O Presidente Michel Temer está nas mãos — ou melhor, no colo — de um presidiário. Eduardo Cunha, estrela do impachment e também da Lava Jato, deve estar rindo desde que os telejornais do fim da noite de ontem trouxeram as revelações do delator Márcio Faria, ex-presidente da Odebrecht Industrial.
Em um depoimento de mais de 40 minutos, Faria descreveu com uma desconcertante naturalidade como funcionava o esquema de achaque promovido pelos políticos do PMDB contra empresas interessadas em negociar grandes contratos com a PETROBRAS. O depoimento colocou o atual Presidente da República no centro da roda.
Segundo ele, a Odebrecht foi convidada, num acerto de cartas previamente definido, a fornecer a manutenção de plantas industriais da PETROBRAS sucateadas em nove países diferentes. O valor do contrato: US$ 825 milhões.
O convite chegou junto com o primeiro achaque. O encarregado da proposta foi o ex-gerente da Diretoria Internacional Aluísio Telles. Foi ele o portador do pedido de uma propina de 3% do valor do contrato. Em troca, e executivo da BR assegurava o repasse de informções privilegiadas, inclusive sobre valores ofertados por eventuais conccorrentes no processo de licitação por carta-convite.
Ato contínuo, Márcio Faria se reuniu com representantes das ´concorrentes´ Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS para armar o cartel e se assegurar de que os demais apresentariam propostas com valores maiores. O objetivo era legitimar o que já havia sido acertado — que a Odebrecht levaria o contrato.
A Odebrecht Industrial ´venceu´ a licitação fajuta. Mas a assinatura do contrato começou a demorar. Uma demora inexplicável, à luz do sucateamento das plantas objeto da transação. “Na Argentina houve até morte”, contou Faria à força-tarefa da Lava Jato.
Meses se passaram até que um lobista do PMBD procurasse a Odebrecht com o propósito de convocá-la para uma reunião com o comando do partido. A reunião aconteceu num conjunto comercial do Alto de Pinheiros, em São Paulo, no dia 15 de outubro de 2010. O presidente da empreiteira não sabia, mas ali funcionava o escritório político do atual Presidente da República, Michel Temer, que presidiu o encontro.
Faria conta que lá estavam Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Michel Temer, o enfitrião, que ocupava a cabeceira da mesa. Os políticos não tergiversaram. Foram logo pedindo uma “contribuição importante” para o PMDB equivalente a 5% do valor do contrato — US$ 40 milhões. Apesar do escracho da proposta, como o negócio interessava à Odebrecht, o representante da empresa aquiesceu.
A propina foi paga, segundo ele, com depósitos em contas de offshores e também com remessas em espécie dentro do Brasil. O PMDB dividiu o suborno com o PT, que ficou com 1% do que foi extorquido da empreiteira.
Assim que o vídeo da delação de Márcio Faria veio a público, o Palácio do Planalto emitiu uma nota com justificativas e uma negativa que, a rigor, confirma o conteúdo do relato de Márcio Faria. A despeito de afirmação de que “a narrativa divulgada não correspode aos fatos e está baseada em uma mentira absoluta”, o Presidente da República, por meio de sua assessoria, confirma o encontro.
Segundo a nota do Planalto, ” em 2010, na cidade de São Paulo, Faria foi levado ao presidente pelo deputado Eduardo Cunha”. Ou seja: é inquestionável que houve a tal reunião, que ela ocorreu no escritório de Temer, que Eduardo Cunha estava lá e que Temer a presidiu.
O presidente também negou que Henrique Eduardo Alves tivesse participado da mencionada reunião. O que faz de Eduardo Cunha a única testemunha, o único balizador da verdade sobre os reais propósitos do encontro, que não são objeto de explicação por parte da assessoria de imprensa do Palácio do Planalto.
Ocorre que Eduardo Cunha há muito vem insinuando que Michel Temer teve participação ativa nos achaques praticadas por agentes do PMDB. Ele, inclusive, tentou usar a Justiça Federal e o juiz Sérgio Moro para fazer chegar ´recados´ a Temer de que estaria disposto a revelar certos segredos que poderiam criar embaraços ao atual presidente da República.
Em novembro passado, seus advogados encaminharam à Décima-Terceira Vara Federal de Curitiba uma petição contendo 41 perguntas dirigidas a Michel Temer. As perguntas foram glosadas pelo juiz Sérgio Moro, que as considerou insidiosas a ponto de configurarem uma tentativa de chantagear Temer.
