A realidade da América do Sul, desde que os países se tornaram independentes de Espanha e Portugal, consiste em ininterruptos projetos de reforma. A estranha obsessão por mudanças tenta ocultar o fracasso de projetos que permanecem no papel, para logo serem esquecidos e abandonados.
Veja-se a declaração da socialista Michelle Bachelet, ao ser reconduzida à Presidência do Chile, no primeiro comício após a vitória: "Finalmente é o momento de fazer mudanças". Finalmente, por quê? Não poderia tê-las levado avante no primeiro mandato? Reencontrou o país estraçalhado? Certamente, não. Afinal, segundo a opinião de viajantes, seria o Chile uma espécie de oásis, dentro de desolador cenário político sul-americano.
A proclamação peca pela ausência de originalidade. Não há candidato, na tumultuada história do continente, que economize promessas de estabilidade econômica, geração de emprego e renda, saúde, educação, transporte, segurança, sem abrir mão das garantias democráticas. Com raras exceções, assumem compromissos irreais de combate à corrupção e juram estar dispostos a lutar pela moralização dos costumes. Poucos, entretanto, têm a coragem de dizer que desenvolvimento é fruto de trabalho pesado e persistente, austeridade nos gastos, equilíbrio das contas públicas, que não haverá progresso se não houver um mínimo de entendimento entre governo, oposição e povo.
Caso singular é o do Uruguai. A única reforma que até agora promoveu o presidente José Mujica consiste na liberação do plantio e da comercialização da maconha. Fazendo fronteira com o Brasil, no Rio Grande do Sul, já antevemos os reflexos que a medida insana trará ao nosso país, que hoje enfrenta o dramático problema da expansão do baseado entre jovens de todas as classes sociais, o crescente consumo de crack, cocaína, heroína e outros produtos proibidos. Vozes já se ouvem entre nós em defesa de idêntica bandeira. Talvez venhamos a ter, em maços de cigarro de maconha, e embalagens de cocaína, a inócua frase "use com moderação", encontrada em latas e garrafas de bebidas alcoólicas.
Voltando as atenções para Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia, em décadas de luta contra o narcotráfico, percebemos o perigo que nos circunda, e a necessidade de proteção ao Estado Democrático de Direito, em particular do Poder Judiciário, cuja majestade o PT procura desacreditar após a prisão dos mensaleiros.
É útil o paralelo entre América do Sul e Europa. Enquanto, por aqui, a urgência de medidas corajosas e inovadoras se resolve com promessas, no Velho Continente, crises são combatidas sem o temor da adoção de medidas de austeridade. Experiências acumuladas com guerras, fome, desemprego fizeram com que eleitores e políticos se convencessem da inexistência de medidas simples e rápidas para derrotar desafios que demandam firmeza, integridade e severas punições para transgressores. Acreditamos, como Fernando Pessoa, que "Deus quer e, o homem sonha, a obra nasce".
Com o fim do regime militar, foi devolvida à nação a responsabilidade de sustentar a democracia e resolver problemas de governabilidade e desenvolvimento. Após malogrados esforços para conter os preços, durante os governos de José Sarney e Fernando Collor, havíamos conseguido, com Fernando Henrique Cardoso, aquilo que era tido como impossível: estabilizar a moeda, deter a inflação, preparar a retomada do crescimento. Numerosos obstáculos tiveram que ser superados pela equipe econômica, liderada por Pedro Malan, ministro da Fazenda, para combater o pessimismo e neutralizar opositores e especuladores, beneficiados pelo ambiente anárquico dominante na economia.
Doze anos depois, o país está em marcha a ré. O ministro Mantega fala em crescimento com pernas mancas, para justificar o pífio Produto Interno Bruto (PIB). Esquece-se de que foi o governo quem comprometeu o tripé estabilizador: câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação.
Poucas são as esperanças da oposição em 2014. Sob a dupla PT-CUT, teremos reformas, ou o Brasil se perderá na inconsistência populista dos discursos? Iludir a realidade com promessas demagógicas, acreditar na eficácia mágica das palavras, é típico dos subdesenvolvidos.
Nostri nosmet paenitet. Nós somos o nosso próprio tormento, ensinava o filósofo Terêncio. As provas, nesse sentido, são robustas.
