"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

AS FORMAS DE LUTA PELO PODER: A FORMA PACÍFICA

                     
          Artigos - Movimento Revolucionário        
 
Uma coisa é conhecer os fatos, outra é conhecer o porquê dos fatos.

Durante a II Guerra Mundial, quando a União Soviética lutava, junto à Inglaterra, EUA e outros países, contra o nazismo, Stalin propôs, em 15 de março de 1943, a dissolução da III Internacional, dissolução que foi materializada em 9 de junho de 1943 através de um comunicado do Comitê Executivo da IC, assinado por Giorgy Dimitrov, então Secretário-Geral . Dentre os partidos comunistas que aprovaram a dissolução, estavam os da Argentina, Cuba, Colômbia e Chile. No comunicado de Dimitrov assinalava expressamente que “a proposição de dissolver a Internacional Comunista havia sido aprovada unanimemente pelas  seções que tiveram a possibilidade de comunicar suas decisões em tempo”.
 
Com mais eloquência que esse parco comunicado do Comitê Executivo da IC, anteriormente, em 28 de maio desse mesmo ano, em uma entrevista à agência de notícias “Reuters”, em Moscou, Stalin assinalou que “a dissolução da III Internacional fora acertada porque, assim, evidencia a mentira das forças hitleristas, que afirmam que Moscou trata de imiscuir-se na vida de outras nações para bolchevizá-las. Agora, poremos fim a essa calúnia. Essas calúnias afirmam que os partidos comunistas dos diversos países atuam não no interesse de seus povos, e sim sob ordens exteriores. Isso também facilitará as atividades dos patriotas, nos países amantes da liberdade, para unir as forças progressistas de seus respectivos países, sem distinção de partidos e de credos religiosos, em um campo único de libertação nacional, para desenvolver a luta contra o fascismo”.

O ato do Comitê Executivo da III Internacional, inspirado por Stalin, dissolvendo essa organização, objetivou, portanto, dar fim a “uma calúnia”. Todavia, Stalin conservou no território soviético os antigos e futuros estados-maiores de todos os partidos comunistas europeus: romeno, polonês, húngaro, búlgaro, tcheco, alemão, italiano e francês que, quando do término da guerra, faria regressar aos seus países.
                  
Em 5 de outubro de 1947, Stalin criou o Kominform (Departamento de Ligação e Informação dos Partidos Comunistas Europeus).
                  
A doutrina supostamente científica do marxismo-leninismo define a revolução socialista como resultado de um combate simultâneo em várias frentes: política, econômica e ideológica. Todavia, as formas sob as quais se desenvolve esse combate dependem da combinação concreta de fatores internos e externos de cada país.
 
Entre os fatores internos podem ser citados os níveis de desenvolvimento econômico e cultural do país; o grau de organização e influência do partido comunista local; se ele está ou não na legalidade; a correlação de forças entre as classes; as tradições nacionais; etc. Entre os fatores externos figuram a solidez das ligações do partido comunista nacional com partidos comunistas de outros países; a situação internacional geral; as relações com países vizinhos; etc.
 
Cada caso particular determinará a originalidade da tática a ser implementada e as formas de luta pelo poder que, por mais variadas que possam ser, podem ser resumidas, num plano muito geral, em duas essenciais: a forma pacífica e a forma não pacífica. Esta pressupõe o emprego da luta armada.
 
A absolutização tanto de uma como de outra dessas formas de luta não é aceita pela ortodoxia marxista. A prática revolucionária e as condições objetivas e subjetivas é que irão determinar, em cada momento, a forma de luta a ser utilizada. Ambas, no entanto - e isso é importante ter sempre presente -, a pacífica e a não pacífica, são revolucionárias. Qualquer que seja a forma pela qual a revolução socialista venha a se processar, ela implicará sempre na derrubada do regime dominante e, nesse sentido, será sempre um exercício de violência, pois, em última análise, ninguém renuncia ao poder e à propriedade privada de livre e espontânea vontade.
 
Após fevereiro de 1917, na Rússia, quando foi instalado o governo de Kerensky, Lenin chegou a considerar a possibilidade de uma conquista pacífica do poder, mediante a passagem de todo o poder aos sovietes. Essa perspectiva foi considerada por Lenin, naquele momento, devido à fraqueza e desorganização da burguesia russa. “Infelizmente”, segundo a história da Revolução Bolchevique escrita na União Soviética, “a via pacífica não foi tornada possível, face à reação dos expropriadores, que se recusaram a ser expropriados sem luta”.
 
Desde então, a existência de um Estado fraco, contraposto à força e organização de um partido comunista que se considera o “estado-maior do proletariado”, passou a ser considerada a condição fundamental para um desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, se é que uma revolução, qualquer que seja, terá condições de desenvolver-se pacificamente.
 
Posteriormente, por considerar que a modificação da correlação de forças em nível internacional aumentara as possibilidades de um desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, a concepção marxista-leninista dessa via foi sendo desenvolvida nas conferências teóricas internacionais dos partidos comunistas, realizadas em 1957, 1960 e 1969, e, em seguida, nas resoluções políticas dos congressos de vários partidos.
 