Ocorre que, com a delação de Márcio Faria, 12 dos 41 quesitos ganharam um sentido que não existia na sua ausência. Objetivamente, Cunha indaga a Temer se ele tratou de assuntos de interesse da Área internacional da PETROBRAS com o lobista João Henriques; se houve alguma contribuição de campanha feita a partir dessas tratativas; e se houve alguma reunião em seu escritório político de São Paulo para tratar desse assunto (veja a íntegra das perguntas abaixo e a petição encaminhada pelo advogados de Cunha à Justiça Federal).
Parte das respostas veio com o desmentido da Presidência da República. Sim, a reunião no escritório de Temer realmente ocorreu; sim, ela foi proposta pelo lobista João Henriques; sim, Eduardo Cunha estava lá; sim, houve uma contribuição expressiva de US$ 40 milhões ao partido.
As lacunas que restam sem resposta merecem muito mais do que um desmentido formal. A rigor, caso não estivesse ocupando a Presidência da República, Temer se veria na difícil condição de investigado em um processo criminal em situação muito desvantajosa, tendo contra si o testemunho ferino de um de seus grandes aliados do passado, o irascível Eduardo Cunha, conhecedor de praticamente todos os segredos guardados a sete chaves na Caixa de Pandora do PMDB.
Ainda que não venha a enfrentar agora um processo criminal, a denúncia de Márcio Faria e as insinuações de Cunha ajudam a minar a frégil condição em que se encontra Michel Temer, um presidente que tem um problema elementar de legitimidade, padece pela falta quase absoluta de apoio popular e começa a enfrentar pequenas insurreições dentro de sua própria base política. E que, de resto, se imbuiu de propósitos dignos dignos de um herói mitológico ao transformar em seu objetivo imediato enfrentar temas-tabus como a reforma da Previdência social e da CLT.
Tudo isso ajuda a mudar o status de Temer em face dos pecados cometidos por seu partido enquanto ele próprio o presidia. Até aqui, Temer era o homem que se levantava da mesa quando Padilhas e Moreiras o secundavam na discussão de valores e meios de obter dinheiro da corrupção. Era o homem que tratava institucionalmente de certos temas delicados. A ser verdade o que afirma Faria e o que insua Cunha, agora ele passa a encarnar a figura do líder que preside reuniões secretas com lobistas e capitães de indústria interessados nos benefícios que podem auferir corrompendo e subornando políticos venais.
Como a estabilidade política e o soerguimento da economia dependem da saúde politica de Michel Temer, será melhor para todos que ele demonstre de maneira cabal que nada disso é verdade. Que Faria e Cunha estão mentindo, e que todos os seus propósitos são moralmente defensáveis. Pois se permitir que a sua reputação saia manchada desse episódio, Temer, que lutou tanto para tomar o lugar de Dilma e desalojar o PT justamente por ter se corrompido de todas as formas, pode arrastar os brasileiros para uma crise sem precendentes.
Só que isso não se faz com notas vagas e com afirmações dúbias. É imperativo que, mais do que nunca, haja clareza e transparência.
As perguntas de Eduardo Cunha a Michel Temer
21 – Quantas vezes Vossa Excelência esteve com o Sr. Jorge Zelada?
22 – Vossa Excelência recebeu o Sr. Jorge Zelada alguma vez na sua residência em São Paulo/SP, situada à Rua Bennett, 377?
23 – Caso Vossa Excelência o tenha recebido, quais foram os assuntos tratados?
25 – Vossa Excelência recebeu alguém para tratar de algum assunto referente à área internacional da Petrobrás?
26 – Vossa Excelência encaminhou alguém para ser recebido pelo Sr. Jorge Zelada na Petrobrás?
27 – Vossa Excelência encaminhou algum assunto para ser tratado pela Diretoria Internacional da Petrobrás?
29 – Vossa Excelência tem conhecimento de alguma participação do Sr. Eduardo Cunha em algum assunto relacionado à Petrobrás?
31 – Vossa Excelência conhece o Sr. João Augusto Henriques?
32 – Caso Vossa Excelência conheça, quantas vezes esteve com ele e sobre quais assuntos trataram?
33 – Vossa Excelência sabe de alguma contribuição de campanha que tenha vindo de algum fornecedor da área internacional da Petrobrás?
34 – Vossa Excelência tem conhecimento se houve alguma reunião sua com fornecedores da área internacional da Petrobrás com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político na Avenida Antônio Batuira, no 470, em São Paulo/SP, juntamente com o Sr. João Augusto Henriques?
37 – Caso Vossa Excelência tenha recebido, as contribuições foram realizadas de forma oficial ou não declarada?
Clique aqui para ler a petição dos advogados de Eduardo Cunha com as perguntas a Michel Temer.
14 de abril de 2017
Fábio Pannunzio
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