Artigos - Cultura
Todos os que militaram na esquerda sabem o quanto Olavo está certo; sabem que tal contradição é reconhecida e exaltada, nas fileiras esquerdistas, com o descaramento típico dos que se consideram acima do bem e do mal – e, principalmente, acima de todos os seus semelhantes.
Passados quase vinte anos desde sua primeira edição, esgotado há pelo menos um triênio, O imbecil coletivo, de Olavo de Carvalho, continua a constranger e afrontar a intelligentsia esquerdista nacional, que se mostrou, até o momento, incapaz de realizar um debate à altura das proposições olavianas, preferindo encaramujar-se na mudez aparente, por meio da qual recusa o debate franco mas porta-se como velha alcoviteira.
Envolver seus oponentes num halo de silêncio e desprezo ou refutá-los utilizando argumentos ad hominem – nessas duas atitudes pusilânimes resume-se a estratégia da esquerda para derrotar aqueles que não rezam segundo o catecismo marxista-leninista.
Veja-se, por exemplo, o tratamento ministrado a Gilberto Freyre durante décadas, o esquecimento a que se condenou Álvaro Lins (depois de abandonar o catolicismo, tornou-se marxista, mas nunca se submeteu a ditames partidários) e as críticas que Wilson Martins recebeu depois de morto, como a de Flora Süssekind, que propôs “matar mais uma vez” o crítico literário.[1]
Em todos esses casos, contudo, as estratégias esquerdistas funcionaram apenas temporariamente: o reconhecimento de Freyre não pára de crescer; Lins volta a ser, gradualmente, estudado pelos jovens; e os sete volumes de A história da inteligência brasileira, de Martins, receberam nova edição, revista e atualizada, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Veritas filia temporis, non auctoritatis [2] diziam, com razão, os antigos.
O caso de Olavo de Carvalho não é diverso. E os leitores encontrarão, no Imbecil coletivo, as reações folclóricas e risíveis que ele provocou: ninguém se propôs, repito, ao debate aberto, adulto – e, mais uma vez, o garrote de silêncio e ataques pessoais foi colocado em ação. O que a esquerda não esperava, entretanto, era, primeiro, deparar-se com um pensador de rara coragem, capaz de alardear suas fundamentadas críticas e acusações num tom de voz que se amplia na exata medida dos ataques sofridos, e, segundo, a massa de alunos, admiradores e amigos que Olavo granjearia, formando o vagalhão que hoje se espraia graças a seus inúmeros livros, às aulas do Seminário de Filosofia,[3] aos cursos que ministra, a cada semestre, na Virgínia (EUA), aos artigos semanais no Diário do Comércio, ao Mídia sem Máscara,[4] ao programa True Outspeak [5] e, de forma geral, à Internet, recurso que, infelizmente, outros críticos do pensamento esquerdista não conheceram ou não souberam aproveitar.
Esse trabalho intenso e diversificado só se concretizou porque Olavo de Carvalho é incansável estudioso, como ele próprio relata no ensaio autobiográfico “Memórias de um Esquisitão, ou: O Estado de Coisas”, presente no Imbecil:
Estudei, pois, e estudei muito, tão-somente em vista de compreender alguma coisa deste mundo, e eventualmente do outro, sem a menor pretensão de usar meus conhecimentos para me tornar aquilo que se convencionou denominar alguém.
Urso na toca, mantive-me por trinta anos entre livros e uns poucos amigos, ensinando em cursos privados, sem sentir a menor falta daquela tagarelice colorida que se entende por vida cultural.
Hábito que permanece inalterado e que ele transmite a seus alunos: afastar-se das panelinhas e estudar, estudar, estudar. Não há outra forma de se contrapor às falsas filosofias e ao manto de cinismo e mentira com que a esquerda pretende cobrir cada centímetro da realidade.
Fissura moral
Olavo de Carvalho não se assemelha a Euclides da Cunha, que se definia “como certos pássaros que, para desferir vôo, precisam de trepar primeiro a um arbusto. Abandonados no solo raso e nu, de nada lhe servem as asas; e têm que ir por ali afora à procura do seu arbusto”.[6] Mas apesar de pertencer ao grupo de escritores admirados pelo autor de Os Sertões, os “espontâneos”, que não dependem de “arbustos” – a expressão que Euclides utilizou para se referir a “fatos” –, elabora alguns dos ensaios presentes no Imbecil a partir do que se encontrava, à época da primeira edição, nas páginas dos jornais, ou seja, a partir do material que, difundido graças à cumplicidade midiática, influencia e muitas vezes condiciona as mentes incapazes de elaborar juízos críticos, sempre prontas a aderir aos modismos.
Suas análises, contudo, extrapolam o que poderíamos chamar de “crítica cultural” – e exatamente por esse motivo o livro provoca reações apaixonadas: os “arbustos” em que Olavo se apóia são apenas uma desculpa para expor os vícios de certa intelectualidade. Ele disseca o acordo tácito por meio do qual concentra-se “obsessivamente a discussão em certas correntes de idéias, para bloquear ao público o acesso às outras” – acordo, aliás, que é um “método elegante de censura prévia, que dá ao mais tirânico dirigismo mental a aparência de uma discussão democrática”.
Expõe, a partir da análise das idéias de Christopher Lasch, a existência dessa “nova elite dominante no mundo”, insatisfeita em apenas uniformizar o pensamento e disposta a “reinventar o mundo à sua imagem e semelhança, doa a quem doer”, o que ela chama de “engenharia social”. Após desmontar o pensamento do próprio Lasch, apresentando-o como péssimo leitor de Ortega y Gasset, enfurece a intelligentsia, “hordas de filhinhos de papai”, desnudando cada perniciosa moda transmitida como se representasse um valor universal, cada erro de avaliação referendado pela mídia como filho do brilhantismo, da genialidade. Vira no avesso a lógica deformada que rege os intelectuais tupiniquins, apresentando-a na sua faceta mórbida por meio de uma tese inovadora: a classe cujo único referencial é a mudança política suportou a ditadura militar desprezando a criação de novas formulações, entregue à confusão existencial, à
perda completa do sentido da vida, justificando todas as medidas desesperadas, todas as loucuras, todos os acanalhamentos. [...] Não sabendo viver sem política, a classe letrada encontrou na ditadura o pretexto para legitimar a sua auto-indulgência. A esterilidade cultural do período foi depois inteiramente lançada à conta dos débitos da ditadura. A alegação pareceu verossímil a um público desprovido de pontos de comparação.
Incapaz de encontrar “valor e sentido no trabalho da inteligência fora das finalidades políticas imediatas”, restou à esquerda a inversão de valores que cansamos de presenciar: uma intelectualidade impregnada de “rancoroso preconceito contra o highbrow, de um populismo demagógico que não distingue entre letristas e poetas, jornalistas de idéias e filósofos, repórteres e historiadores, e que toma Gilberto Braga por Honoré de Balzac”. A síntese olaviana, presente em uma das notas de rodapé, tem o peso do veredicto inquestionável, em benefício do qual só surgiram novas e contundentes provas de 1996 para cá: “Um país que publica as obras completas de Antonio Gramsci, Carl Gustav Jung ou Simone de Beauvoir antes de possuir sequer uma tradução integral de Platão e Aristóteles, é que aposta muito mais na superfície do dia do que nas correntes profundas da História”.
Muito além do “pacto sagrado de badalação mútua ou pelo menos da mudez cúmplice que dá direito a prêmios, cargos, verbas e honrarias”, nossos intelectuais “dissolveram todo o senso de responsabilidade pessoal na poção mágica da ‘responsabilidade social’”: ou seja, há uma rachadura moral – “rachadura escondida no fundo da consciência”, diz Olavo – no comportamento desses heróis midiáticos, desses clowns ideológicos cujo cinismo é cultuado como um gesto revolucionário.
O filósofo explica:
Há na alma de cada um desses homens uma parte que não se compromete com o pathos moralizador exibido em público; uma parte que olha tudo isso com frieza e ironia, e que desmente, por dentro, a convicção enfática dos gestos e palavras. Essa parte é a sua consciência crítica, que, formada numa tradição de materialismo histórico e relativismo sociológico, não pode levar integralmente a sério os valores morais.
Todos os que militaram na esquerda sabem o quanto Olavo está certo; sabem que tal contradição é reconhecida e exaltada, nas fileiras esquerdistas, com o descaramento típico dos que se consideram acima do bem e do mal – e, principalmente, acima de todos os seus semelhantes.
A mente revolucionária torna-se um nada se abdicar dessa arrogância, dessa fissura ética, da qual se lembra apenas quando o malefício vem bater à porta. Um dos melhores exemplos da quinta-essência da mente revolucionária é o brado de Nikolai Bukharin, comemorando o terror stalinista: “Existe algo de grandioso e ousado na idéia de um expurgo geral”, ele dizia, febril, sedento de sangue. Logo depois, preso pelo monstro que ajudara a criar, escreve um bilhete a Stalin: “Koba, por que precisa que eu morra?”. É curioso que tal pergunta não lhe tenha surgido quando celebrava as mortes ordenadas pelo colega de partido... Mas assim se comporta a esquerda: os valores morais são úteis somente para salvar a própria pele.
