A “nova Rússia” está extremando seus artifícios para tentar cativar cristãos e conservadores no Ocidente.
O curioso é que essa artimanha não é nova. Já foi tentada pelos serviços secretos soviéticos em outras circunstâncias, notadamente nos tempos de Stalin, a quem Vladimir Putin se refere como seu modelo de governante.
O procedimento foi tão desprovido de moralidade que na época não pareceu acreditável. O Pe. Robert A. Graham S.I. há mais de 30 anos lhe consagrou um alentado estudo no qual pode restaurar os inacreditáveis procedimentos da guerra da informação russa.
O trabalho apareceu na revista “La Civiltà Cattolica” nº 3186, de 19 de março de 1983 (págs. 533 a 547). Fundamentamos este artigo nessa conscienciosa matéria publicada sob o título: “A cruzada de Stalin contra «o anticristo» Hitler – A «Rádio cristã» do Komintern em 1941” (“La crociata di Stalin contro «l’anticristo» Hitler – La «Radio cristiana» del Comintern nel 1941”).
Em 1941, Hitler invadiu Rússia sem atender a aliança conhecida como pacto Ribbentrop-Molotov (23 agosto 1939) em virtude do qual Moscou e Berlim aliadas desencadearam a II Guerra Mundial.
Pouco depois, os radioamadores ficaram surpresos ouvindo uma linguagem inesperada vinda da Rússia dos sovietes.
Nas ondas da Rádio Moscou os cristãos eram exortados a se unirem pela defesa da cristandade.
Os locutores de Moscou louvavam os católicos alemães que resistiam às perseguições nazistas, citavam os sofrimentos dos católicos poloneses e de outros países ocupados pelo nazismo.
A emissora se definia como “Rádio Cristã” e reproduzia a mensagem evangélica numa media dúzia de línguas com tal fidelidade que muitos poderiam ter achado que ouviam a Rádio Vaticana.
O semanário católico londrino “The Tablet”, em 19 de julho de 1941, comentou “a denúncia diária que fazem os russos da perseguição religiosa na Alemanha”.
Naquele conflito mundial fez furor o uso de rádios clandestinas na guerra da informação por parte das potências em guerra. Mas ninguém imaginou que o cinismo de Moscou podia ir tão longe.
Stalin e a URSS precisavam desesperadamente do apoio do povo que até há pouco tinham perseguido religiosamente.
As campanhas antirreligiosas foram suspensas, os eclesiásticos ligados ao Patriarcado de Moscou foram catapultados ao primeiro plano.
A “Rádio Cristã” despertou dúvidas pelos seus arroubos em defesa da Cristandade, muitos mais intensos do que as transmissões da Santa Sé.
Em 1963 foram recuperados arquivos na Alemanha Oriental que documentavam a monstruosa operação de guerra psicológica montada no Kremlin e os nomes da equipe internacional do Komintern [Internacional Comunista] que a efetivou.
Até o início da II Guerra Mundial, a mídia socialista russa incitava à guerra contra as “superstições” religiosas, um axioma do marxismo-leninismo.
E, quando a aliança soviético-nazista invadiu a Polônia a fúria da propaganda russa visou os chefes da Igreja Católica. Eles eram acusados de cumplicidade com o capitalismo e com os “imperialistas” fabricantes de armas, responsáveis pelo conflito na ótica de Moscou.
Quando o Papa Pio XII publicou a encíclica Summi Pontificatus (20 de outubro de 1939), o jornal soviético porta-voz do regime “Izvestia” (22 de janeiro de 1940) acusou o Vaticano de “beber sangue dos caídos”.
O Communist International (1940, nº 6), escrevia que “o proletariado internacional reconhecia entre os odiosos culpados da guerra a batina padresca do Senhor do Vaticano”.
O Sputnik Agitato (fevereiro de 1941) acusava o Papa de estar a serviço dos financistas da guerra e repelia as “calúnias selvagens” contra a URSS.
O alemão Richard Gyptner e o checo Victor Stern, fiéis agentes do Komintern, foram os chefes da “Rádio Cristã”.
Eles acabariam morrendo após a guerra cobertos de honrarias pelos serviços prestados.
