O jornalista Villas Bôas Corrêa, um dos mestres da minha geração, viajou para sempre esta semana, aos 93 anos, deixando como legado as milhares de páginas que escreveu sobre a política brasileira, a partir da Constituição de 46, governo Dutra que sucedeu o período ditatorial de Vargas, encerrado a 29 de outubro de 45. Foi um grande repórter, mas não somente isso, foi sobretudo um intérprete dos fatos sobre os quais escrevia com paixão, firmeza e sobretudo com imparcialidade.
Pertenceu à geração de Carlos Castello Branco, Heráclio Sales, Oyama Teles, Wilson Figueiredo, este último ainda em atividade no site JB da internet. Brilhante, lúcido com raro prazer de escrever atravessou quase 70 anos da história moderna do Brasil, traduzindo situações, decifrando complicações, tornando claras e transparentes em seus textos muitas das sombras que envolvem as articulações políticas. Fui seu amigo e admirador, podendo portanto dar testemunho sobre a grande testemunha que ele representou no jornalismo brasileiro.
VISÕES MAIS CLARAS – Impressionante e indispensável a sua atuação levando aos leitores as visões mais claras e acessíveis a compreensão dos fatos que acompanhou diariamente, desde o tempo de repórter de “A Notícia”, de Chagas Freitas, dali saltando para as colunas de O Estado de São Paulo e do Jornal do Brasil.
Sua vida é, ao mesmo tempo, uma lição de integridade, destemor e independência. Qualidades que demonstrou também no Clube dos Repórteres Políticos, que se reunia toda semana na Casa da Suiça, inclusive na época da longa ditadura militar que começou em 64 e terminou em 85. Foi uma voz vibrante e indomada contra a violação dos direitos humanos exponenciada nas casas de tortura que funcionavam na época e hoje encontram-se nas páginas da memória da Comissão da verdade.
FAZENDO A PONTE – Entre as grandes contribuições de um jornalista, destaca-se o fato de atuar como uma ponte entre o que acontece e aquilo que a população desconhece e precisa por isso ser abastecida de verdade para realizar seu próprio julgamento das coisas que ocorrem fora de sua visão e de seu alcance.
Villas-Bôas Corrêa assumiu esse papel e o interpretou com entusiasmo, fidelidade e em diversos instantes com revolta. A vida dos jornalistas de verdade é assim. Expor-se a perigos e circunstâncias, mas nem por isso deixando de cumprir o seu papel entre o que de fato acontece e a versão que se noticia de forma independente.
UMA PERSONALIDADE – Villas-Bôas Côrrêa foi um dos grandes personagens da imprensa de seu tempo, destacando-se por ele próprio e se transformando num tradutor essencial aos caminhos da liberdade, democracia e da decência pública, aspectos hoje abalados por uma onda de corrupção que se projetou nos dias de hoje, mas que não teve origem nos fatos do passado.
Villas-Bôas não pôde, infelizmente, comentar os impactos da última década que escandalizam o Brasil. Infelizmente. Mas da Constituição de 46 a Constituição Cidadã de 88 seu vulto emerge para sempre no plano alto das informações e explicações da política. E se a política de hoje é muito diferente daquela que marcou a redemocratização de 46, evidentemente a culpa não cabe ao jornalismo nem aos grandes jornalistas que se eternizaram nas páginas impressas ao longo dos últimos 70 anos.
Com essa afirmação dou adeus ao grande amigo, testemunha, ator e personagem do tempo que marcou sua vida exemplar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Somos cada vez menos. Do antigo Clube dos Repórteres Políticos, que se reunia na Casa da Suíça, aqui no Rio, na década de 60, restam apenas Carlos Chagas, Helio Fernandes, Sebastião Nery, Tarcísio Holanda, Murilo Mello Filho, Pedro do Coutto, Wilson Figueiredo e eu. E o mais incrível é que até hoje todos continuem trabalhando. E quatro deles ainda estejam juntos, aqui na Tribuna da Internet. Os mais velhos eram Carlos Castello Branco, Helio Fernandes, Villas-Bôas Correa e outros que também já pediram a conta e se foram, como Berilo Dantas, Otacílio Lopes, que todo mundo chamava de “Cara de Onça”, Antonio Vianna de Lima, lendário editor de Político de O Globo, que peitou Roberto Marinho na redação, diante de todo mundo, na véspera do AI-5, Jair Rebelo Horta, Oyama Teles, que a gente chamava de “Monsenhor”, porque todo dia, às seis da tarde, ele rezava. Havia outros, minha memória está falhando. Aliás, foi Vianna que me colocou no jornalismo, em 1966, dia 13 de dezembro, há 50 anos. Eu tinha 22 anos, era o mais jovem da patota. Foi um prazer enorme conviver com eles e continuar convivendo. (C.N.)
17 de dezembro de 2016
Pedro do Coutto
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