"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

CARECA DE SABER

"Renan estava careca de saber que não pode usar avião da FAB para viagem particular". Chico Alencar, PSOL-RJ

O Senado deve ao distinto público a abertura de um processo para cassar por quebra de decoro o mandato do seu presidente, Renan Calheiros. Ou não é falta de decoro ignorar a lei? Ou não foi o que fez Renan ao voar em jatinho da FAB para se submeter no Recife a um implante de dez mil fios de cabelo? Com um agravante: depois de flagrado voando às nossas custas, tentou encenar uma farsa. Consultou a FAB sobre se de fato desrespeitara a lei.

A FAB NÃO respondeu à consulta. Deu-se ao respeito. Renan estava careca de saber que o decreto que regulamenta o uso por autoridades de jatinhos da FAB não prevê deslocamentos por razões particulares. É lícita a requisição de jatinho para viagens a serviço ou de volta ao seu estado, por exemplo. Ou em caso de emergência médica. Um implante capilar é tudo - até um luxo. Emergência, não é.

IMAGINE SE FOSSE possível escapar dos rigores da lei sob a desculpa de que desconhecia sua existência. "Sinto muito, mas nunca fora apresentado a essa lei". Não teríamos um Estado, não como o que conhecemos hoje. Mas um Estado de anarquia. Renan é político desde 1978. Foi duas vezes deputado federal por Alagoas, três vezes senador, líder do governo Collor e ministro da Justiça de Fernando Henrique.

UMA DE SUAS atividades é ajudar a fazer leis. Há várias de sua autoria. Fora centenas que ajudou a fazer.
 Para isso, como deputado ou senador, sempre contou com a assessoria de dezenas de funcionários do quadro fixo da Câmara dos Deputados ou do Senado. Como presidente do Senado - o terceiro na linha direta da sucessão do presidente da República -, todas as suas dúvidas lhe são tiradas. Na hora.

COMO SUGERIR que possa ter sido traído pela memória? Ou que seus assessores possam ter-se enganado na interpretação da lei? Ou que caberia à FAB dizer se ele acertara ou não ao requisitar jato para uma viagem particular? E uma viagem que ele se empenhou para que não chamasse a atenção de ninguém? Como de costume, foi a imprensa que descobriu o malfeito de Renan.

NA NOITE DO último dia 18, uma quarta-feira, Renan voou a Recife a "serviço", conforme consta dos registros da FAB. A agenda dele no site do Senado omitiu a viagem. Uma vez lá, internou-se em uma clínica onde, no dia seguinte, teve dez mil fios de cabelo implantados na cabeça pelo cirurgião plástico Fernando Basto. A cirurgia durou oito horas. Seus resultados começarão a se tornar visíveis daqui a quatro meses.

DE RECIFE, Renan foi a Maceió. Um outro jatinho o levaria a Brasília quando quisesse. No que deu errado... Renan apelou para plano B - "A FAB tem a última palavra". Esqueceu de combinar com a FAB. Mandou um ofício ao comandante da FAB perguntando se cometera alguma "impropriedade" ao voar a Recife de jatinho. Não recebeu resposta. Decidiu então pagar à FAB os custos da viagem.

FINAL FELIZ? Quem, fora Renan, pode pensar assim? Ok, a imprensa esquecerá mais rapidamente o assunto por causa da decisão de Renan de reembolsar a FAB. E, se ela esquece, todo mundo muda de assunto. Mas Renan, além de tudo, é reincidente. Em junho passado, foi a Trancoso, na Bahia, para o casamento da filha do colega Eduardo Braga (PMDB-AM). Usou um jato da FAB. Flagrado, devolveu à FAB R$ 32 mil.

RENAN É TUDO - menos um inocente coitadinho. Ignorou a lei em junho, voltou a ignorá-la seis meses depois, só reembolsou a União quando os dois episódios se tornaram públicos. Do contrário... Razoável supor que teria embolsado nosso dinheiro em silêncio.

30 de dezembro de 2013
Ricardo Noblat, O Globo

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