Gyptner escreveu que a transmissão visava os católicos e crentes para incitá-los a se aliarem contra o “anticristo Hitler” e exaltava os eclesiásticos que agiam nesse sentido.
Na doutrina do Komintern isso afinava com a “política da mão estendida” lançada no 7° Congresso mundial do PC em 1935.
Emissões dos dias 7 e 27 de julho 1941 defenderam os católicos e espalharam que “é necessário abandonar a velha fábula do catolicismo aliado com os opressores das nações”.
As emissões em italiano concluíam com a pia exortação “cristãos, católicos! perseverai na batalha contra o anticristo”!
Em polonês ressaltavam as perseguições que sofriam os sacerdotes católicos, a ocupação de dioceses, o confisco de arquivos, a expulsão de cônegos, etc.
Em húngaro sublinhavam que na Alemanha as escolas católicas foram fechadas, que em Innsbruck os bens dos capuchinhos foram roubados e que mais de 800 sacerdotes poloneses foram extraditados para o país invasor.
Na festa da Assunção em 15 de agosto de 1943, o londrino Catholic Herald reproduziu emissão da “Rádio Cristã” em polonês com programa exaltando a festa de Nossa Senhora.
Entre outras coisas dizia: “rezemos ardorosamente à protetora de nosso católico país […] a Ela que é mais forte que Satanás se deve a queda das cidades de Orel e de Biegorod nas mãos do Exército Vermelho […]. Ô Rainha da Polônia, país que é a joia da coroa da beatíssima Virgem, conduzi nossos irmãos na batalha”.
Gyptner deixou por escrito sua alegria com o sucesso de suas mentiras. Ele citou o testemunho de oficiais e soldados inimigos presos em Stalingrado.
Mas a melhor prova para ele foi que Goebbels, ministro da propaganda nazista, classificou a “Rádio Cristã” entre as 15 emissoras inimigas mais perigosas.
O metropolita Sergio de Moscou se destacou pela pregação religiosa encomendada por Stalin e pelo PC. O dia 26 de junho de 1941 celebrou uma missa para obter a vitória.
Foi na igreja da Epifania de Moscou com grande presença de membros do governo e do PC, fartamente fotografados para difundir pela imprensa estrangeira.
Na prática nenhuma lei antirreligiosa foi tocada, abolida ou modificada. Mas não faltaram em Ocidente aqueles que viam as emissões do modo mais favorável para os sovietes e acenavam com o início de uma época nova no império do ateísmo.
Até exilados russos sonharam com uma mudança operada em Stalin que estaria fazendo dele o salvador da Santa Rússia.
Os eclesiásticos ortodoxos que não acertaram o passo foram excomungados pelo metropolita Sergio de Moscou.
Fez parte da manobra um nunca achado “documento Weigang” atribuído a um ignoto lugar-tenente alemão que teria feito um plano visando “o fechamento de todas as igrejas e a substituição do cristianismo pela religião de Wotan” na Rússia.
O plano nunca foi publicado nem recuperado em arquivo algum. Jamais foi possível identificar o referido Weigang. O golpe, porém, foi comemorado pela contrainformação soviética.
Ilya Ehrenburg chefe da propaganda de Stalin denunciou o satânico “plano Weigang” em emissão do dia 19 de julho de 1942 sublinhando a “finalidade de erradicar o cristianismo na Rússia, porque era uma religião não adaptada ao povo”.
(Autor: Robert A. Graham S.I. in La Civiltà Cattolica, 19.3.1983 nº3186, págs 533 a 547)
O curso da guerra mudou em 1943. As exigências propagandísticas foram outras e a anti-cruzada de Moscou pelo cristianismo perdeu sua utilidade. A “Rádio Cristã” parou de emitir.
Mas a manobra do generalíssimo do ateísmo José Stalin ficou registrada como uma estratégia ousada de falsa cruzada para ludibriar os cristãos e pô-los na órbita da Internacional Comunista.
Hoje, Vladimir Putin e seus acólitos parecem ter recuperado a velha cartilha para aplica-la num contexto novo, mas com possantes analogias.
25 de junho de 2017
Luis Dufaur, escritor e conferencista, edita o blog Flagelo Russo.
O curioso é que essa artimanha não é nova. Já foi tentada pelos serviços secretos soviéticos em outras circunstâncias, notadamente nos tempos de Stalin, a quem Vladimir Putin se refere como seu modelo de governante.
O procedimento foi tão desprovido de moralidade que na época não pareceu acreditável. O Pe. Robert A. Graham S.I. há mais de 30 anos lhe consagrou um alentado estudo no qual pode restaurar os inacreditáveis procedimentos da guerra da informação russa.
O trabalho apareceu na revista “La Civiltà Cattolica” nº 3186, de 19 de março de 1983 (págs. 533 a 547). Fundamentamos este artigo nessa conscienciosa matéria publicada sob o título: “A cruzada de Stalin contra «o anticristo» Hitler – A «Rádio cristã» do Komintern em 1941” (“La crociata di Stalin contro «l’anticristo» Hitler – La «Radio cristiana» del Comintern nel 1941”).
Em 1941, Hitler invadiu Rússia sem atender a aliança conhecida como pacto Ribbentrop-Molotov (23 agosto 1939) em virtude do qual Moscou e Berlim aliadas desencadearam a II Guerra Mundial.
Pouco depois, os radioamadores ficaram surpresos ouvindo uma linguagem inesperada vinda da Rússia dos sovietes.
Nas ondas da Rádio Moscou os cristãos eram exortados a se unirem pela defesa da cristandade.
Os locutores de Moscou louvavam os católicos alemães que resistiam às perseguições nazistas, citavam os sofrimentos dos católicos poloneses e de outros países ocupados pelo nazismo.
A emissora se definia como “Rádio Cristã” e reproduzia a mensagem evangélica numa media dúzia de línguas com tal fidelidade que muitos poderiam ter achado que ouviam a Rádio Vaticana.
O semanário católico londrino “The Tablet”, em 19 de julho de 1941, comentou “a denúncia diária que fazem os russos da perseguição religiosa na Alemanha”.
Naquele conflito mundial fez furor o uso de rádios clandestinas na guerra da informação por parte das potências em guerra. Mas ninguém imaginou que o cinismo de Moscou podia ir tão longe.
Stalin e a URSS precisavam desesperadamente do apoio do povo que até há pouco tinham perseguido religiosamente.
As campanhas antirreligiosas foram suspensas, os eclesiásticos ligados ao Patriarcado de Moscou foram catapultados ao primeiro plano.
A “Rádio Cristã” despertou dúvidas pelos seus arroubos em defesa da Cristandade, muitos mais intensos do que as transmissões da Santa Sé.
Em 1963 foram recuperados arquivos na Alemanha Oriental que documentavam a monstruosa operação de guerra psicológica montada no Kremlin e os nomes da equipe internacional do Komintern [Internacional Comunista] que a efetivou.
Até o início da II Guerra Mundial, a mídia socialista russa incitava à guerra contra as “superstições” religiosas, um axioma do marxismo-leninismo.
E, quando a aliança soviético-nazista invadiu a Polônia a fúria da propaganda russa visou os chefes da Igreja Católica. Eles eram acusados de cumplicidade com o capitalismo e com os “imperialistas” fabricantes de armas, responsáveis pelo conflito na ótica de Moscou.
Quando o Papa Pio XII publicou a encíclica Summi Pontificatus (20 de outubro de 1939), o jornal soviético porta-voz do regime “Izvestia” (22 de janeiro de 1940) acusou o Vaticano de “beber sangue dos caídos”.
O Communist International (1940, nº 6), escrevia que “o proletariado internacional reconhecia entre os odiosos culpados da guerra a batina padresca do Senhor do Vaticano”.
O Sputnik Agitato (fevereiro de 1941) acusava o Papa de estar a serviço dos financistas da guerra e repelia as “calúnias selvagens” contra a URSS.
O alemão Richard Gyptner e o checo Victor Stern, fiéis agentes do Komintern, foram os chefes da “Rádio Cristã”.
Eles acabariam morrendo após a guerra cobertos de honrarias pelos serviços prestados.
Gyptner escreveu que a transmissão visava os católicos e crentes para incitá-los a se aliarem contra o “anticristo Hitler” e exaltava os eclesiásticos que agiam nesse sentido.
Na doutrina do Komintern isso afinava com a “política da mão estendida” lançada no 7° Congresso mundial do PC em 1935.
Emissões dos dias 7 e 27 de julho 1941 defenderam os católicos e espalharam que “é necessário abandonar a velha fábula do catolicismo aliado com os opressores das nações”.
As emissões em italiano concluíam com a pia exortação “cristãos, católicos! perseverai na batalha contra o anticristo”!
Em polonês ressaltavam as perseguições que sofriam os sacerdotes católicos, a ocupação de dioceses, o confisco de arquivos, a expulsão de cônegos, etc.
Em húngaro sublinhavam que na Alemanha as escolas católicas foram fechadas, que em Innsbruck os bens dos capuchinhos foram roubados e que mais de 800 sacerdotes poloneses foram extraditados para o país invasor.
Na festa da Assunção em 15 de agosto de 1943, o londrino Catholic Herald reproduziu emissão da “Rádio Cristã” em polonês com programa exaltando a festa de Nossa Senhora.
Entre outras coisas dizia: “rezemos ardorosamente à protetora de nosso católico país […] a Ela que é mais forte que Satanás se deve a queda das cidades de Orel e de Biegorod nas mãos do Exército Vermelho […]. Ô Rainha da Polônia, país que é a joia da coroa da beatíssima Virgem, conduzi nossos irmãos na batalha”.
Gyptner deixou por escrito sua alegria com o sucesso de suas mentiras. Ele citou o testemunho de oficiais e soldados inimigos presos em Stalingrado.
Mas a melhor prova para ele foi que Goebbels, ministro da propaganda nazista, classificou a “Rádio Cristã” entre as 15 emissoras inimigas mais perigosas.
O metropolita Sergio de Moscou se destacou pela pregação religiosa encomendada por Stalin e pelo PC. O dia 26 de junho de 1941 celebrou uma missa para obter a vitória.
Foi na igreja da Epifania de Moscou com grande presença de membros do governo e do PC, fartamente fotografados para difundir pela imprensa estrangeira.
Na prática nenhuma lei antirreligiosa foi tocada, abolida ou modificada. Mas não faltaram em Ocidente aqueles que viam as emissões do modo mais favorável para os sovietes e acenavam com o início de uma época nova no império do ateísmo.
Até exilados russos sonharam com uma mudança operada em Stalin que estaria fazendo dele o salvador da Santa Rússia.
Os eclesiásticos ortodoxos que não acertaram o passo foram excomungados pelo metropolita Sergio de Moscou.
Fez parte da manobra um nunca achado “documento Weigang” atribuído a um ignoto lugar-tenente alemão que teria feito um plano visando “o fechamento de todas as igrejas e a substituição do cristianismo pela religião de Wotan” na Rússia.
O plano nunca foi publicado nem recuperado em arquivo algum. Jamais foi possível identificar o referido Weigang. O golpe, porém, foi comemorado pela contrainformação soviética.
Ilya Ehrenburg chefe da propaganda de Stalin denunciou o satânico “plano Weigang” em emissão do dia 19 de julho de 1942 sublinhando a “finalidade de erradicar o cristianismo na Rússia, porque era uma religião não adaptada ao povo”.
(Autor: Robert A. Graham S.I. in La Civiltà Cattolica, 19.3.1983 nº3186, págs 533 a 547)
O curso da guerra mudou em 1943. As exigências propagandísticas foram outras e a anti-cruzada de Moscou pelo cristianismo perdeu sua utilidade. A “Rádio Cristã” parou de emitir.
Mas a manobra do generalíssimo do ateísmo José Stalin ficou registrada como uma estratégia ousada de falsa cruzada para ludibriar os cristãos e pô-los na órbita da Internacional Comunista.
Hoje, Vladimir Putin e seus acólitos parecem ter recuperado a velha cartilha para aplica-la num contexto novo, mas com possantes analogias.
25 de junho de 2017
Luis Dufaur, escritor e conferencista, edita o blog Flagelo Russo.
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