Mentalidade amoral, esquematismo de pensamento, nacionalismo tacanho – o acertado diagnóstico de Olavo comprova que só poderíamos desembocar, necessariamente, no vazio metafísico:
No Brasil, as correntes metafísicas jamais chegaram a penetrar além da superfície. O platonismo, o racionalismo clássico de Descartes e Leibniz, o idealismo alemão, a ontologia fenomenológica de Hartmann, isto para não falar da metafísica tradicional hindu ou chinesa, permaneceram para nós uma referência exótica, muito distante das preocupações reais da intelectualidade, a cuja demanda de explicações as ciências sociais pareciam fornecer uma resposta mais prática e ao alcance da mão. Daí que o sociologismo, positivista e depois marxista, tenha se tornado o molde e cadinho onde se formaram as idéias e inclinações dominantes da nossa intelectualidade.
Conclusão que, em outro trecho, surge exposta sob nova forma, referindo-se exclusivamente à produção intelectual da Universidade de São Paulo (USP):
Façam o que fizerem, andem por onde andarem, os cérebros uspianos estarão sempre girando em torno do valor, da alienação, do capital, e de todas aquelas palavras mágicas que, nascidas para a descrição de um fenômeno histórico local e passageiro, são infladas em seguida até se constituírem em chaves, princípios e critérios de ilimitado alcance ontológico, dos quais se pode esperar licitamente a explicação de tudo quanto existe sob o Sol e acima dele, bem como dentro e em torno.
Entre a síntese e a veemência
O período acima demonstra também a qualidade estilística do texto olaviano: no trecho de pontuação correta, idéias se sucedem, sobrepondo camadas de sentido que clarificam o núcleo do pensamento até alcançar as últimas palavras, hiperbólicas exatamente para expressar ironia.
Olavo de Carvalho também produz frases lapidares, que arrematam a discussão e permanecem como juízos empolgantes, principalmente num tempo como o nosso, em que os intelectuais temem as certezas, fogem do texto assertivo, inclinam-se à inanidade ou à ataraxia:
Uma cultura em que as regras de bom-tom são mais relevantes do que a veracidade intrínseca dos argumentos é uma cultura moribunda
– ele afirma, construindo o aforismo que tem o impacto de uma bofetada. Safanão que se repete ao concluir um raciocínio sobre nossos intelectuais:
Volúveis e inseguros, esfalfam-se por acertar o passo com as badaladas do relógio da moda, esse eco da História que tomam pela História mesma.
E ninguém, em sã consciência, poderá contestar a verdade que Olavo resume nestas linhas:
Um povo, para ter independência mental, não precisa ter nenhum novíssimo e extravagante esquema de percepção sacramentado pela moda filosófica européia e norte-americana. Precisa apenas ter a coragem de raciocinar.
Utiliza semelhante tom afirmativo para explicar a quem se refere, afinal, o título deste livro; sem dispensar, é claro, o meio sorriso:
O imbecil coletivo não é apenas a soma de um certo número de imbecis individuais. É, ao contrário, uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior, que se reúnem com a finalidade precípua de imbecilizar-se umas às outras e obtêm nisto um razoável sucesso.
Sua habilidade para a síntese, contudo, apenas anuncia o que ele pode fazer num longo período. Veja-se este trecho pleno de irreverência, por vezes agradavelmente coloquial, mas sem contemporizações ou platitudes:
[...] o Brasil é o único país do mundo onde a filosofia é uma especialização, dispensável para os intelectuais de todos os outros ramos, e onde – numa espécie de perversão complementar – um diploma de bacharel em filosofia dá direito ao título de “filósofo”. Isto produz nos ambientes letrados um estranho cacoete burocrático: quando sou apresentado como filósofo, logo o interlocutor me pergunta em que departamento estou, quem é meu chefe, se sou efetivo ou contratado, e outras coisas por este gênero, que subentendem ser a condição de filósofo um tipo de cargo público. Um ar de profunda consternação esboça-se no rosto do interrogante quando respondo que não estou em parte alguma, não tenho chefe nem subordinados como aliás não os teve o bom Sócrates, nada entendo de planos de carreira e, quanto a títulos, só os tive no protesto, graças a Deus resgatados a tempo. Explico então, mais que depressa, que não sou filósofo não, apenas um escritor de livros que, por mera coincidência, tratam de filosofia, professor em cursos privados que, dada a minha carência de outros conhecimentos, tratam também de filosofia, e proprietário de um cérebro que, por absoluta falta de outros interesses, se ocupa de filosofia obsessivamente e em tempo integral. Ao ver-me reconhecer que todas essas coisas não bastam para me fazer um filósofo – condição funcional reservada àqueles que, sem nunca terem escrito livros de filosofia, proferido cursos de filosofia ou pensado em problemas filosóficos por um único instante, bocejaram aplicadamente por quatro anos num cursinho universitário –, o interlocutor parece sentir-se aliviado. Mas por dentro fico me perguntando quando uma similar identificação funcional começará a ser exigida aos poetas, aos santos, aos heróis, os quais formam, com o filósofo ou aspirante a sábio, a quaternidade das formas superiores de existência, que nós outros, passadistas empedernidos, imaginávamos irredutíveis a qualquer carimbo de identidade profissional.
E ainda este outro exemplo, delicioso período anafórico no qual podemos ouvir o tom candente de um professor que fala ex cathedra:
Mesmo antes do advento do mundo moderno e do “intelectual” ou retórico puro que constitui a sua figura dominante, já era a retórica a fonte do poder. Quem transformou a Igreja em força política não foram os teólogos especulativos, mas os pregadores. A Europa já estava toda cristianizada pelo verbo candente dos apologistas quando, séculos mais tarde, se organizou com Alberto e Tomás o corpo doutrinal da teologia aristotelizante, que após enfrentar muitas resistências veio a ser aceita como doutrina oficial da Igreja no século XIX (!), e à qual no entanto Maranhão,[7] com a mais completa ignorância do assunto, atribui “vinte séculos de repressão da verdade”. É a retórica de S. Bernardo – e não a teologia de Tomás ou de quem quer que seja – que leva a Europa à aventura das Cruzadas, da qual sai menos cristã do que quando entrou. É a retórica que acende as fogueiras da Inquisição e é a retórica que, ao apagá-las, aproveita para afogar num banho de calúnias a filosofia escolástica, à guisa de bode expiatório. É a retórica de Hobbes e Bodin que, contra o poderio papal, ergue os fundamentos da monarquia absoluta, e é a retórica que volta as massas contra a monarquia absoluta, lançando as culpas dela à conta da Igreja que fora em verdade sua primeira vítima. A retórica move o mundo desde sempre, e, se ele vai para o abismo, é levado pelos retóricos. Pelos retóricos, e não pelos teólogos, pelos filósofos, pelos homens de ciência, pelos contemplativos e indagadores da verdade. Mesmo a força das armas permanece adormecida e inofensiva se não é despertada por uma boa retórica. É preciso ser um completo desconhecedor da História — ou então um rematado mentiroso, coisa que não creio que Maranhão seja — para vir agora nos oferecer o império da retórica como uma novidade e como uma via de salvação. Esse império é quase tão velho como o mundo. Ele começa naquele dia em que o primeiro retórico apostou na eficácia persuasiva do primeiro símile: “Sereis como deuses...”. Não há como deixar de reconhecer um eco distante dessa proposta no momento em que o homem de marketing vem nos oferecer o livre mercado das idéias como uma proteção contra a “tirania da verdade”. Pois toda idéia que não se submeta de bom grado a essa “tirania” não vale nada: é pura retórica.
Literatura e mediocridade
Décadas de governo esquerdista infligem ônus avassalador à cultura, extremam tentativas de controle ideológico. É o que vemos hoje, inclusive no crescente movimento para transformar Lima Barreto num escritor que mereça ser equiparado aos maiores da língua portuguesa. A crítica que não admite matizações trata o autor de Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá como um gênio: endeusa até mesmo seu alcoolismo e seus eternos ressentimentos. Mas, em 1996, Olavo de Carvalho anunciava essa inversão de valores:
Já houve quem, preferindo a simples nacionalidade dos temas à grandeza consumada de um clássico, pretendesse destronar Machado de Assis para colocar em seu lugar Lima Barreto, um escritor muito bom, sem dúvida, mas cujas realizações ficam obviamente aquém das promessas.
