Corrupção é corrupção, mas vamos reconhecer: a acusação de R$ 340 mil contra Netanyahu é mixaria perto da Lava-Jato
Repararam na denúncia contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu? Cem mil dólares, menos de R$ 340 mil , esse é o valor de presentes que ele teria recebido de um empresário amigo — segundo denúncia formal da polícia. Claro que corrupção é corrupção — foram presentes em troca de favores do governo —, mas vamos reconhecer: uma mixaria, um dinheiro de troco quando comparado aos valores descobertos pela Lava-Jato aqui e na América Latina.
Eis alguns números: Israel tem uma população de 8,3 milhões e um PIB de US$ 350 bilhões. Portanto, um país de renda elevada. O governo lá gasta em torno de US$ 102 bilhões ao ano.
Tomemos agora El Salvador. População de 6,2 milhões, para um produto total de US$ 27,1 bilhões. O PIB per capita é muito pobre, de apenas US$ 4,3 mil/ano. E o governo tem despesas anuais de meros US$ 6,7 bilhões.
Quanto maior o governo e maiores suas despesas, maiores as possibilidades de corrupção, certo? Mas não foi bem assim.
O ex-presidente de El Salvador Mauricio Funes foi recentemente condenado pela Justiça de seu país a devolver ao governo US$ 200 mil. Seu filho, Diego Funes, tem que devolver um pouco mais, US$ 212 mil, mas pelo mesmo motivo, enriquecimento ilícito.
Ou seja, o roubo per capita, digamos assim, é infinitamente maior em El Salvador. Tem mais, porém. O marqueteiro João Santana disse que Lula e Antonio Palocci mexeram os pauzinhos para que a Odebrecht financiasse a campanha de Funes, isso em 2009. Marcelo Odebrecht disse que atendeu ao pleito e mandou mais de US$ 1,5 milhão para a campanha em El Salvador.
Entre parênteses: eleito, Funes recebeu empréstimo do BNDES, para cuja assinatura recebeu o então presidente Lula. E mais uma “coisinha”: processado depois que deixou o governo, Funes conseguiu asilo político na Nicarágua, presidida por seu amigo bolivariano, Daniel Ortega. Interessante, não é mesmo?
Voltando ao tema central: não se trata de absolver Netanyahu por roubar pouco. Trata-se aqui de mostrar o tamanho inacreditável da corrupção espalhada pela América Latina, especialmente via Odebrecht.
Alguns exemplos: no Equador (população de 16,2 milhões, PIB de US$ 98,5 bilhões), o atual vice-presidente, Jorge Glas, está condenado a seis anos de prisão. Segundo a delação da Odebrecht, foram nada menos que US$ 33 milhões as propinas pagas a agentes públicos, incluindo o vice-presidente.
No Peru (31 milhões de habitantes, produto de US$ 210 bilhões) a Odebrecht declara pagamentos superiores a US$ 50 milhões. Um ex-presidente está preso, Ollanta Humala, um foragido, Alejandro Toledo, e o atual, Pedro Paulo Kuczynski, escapou do impeachment por oito votos. Todos acusados de serem “beneficiados” por recursos ilegais da Odebrecht.
No pequeno Panamá (população de 3,7 milhões, PIB de US$ 59 bilhões), a Odebrecht tinha, ainda tem, muitas obras — aeroporto, estradas e metrô —, além de ter levantado um belíssimo museu, desenhado pelo celebrado arquiteto Frank Gehry. Na entrada desse museu, está lá: “Patrono Odebrecht”. Segundo as delações da empreiteira brasileira, foram mais de US$ 60 milhões em propinas, boa parte do dinheiro depositada diretamente na conta dos filhos do então presidente Ricardo Martinelli.
É certamente a maior corrupção per capita da América Latina. O ex-presidente foi preso nos Estados Unidos, pela Interpol, depois de condenado em seu país. Os filhos estão foragidos. O governo do Panamá também recebeu financiamentos do BNDES.
Mario Vargas Llosa ironizou. Algum dia, comentou, a gente vai ter que dar um prêmio, levantar um monumento, alguma coisa assim, para a Odebrecht. Isso mesmo, por ter desvendado o tamanho da corrupção nesta América Latina.
Ela mesmo paga.
Roubar está sempre errado. Mas roubar tanto, em países tão pobres, com populações tão carentes, é certamente um grande roubo.
Em tempo: o ex-presidente da Guatemala Alvaro Colom foi preso na última terça-feira, com vários ex-ministros. Mas, desta vez, a Odebrecht não está no meio. Teria sido propina na compra de ônibus.
E todos, claro, incluindo Netanyahu, negam tudo.
