Esmurram as paredes dos de cima, gritando: “Ou repartimos o que temos nesta única nave espacial ou, num certo momento, acabará o combustível e morreremos todos”. Mas quem os escutará? Impassíveis, dormem depois de um lauto jantar. Metaforicamente, essa é a situação real da humanidade. Como chegamos a ela?
Temos experimentado dois modelos de produção e de utilização dos bens e serviços naturais para atender as demandas humanas: o socialismo e o capitalismo. Ambos fracassaram.
O socialismo real era de economia de planejamento estatal centralizado. Por razões internas e externas, especialmente por seu caráter ditatorial, não conseguiu resolver suas contradições e ruiu.
O capitalismo neoliberal de mercado livre também fracassou em razão de sua lógica interna, a de acumular de forma ilimitada bens materiais sem qualquer outra consideração.
O comunismo chinês é sui generis: pragmaticamente, combina todos os modos de produção, desde o uso da força física das pessoas e dos animais, até a mais alta tecnologia, articulando a propriedade estatal com a privada ou mista, desde que o resultado final seja uma maior produção com o mínimo sentido de justiça social e ecológica.
ESGOTAMENTO
Mas importa reconhecer que está crescendo o convencimento bem-fundado de que o sistema Terra, limitado em bens e serviços, pequeno e superpovoado, já não suporta um projeto de crescimento ilimitado. Mas, por ser uma superentidade viva, a Terra reage de forma cada vez mais violenta: mudanças climáticas bruscas, furacões, tsunamis, degelo, desertificação, erosão da biodiversidade e aquecimento global. Quando vai parar esse processo? Se continuar, para onde nos vai levar?
Somos urgidos a mudar de rumo, a assumir novos princípios e valores. O documento mais inspirador é, seguramente, a Carta da Terra, nascida de uma consulta mundial que durou oito anos, aprovada pela Unesco em 2003. Ela incorpora os dados mais seguros da nova cosmologia que mostra a Terra como um momento de um vasto universo em evolução, viva e dotada de uma complexa comunidade de vida.
Quatro princípios axiais estruturam o documento: o respeito e o cuidado pela comunidade de vida (1); a integridade ecológica (2); a justiça social e econômica (3); a democracia, a não violência e a paz (4). Com severidade, adverte: “Ou formamos uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscamos nossa destruição e da diversidade de vida”.
HUMANIDADE
As palavras finais do documento apelam para uma retomada da humanidade: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a um novo começo. Isso requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal.
Só assim alcançaremos um modo de vida sustentável nos níveis local, regional, nacional e global”.
Não fala de reformas, mas de um novo começo. Trata-se de reinventar a humanidade. Tal propósito demanda um novo olhar sobre a Terra, vista como um ente vivo, e uma nova relação de cuidado e de amor.
Esse é o caminho que servirá de carta de navegação para a nave Terra aterrissar segura num outro tipo de mundo.
19 de janeiro de 2014
Leonardo Boff
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