O próprio major Quaresma – protagonista de Triste Fim de Policarpo Quaresma –, hoje visto, por alguns exaltados, como símbolo do melhor idealismo, nacionalista de esquerda circundado de estúpidos, sonhador corajoso e pueril, recebe de Olavo a análise correta:
[...] o Major Quaresma é ao mesmo tempo, e inseparavelmente, um estudioso autêntico e um pseudo-intelectual – um herói trágico e uma caricatura. Seu empenho científico é tão genuíno quanto a vocação literária de Isaías Caminha; e sua visão do mundo, viciada pela estreiteza da mania nacionalista, é tão falsa quanto a identidade profissional do “homem que sabia javanês”. É precisamente a sinceridade da falsa consciência que singulariza o Major e faz dele a epítome da intelectualidade brasileira.
Nesse empenho para exaltar Lima Barreto, nossos críticos só aprimoraram suas próprias caricaturas, incorporaram ainda mais a “falsa consciência” apontada pelo filósofo.
Olavo de Carvalho salienta também outros dois desvios, cada vez mais presentes em nossos estudos literários: a regra imperiosa de que a obra de ficção seja, antes de tudo, “‘nacional’ na linguagem e nos temas”, pouco importando se é “bela, profunda e verdadeira”; e o vício ufanista de utilizar critérios estéticos condescendentes, tornando o medíocre genial apenas para criar, à força, um corpus que ocupe largo espaço nas bibliotecas – e impressione o senso comum ou os desavisados:
[...] nossos educadores julgam muito natural impingir aos jovens a leitura de Joaquim Manuel de Macedo, de Bernardo Guimarães e de toda uma plêiade de autores de segunda ou terceira ordem, por serem tipicamente nacionais, ou típicos da formação histórica nacional, ao mesmo tempo em que se omite da educação literária qualquer menção a escritores de valor muito mais alto, como Da Costa e Silva, por ser muito grego, José Geraldo Vieira, por ser excessivamente português, ou Hilda Hilst, por não ter raízes em nenhum lugar conhecido no sistema solar.
Não é estranho, portanto, que nossa literatura contemporânea mostre-se incapacitada, em grande parte, para tratar de questões universais, presa, com raras exceções, ao exercício de descrever a banalidade da vida por meio de uma linguagem igualmente banal, mas que alguns escritores e críticos crêem, erroneamente, ser a melhor expressão de alguma suposta vanguarda. Não haveria outro caminho para um país em que se cultua a mediocridade em nome de critérios externos à própria literatura, apenas para dar vida a um projeto de nacionalismo exacerbado de forma estrábica pela Semana de 22.
Seres excêntricos
Longe de ser análise exaustiva de O imbecil coletivo, este breve ensaio almeja entusiasmar o leitor a empreender o percurso proposto pelo filósofo: perscrutar o Brasil dando as costas, inicialmente, às escolhas diárias que a mídia impõe; depois, não “julgar o passado com os olhos do presente – o mais volúvel dos juízes –, mas [...] julgar o presente à luz do passado; à luz das suas esperanças, sobretudo, que são às vezes o mais temível testemunho contra a arrogância do presente”.
Se conseguirmos olhar a realidade a partir dessa inversão extraordinária, os personagens que surgem no Imbecil coletivo, alguns ainda pontificando na vida do país, assumirão sua verdadeira natureza: raríssimos com inteligência própria; a maioria, seres excêntricos, exemplos estapafúrdios ou nocivos do pesadelo nacional, dignos de constar num bestiário de monstros híbridos ou espécimes abomináveis apenas porque grunhem suas mentiras sob o comando justo e rigoroso de Olavo de Carvalho.
01 de março de 2014
Rodrigo Gurgel
Notas:
[1] “A crítica como papel de bala”, jornal O Globo, 24 de abril de 2010, disponível em: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/04/24/a-critica-como-papel-de-bala-286122.asp.
[2] A verdade é filha do tempo, não da autoridade.
[3] http://www.seminariodefilosofia.org/.
[4] http://www.midiasemmascara.org/
[5] http://www.blogtalkradio.com/olavo.
[6] Luso, João. “Dominicals”, Jornal do Comércio, 22 de agosto de 1909. Apud Rabello, Sylvio. Euclides da Cunha, Capítulo VI, Editora Civilização Brasileira/INL/Fundação Nacional Pró-Memória, 3ª edição, RJ, 1983.
[7] Refere-se a Jorge Maranhão e ao livro de sua autoria, Mídia e Cidadania. Faça Você Mesmo, publicado pela Editora Topbooks em 1993.
Nenhum comentário:
Postar um comentário