30 de dezembro de 2013
Almir Pazzianotto Pinto, Correio Braziliense
Veja-se a declaração da socialista Michelle Bachelet, ao ser reconduzida à Presidência do Chile, no primeiro comício após a vitória: "Finalmente é o momento de fazer mudanças". Finalmente, por quê? Não poderia tê-las levado avante no primeiro mandato? Reencontrou o país estraçalhado? Certamente, não. Afinal, segundo a opinião de viajantes, seria o Chile uma espécie de oásis, dentro de desolador cenário político sul-americano.
A proclamação peca pela ausência de originalidade. Não há candidato, na tumultuada história do continente, que economize promessas de estabilidade econômica, geração de emprego e renda, saúde, educação, transporte, segurança, sem abrir mão das garantias democráticas. Com raras exceções, assumem compromissos irreais de combate à corrupção e juram estar dispostos a lutar pela moralização dos costumes. Poucos, entretanto, têm a coragem de dizer que desenvolvimento é fruto de trabalho pesado e persistente, austeridade nos gastos, equilíbrio das contas públicas, que não haverá progresso se não houver um mínimo de entendimento entre governo, oposição e povo.
Caso singular é o do Uruguai. A única reforma que até agora promoveu o presidente José Mujica consiste na liberação do plantio e da comercialização da maconha. Fazendo fronteira com o Brasil, no Rio Grande do Sul, já antevemos os reflexos que a medida insana trará ao nosso país, que hoje enfrenta o dramático problema da expansão do baseado entre jovens de todas as classes sociais, o crescente consumo de crack, cocaína, heroína e outros produtos proibidos. Vozes já se ouvem entre nós em defesa de idêntica bandeira. Talvez venhamos a ter, em maços de cigarro de maconha, e embalagens de cocaína, a inócua frase "use com moderação", encontrada em latas e garrafas de bebidas alcoólicas.
Voltando as atenções para Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia, em décadas de luta contra o narcotráfico, percebemos o perigo que nos circunda, e a necessidade de proteção ao Estado Democrático de Direito, em particular do Poder Judiciário, cuja majestade o PT procura desacreditar após a prisão dos mensaleiros.
É útil o paralelo entre América do Sul e Europa. Enquanto, por aqui, a urgência de medidas corajosas e inovadoras se resolve com promessas, no Velho Continente, crises são combatidas sem o temor da adoção de medidas de austeridade. Experiências acumuladas com guerras, fome, desemprego fizeram com que eleitores e políticos se convencessem da inexistência de medidas simples e rápidas para derrotar desafios que demandam firmeza, integridade e severas punições para transgressores. Acreditamos, como Fernando Pessoa, que "Deus quer e, o homem sonha, a obra nasce".
Com o fim do regime militar, foi devolvida à nação a responsabilidade de sustentar a democracia e resolver problemas de governabilidade e desenvolvimento. Após malogrados esforços para conter os preços, durante os governos de José Sarney e Fernando Collor, havíamos conseguido, com Fernando Henrique Cardoso, aquilo que era tido como impossível: estabilizar a moeda, deter a inflação, preparar a retomada do crescimento. Numerosos obstáculos tiveram que ser superados pela equipe econômica, liderada por Pedro Malan, ministro da Fazenda, para combater o pessimismo e neutralizar opositores e especuladores, beneficiados pelo ambiente anárquico dominante na economia.
Doze anos depois, o país está em marcha a ré. O ministro Mantega fala em crescimento com pernas mancas, para justificar o pífio Produto Interno Bruto (PIB). Esquece-se de que foi o governo quem comprometeu o tripé estabilizador: câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação.
Poucas são as esperanças da oposição em 2014. Sob a dupla PT-CUT, teremos reformas, ou o Brasil se perderá na inconsistência populista dos discursos? Iludir a realidade com promessas demagógicas, acreditar na eficácia mágica das palavras, é típico dos subdesenvolvidos.
Nostri nosmet paenitet. Nós somos o nosso próprio tormento, ensinava o filósofo Terêncio. As provas, nesse sentido, são robustas.
30 de dezembro de 2013
Almir Pazzianotto Pinto, Correio Braziliense
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