Esse desenvolvimento “pacífico” pode revestir-se de formas diversas. Uma delas é a utilização do Parlamento, obtendo nele uma maioria - não necessariamente numérica, uma vez que para o marxismo-leninismo o conceito de maioria é mais rico e complexo: o de “maioria ativa” -, transformando-o e convertendo-o num instrumento da vontade das “amplas massas”.
 
Foi isso que aconteceu na Checoslováquia no período de 1945 a 1948, conforme relatado no livro “O Assalto ao Parlamento - A Tomada do Poder pela Constituinte”, escrito por Jan Kosak, deputado comunista na Assembléia Constituinte checoslovaca. Nesse livro, ele relata minuciosamente como o Parlamento de seu país foi levado a desempenhar um papel revolucionário na transição para o comunismo, derrubando um regime parlamentar que funcionava com uma maioria não-comunista baseada em princípios democráticos, “transformando o Parlamento de um órgão a serviço da burguesia em um instrumento criador de medidas democráticas que conduziram à mudança gradual da estrutura social, instrumento direto da revolução socialista”. Isso só foi possível graças à “maioria ativa”.
 
Além da conquista do Parlamento, os comunistas, na luta pela chamada “conquista pacífica do poder”, propõem outros objetivos de luta: a “democratização” do aparelho do Estado, a participação dos operários na gestão econômica das empresas e a criação de uma opinião pública que limite a possibilidade da classe dirigente opor resistência à aplicação de uma “política favorável à maioria do povo”.
 
O chamado desenvolvimento pacífico da revolução não é, todavia, um “pic-nic”, uma transformação harmoniosa do capitalismo em socialismo, uma renúncia voluntária das classes dominantes ao poder político. Isso eqüivale a dizer que essa via, de forma alguma, significa a interrupção da luta de classes ou a diminuição da sua intensidade. É, basicamente, a combinação de uma “pressão de cúpula”, desenvolvida a partir do Parlamento e outros órgãos da máquina estatal, com a “pressão de base”, levada a efeito pela atividade revolucionária das “amplas massas”. Segundo Lenin escreveu, em 1905, quando da Revolução de Fevereiro, na Rússia, “restringir, como princípio, as ações revolucionárias às pressões de base e renunciar às pressões de cúpula é anarquismo”.
 
Na hipótese de “o governo estabelecido recorrer à violência contra o povo, a classe operária e as amplas massas serão levadas a atuar também nesse terreno, para ... assegurar a passagem ao socialismo por meios pacíficos”. Se invertermos os termos, o significado será o mesmo: “na hipótese do governo estabelecido recorrer à violência contra a classe operária e as amplas massas, o povo ver-se-á obrigado a atuar também nesse terreno...”
 
Luiz Carlos Prestes, quando Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro, analisando as causas da derrota das forças democráticas em março de 1964, declarou: “As possibilidades do chamado caminho pacífico (...) foram, em geral, erradamente interpretadas por nós, como se a revolução pudesse ser um processo idílico, sem choques nem conflitos” (“Revista Internacional” nº 6, junho de 1968).
 
O leninismo, considerado o “marxismo da época do imperialismo”, assinala que a eficácia da luta armada é determinada, em cada caso, pelo grau de maturidade das chamadas “condições objetivas e subjetivas” do país dado. A luta armada poderá ser considerada objetivamente necessária em determinadas condições, o que, em absoluto, significará que essa forma de luta seja a única a ser considerada revolucionária.
 
É por essa razão que os marxistas-leninistas ortodoxos condenam os “aventureiros de esquerda”, que enfatizam desmedidamente o emprego das armas em quaisquer partes e sejam quais forem as circunstâncias, subestimando a importância da forma de luta “pacífica”.
 
Segundo Lenin, “desenvolver a democracia até o fim, procurar as formas desse desenvolvimento, pô-las à prova na prática, é uma das tarefas essenciais da luta pela revolução social”.
 
A Conferência Internacional dos Partidos Comunistas, realizada em 1969, indicou em seu documento final que “na medida em que se desenvolve a unidade de ação contra o monopólio e contra o imperialismo, amadurecem as condições favoráveis à coesão de todas as correntes democráticas numa aliança política capaz de limitar de uma maneira decisiva o papel dos monopólios na vida econômica do país, de colocar um fim ao poder do grande capital e de estabelecer um regime que realize transformações políticas e econômicas radicais, criando, dessa forma, condições mais favoráveis ao prosseguimento da luta pelo socialismo”.
 
Finalmente, observa-se que nos programas de diversos partidos comunistas dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, o lugar central não cabe à luta imediata pelo socialismo e sim àquelas reivindicações políticas, econômicas e sociais que tornarão factível essa luta. Esses partidos, conscientes das necessidades de determinadas etapas na luta pelo socialismo, definiram como objetivo realista a tomada paulatina do poder político da burguesia, substituindo-o por uma “democracia contínua”, susceptível de satisfazer aquilo que denomina de “aspirações das amplas massas”, sempre dirigidas, é claro, pelo seu partido, o “partido da classe operária, estado-maior e vanguarda do proletariado”: o Partido Comunista. Ou seja, a tomada do Poder à la Gramsci.

Esse é o conteúdo da forma de luta “pacífica” da estratégia para a revolução socialista.


21 de fevereiro de 2014
Carlos Azambuja é historiador.

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