, narrativas de fim de mundo, rituais mágicos ou não, ferramentas de comunicação espiritual ou similares como TV ou mídias sociais, enfim, tudo o que uma religião oferece em termos de "bens de consumo".
A vida não tem sentido aparente, é curta (só parece longa quando sua vida é muito péssima), precária, escassa, frustrante; logo, uma hora dessas, ou Jesus ou Frontal vai bater na sua porta. Se você for mais chique, um Buda light serve.
Vale lembrar que tudo o que falamos aqui sobre Jesus poderia ser falado sobre qualquer outra figura religiosa de peso. Não se trata de nenhuma forma de ironia ou sarro com o cristianismo especificamente. Como estamos numa sociedade majoritariamente cristã, nas suas diversas denominações, podemos falar em "Jesus como bem religioso" como símbolo de todo o processo de commoditização das religiões.
Commoditização das religiões significa a transformação das religiões em bens de consumo tratados via ferramentas de marketing, num mercado de comportamentos em que elas devem competir entre si e com as opções seculares.
Opções seculares são: ateísmo, quase ateísmo, agnosticismo ("não temos provas definitivas nem de que Deus existe nem de que não existe", afirmação que para os ateus é ateísmo que não saiu do armário), humanismo ateu como o do autor britânico A. C. Grayling em seu livro "The God Argument, The Case Against Religion and for Humanism", ou simplesmente, "bode dos deuses, e vamos viver o dia a dia para ver no que dá".
As religiões devem vencer umas às outras como produto, e aos seculares também. É briga de cachorro grande. Nesse processo, a Igreja Católica apanha dos protestantes que já nasceram com a vocação para o business. As afro-brasileiras têm a seu favor a coisa de que são religiões de vítimas sociais --e,se você é branco e vai nelas, você é legal e sem preconceitos.
Como dizem os especialistas em religião e mídia Stewart M. Hoover e Lynn S. Clark, na coletânea organizada por eles, "Practicing Religion in the Age of the Media", da Columbia University Press, de 2002, ou Heidi A. Campbell, no recente, de 2013, "Digital Religion: Understanding Religious Practices in New Media Worlds", da editora inglesa Routledge: as religiões combatem o risco de invisibilidade num mundo veloz e pautado por projetos do self (já digo o que é isso), aprendendo a se tornarem commodities que circulam nas mídias falando a língua de pessoas voltadas para o consumo de bens de comportamento que tornem a vida mais fácil.
"Projetos do self", conceito discutido por Hoover e Clark, são modos de viver em que tudo deve ser ajustado a personalidades narcísicas (leia "Cultura do Narcisismo", de Christopher Lasch, clássico de 1979, sobre o que é ser um narcisista no mundo contemporâneo).
Essa personalidade "líquida", como diz o Bauman, não tolera nada que pese como uma mala sem alça.
Amores, viagens, trabalho (claro, se eles têm grana, se não todo esse papinho vira pó), sexo, deuses, Jesus, tudo deve nos ajudar a emagrecer, a ter uma vida saudável, a cuidar de nosso corpo, e a me ensinar que eu sou a coisa mais importante para mim mesmo.
Sério! Quem quer um Jesus "para baixo"? Logo Jesus terá que vir de bike para a missa, e nada de cruz nas costas.
Não, o título deste texto não é uma citação, apenas uma expressão que em inglês soa melhor. Se formos falar "Jesus não pode encher o saco" ou "Jesus não pode entediar", isso não capta o sentido contemporâneo de Jesus como "commodity".
Inglês é o idioma ideal para o mundo da mercadoria, porque vendemos tudo melhor em inglês. Imagine se fôssemos fazer um comercial sobre como Jesus tem que ser legal para você, se você for um jovem ou uma jovem de 20 anos? "Jesus can't be boring" soaria muito melhor... Ou seja: Jesus tem que ser legal... E somar à sua vida... (ou "agregar valor", expressão que eu pessoalmente detesto).
Estamos falando de mercado religioso. Sim, as religiões competem no mercado de "bens religiosos": festas, significados para vida e para o sofrimento, laços sociais e afetivos dentro das comunidades de fiéis, casamentos, educação de filhos, narrativas de fim de mundo, rituais mágicos ou não, ferramentas de comunicação espiritual ou similares como TV ou mídias sociais, enfim, tudo o que uma religião oferece em termos de "bens de consumo".
A vida não tem sentido aparente, é curta (só parece longa quando sua vida é muito péssima), precária, escassa, frustrante; logo, uma hora dessas, ou Jesus ou Frontal vai bater na sua porta. Se você for mais chique, um Buda light serve.
Vale lembrar que tudo o que falamos aqui sobre Jesus poderia ser falado sobre qualquer outra figura religiosa de peso. Não se trata de nenhuma forma de ironia ou sarro com o cristianismo especificamente. Como estamos numa sociedade majoritariamente cristã, nas suas diversas denominações, podemos falar em "Jesus como bem religioso" como símbolo de todo o processo de commoditização das religiões.
Commoditização das religiões significa a transformação das religiões em bens de consumo tratados via ferramentas de marketing, num mercado de comportamentos em que elas devem competir entre si e com as opções seculares.
Opções seculares são: ateísmo, quase ateísmo, agnosticismo ("não temos provas definitivas nem de que Deus existe nem de que não existe", afirmação que para os ateus é ateísmo que não saiu do armário), humanismo ateu como o do autor britânico A. C. Grayling em seu livro "The God Argument, The Case Against Religion and for Humanism", ou simplesmente, "bode dos deuses, e vamos viver o dia a dia para ver no que dá".
As religiões devem vencer umas às outras como produto, e aos seculares também. É briga de cachorro grande. Nesse processo, a Igreja Católica apanha dos protestantes que já nasceram com a vocação para o business. As afro-brasileiras têm a seu favor a coisa de que são religiões de vítimas sociais --e,se você é branco e vai nelas, você é legal e sem preconceitos.
Como dizem os especialistas em religião e mídia Stewart M. Hoover e Lynn S. Clark, na coletânea organizada por eles, "Practicing Religion in the Age of the Media", da Columbia University Press, de 2002, ou Heidi A. Campbell, no recente, de 2013, "Digital Religion: Understanding Religious Practices in New Media Worlds", da editora inglesa Routledge: as religiões combatem o risco de invisibilidade num mundo veloz e pautado por projetos do self (já digo o que é isso), aprendendo a se tornarem commodities que circulam nas mídias falando a língua de pessoas voltadas para o consumo de bens de comportamento que tornem a vida mais fácil.
"Projetos do self", conceito discutido por Hoover e Clark, são modos de viver em que tudo deve ser ajustado a personalidades narcísicas (leia "Cultura do Narcisismo", de Christopher Lasch, clássico de 1979, sobre o que é ser um narcisista no mundo contemporâneo).
Essa personalidade "líquida", como diz o Bauman, não tolera nada que pese como uma mala sem alça.
Amores, viagens, trabalho (claro, se eles têm grana, se não todo esse papinho vira pó), sexo, deuses, Jesus, tudo deve nos ajudar a emagrecer, a ter uma vida saudável, a cuidar de nosso corpo, e a me ensinar que eu sou a coisa mais importante para mim mesmo.
Sério! Quem quer um Jesus "para baixo"? Logo Jesus terá que vir de bike para a missa, e nada de cruz nas costas.
27 de maio de 2014
Luiz Felipe Pondé, Folha de S.Paulo
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