19 de fevereiro de 2018
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
O Globo
Repararam na denúncia contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu? Cem mil dólares, menos de R$ 340 mil , esse é o valor de presentes que ele teria recebido de um empresário amigo — segundo denúncia formal da polícia. Claro que corrupção é corrupção — foram presentes em troca de favores do governo —, mas vamos reconhecer: uma mixaria, um dinheiro de troco quando comparado aos valores descobertos pela Lava-Jato aqui e na América Latina.
Eis alguns números: Israel tem uma população de 8,3 milhões e um PIB de US$ 350 bilhões. Portanto, um país de renda elevada. O governo lá gasta em torno de US$ 102 bilhões ao ano.
Tomemos agora El Salvador. População de 6,2 milhões, para um produto total de US$ 27,1 bilhões. O PIB per capita é muito pobre, de apenas US$ 4,3 mil/ano. E o governo tem despesas anuais de meros US$ 6,7 bilhões.
Quanto maior o governo e maiores suas despesas, maiores as possibilidades de corrupção, certo? Mas não foi bem assim.
O ex-presidente de El Salvador Mauricio Funes foi recentemente condenado pela Justiça de seu país a devolver ao governo US$ 200 mil. Seu filho, Diego Funes, tem que devolver um pouco mais, US$ 212 mil, mas pelo mesmo motivo, enriquecimento ilícito.
Ou seja, o roubo per capita, digamos assim, é infinitamente maior em El Salvador. Tem mais, porém. O marqueteiro João Santana disse que Lula e Antonio Palocci mexeram os pauzinhos para que a Odebrecht financiasse a campanha de Funes, isso em 2009. Marcelo Odebrecht disse que atendeu ao pleito e mandou mais de US$ 1,5 milhão para a campanha em El Salvador.
Entre parênteses: eleito, Funes recebeu empréstimo do BNDES, para cuja assinatura recebeu o então presidente Lula. E mais uma “coisinha”: processado depois que deixou o governo, Funes conseguiu asilo político na Nicarágua, presidida por seu amigo bolivariano, Daniel Ortega. Interessante, não é mesmo?
Voltando ao tema central: não se trata de absolver Netanyahu por roubar pouco. Trata-se aqui de mostrar o tamanho inacreditável da corrupção espalhada pela América Latina, especialmente via Odebrecht.
Alguns exemplos: no Equador (população de 16,2 milhões, PIB de US$ 98,5 bilhões), o atual vice-presidente, Jorge Glas, está condenado a seis anos de prisão. Segundo a delação da Odebrecht, foram nada menos que US$ 33 milhões as propinas pagas a agentes públicos, incluindo o vice-presidente.
No Peru (31 milhões de habitantes, produto de US$ 210 bilhões) a Odebrecht declara pagamentos superiores a US$ 50 milhões. Um ex-presidente está preso, Ollanta Humala, um foragido, Alejandro Toledo, e o atual, Pedro Paulo Kuczynski, escapou do impeachment por oito votos. Todos acusados de serem “beneficiados” por recursos ilegais da Odebrecht.
No pequeno Panamá (população de 3,7 milhões, PIB de US$ 59 bilhões), a Odebrecht tinha, ainda tem, muitas obras — aeroporto, estradas e metrô —, além de ter levantado um belíssimo museu, desenhado pelo celebrado arquiteto Frank Gehry. Na entrada desse museu, está lá: “Patrono Odebrecht”. Segundo as delações da empreiteira brasileira, foram mais de US$ 60 milhões em propinas, boa parte do dinheiro depositada diretamente na conta dos filhos do então presidente Ricardo Martinelli.
É certamente a maior corrupção per capita da América Latina. O ex-presidente foi preso nos Estados Unidos, pela Interpol, depois de condenado em seu país. Os filhos estão foragidos. O governo do Panamá também recebeu financiamentos do BNDES.
Mario Vargas Llosa ironizou. Algum dia, comentou, a gente vai ter que dar um prêmio, levantar um monumento, alguma coisa assim, para a Odebrecht. Isso mesmo, por ter desvendado o tamanho da corrupção nesta América Latina.
Ela mesmo paga.
Roubar está sempre errado. Mas roubar tanto, em países tão pobres, com populações tão carentes, é certamente um grande roubo.
Em tempo: o ex-presidente da Guatemala Alvaro Colom foi preso na última terça-feira, com vários ex-ministros. Mas, desta vez, a Odebrecht não está no meio. Teria sido propina na compra de ônibus.
E todos, claro, incluindo Netanyahu, negam tudo.
19 de fevereiro de 2018
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário