Faltando menos de duas semanas para o carnaval, os brasileiros conhecem finalmente, com quase dois meses de atraso, um dos itens mais importantes da política econômica: a meta fiscal aprovada pela presidente Dilma Rousseff.
O resultado previsto no Orçamento aprovado no fim do ano jamais foi levado a sério. A meta agora sacramentada é um superávit primário de R$ 99 bilhões para todo o setor público, soma equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2014.
O governo central deverá contribuir com R$ 80,8 bilhões. O anúncio foi bem recebido por boa parte do mercado financeiro.
Pelo menos quanto a isso o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua colega do Planejamento, Miriam Belchior, podem ficar satisfeitos. Reconquistar a confiança dos mercados e afastar o risco de um rebaixamento da nota de crédito do Brasil têm sido, neste começo de ano, um dos principais objetivos da administração federal. Mas a vitória ainda é insegura. Falta esclarecer pontos importantes dos novos planos e mostrar seriedade e eficiência, nos próximos meses, na gestão das finanças públicas.
Para começar, o governo promete podar R$ 44 bilhões dos gastos previstos no Orçamento aprovado no fim do ano. Mais que um contingenciamento, isto é, uma suspensão provisória de despesas, o corte deve ser definitivo, por causa da perspectiva de baixo crescimento econômico neste ano. Pelas novas projeções, o PIB deve crescer 2,5% em 2013, em vez dos 3,8% indicados no Orçamento. Com menor crescimento e gastos contidos, o governo agora prevê inflação de 5,3%, meio ponto abaixo da estimada anteriormente.
Mas seria prematuro entender o plano recém-anunciado como um compromisso de austeridade e de bom planejamento das ações de governo. O resultado fiscal prometido vai depender de R$ 13,5 bilhões de receitas extraordinárias, proporcionadas, segundo se prevê, por novas concessões na área de infraestrutura. Será uma soma bem menor que a obtida no ano passado, de cerca de R$ 35 bilhões, mas, ainda assim, com peso considerável: R$ 13,5 bilhões correspondem a 16,7%, pouco mais que um sexto dos R$ 80,8 bilhões de superávit primário previstos para o governo central. Além disso, o Tesouro contará com dividendos pagos pelas estatais e sensivelmente ampliados nos últimos anos.
Entre os fatores de incerteza, destaca-se neste momento o custo fiscal da energia produzida pelas térmicas, bem mais cara que a gerada pelas hidrelétricas. No ano passado, o Tesouro contribuiu com R$ 9 bilhões - mesmo valor previsto para este ano - para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para cobrir, entre outros itens, o subsídio ao consumo de eletricidade.
Se o governo insistir em subsidiar o consumo, para evitar o repasse de custos aos consumidores, será preciso pôr mais dinheiro na CDE. Não há estimativa de custo adicional, disse o ministro da Fazenda. Segundo especialistas, o dispêndio para o Tesouro poderá subir para uns R$ 15 bilhões, talvez mais. Se isso se confirmar, será preciso podar mais uns R$ 6 bilhões de outras contas para garantir o resultado prometido.
Mesmo sem discutir esse ponto, os ministros da Fazenda e do Planejamento prometeram concentrar os cortes nos itens de custeio, mas admitiram também alguma redução do investimento. Não haverá neste ano, disse também o ministro Mantega, novas desonerações de tributos para setores produtivos.
A redução do crescimento previsto parece um sopro de realismo, virtude rara na fala da presidente Dilma Rousseff e de seus auxiliares. Mas o ministro Mantega insistiu, durante a apresentação do plano, em atribuir a piora das perspectivas brasileiras ao cenário internacional inseguro e com recuperação econômica ainda lenta.
Ele seria muito mais convincente e muito mais tranquilizante se abandonasse o discurso fantasioso e admitisse um fato bem conhecido dentro e fora do País: os mais importantes entraves ao crescimento brasileiro são problemas internos, como o gasto público excessivo e ineficiente, a inflação elevada e o investimento muito baixo. Se o objetivo é reconquistar confiança, conversa franca seria um começo muito mais promissor.
21 de fevereiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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