"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 10 de setembro de 2016

UMA PRIORIDADE NEFASTA

Para parte significativa da base aliada do governo, a prioridade absoluta é garantir seus interesses eleitorais no pleito municipal

A frequência com que, no noticiário político, surgem manifestações de parlamentares governistas advertindo que o Palácio do Planalto deve agir com a máxima cautela para evitar que suas ações interfiram negativamente nas eleições municipais mostra o distanciamento desses políticos da grave realidade nacional. Essa atitude confirma, mais uma vez, que boa parte dos congressistas está muito mais preocupada com sua própria sorte do que com a da sociedade que representa. Para parte significativa da base aliada do governo, a prioridade absoluta é garantir seus interesses eleitorais no pleito municipal. O resto pode esperar. Isso significa deixar para depois, para um momento em que for de sua conveniência política, o exame das medidas indispensáveis para combater a crise, que, por isso, continuará a se agravar. É um comportamento irresponsável.

Um dos motivos alegados para o adiamento do envio ao Legislativo dos projetos necessários para enfrentar a crise é o esvaziamento das duas Casas do Congresso no período eleitoral. Prática consagrada, o chamado “recesso branco” do Congresso Nacional no auge das campanhas eleitorais de prefeitos e vereadores propicia a senadores e deputados a oportunidade de estar perto de suas bases municipais. Eles de fato precisam cultivar permanentemente suas bases, pois de lá vêm seus votos. Mas não lhes falta tempo para isso. A rigor, permanecem no Distrito Federal três dias por semana, mas nem por isso abrem mão do “recesso branco”.

Ao agir desse modo, os congressistas relegam para segundo plano o trabalho parlamentar para o qual conquistaram seus mandatos. Esse comportamento, embora aparentemente natural, contém, nas atuais circunstâncias, grande potencial de tornar ainda mais difícil e delicado o momento que o País vive.

Essa estranha lógica da atividade parlamentar implica a absurda inversão de valores que elide a responsabilidade que os representantes do povo têm de permanecer atentos às demandas dos cidadãos. Devem igualmente permanecer conscientes de que o papel que lhes cabe é também o de tentar harmonizar essas demandas com os limites institucionais e financeiros da administração pública, adaptando-as, quando necessário, às reais condições do governo.

A real situação do Tesouro Nacional, cujos recursos foram dilapidados pela administração lulopetista em programas populistas ou de interesse de grupos políticos e empresariais por ela escolhidos, não deixa dúvidas quanto à urgência de medidas que imponham desde já limites aos gastos públicos. O déficit colossal do sistema de Previdência Social e as realistas projeções de seu crescimento rápido nos próximos anos, caso suas regras não sejam mudadas, igualmente mostram a premência de sua reforma. Outras reformas, também necessárias para assegurar a retomada do crescimento e sua preservação, precisam ser discutidas e votadas.

Essas são algumas das tarefas que o País espera ver cumpridas, e a execução de boa parte delas está condicionada a decisões do Congresso Nacional. Eis aí a responsabilidade da qual seus membros não podem fugir, ainda que se entenda que tenham compromissos políticos em suas bases. Mas eleição municipal envolve questões municipais. Alegar, como fazem membros da base aliada, que grandes temas nacionais podem comprometer a campanha de seus correligionários é tentar justificar sua omissão.

Da mesma maneira, fogem da responsabilidade que seus mandatos lhes conferem parlamentares que tentam iludir os cidadãos com a ideia de que reformas como a da Previdência representam “subtração de direitos”, razão pela qual precisariam ser reduzidas ao mínimo, o que lhes retiraria qualquer eficácia.

Por isso, contraria os interesses do País a crescente pressão, em nome de interesses políticos, para o adiamento ou o abrandamento das medidas propostas pela equipe econômica para sanear as contas públicas e criar condições para a retomada do crescimento econômico.

A esperança da sociedade de um futuro melhor será tanto maior quanto mais firmeza e coerência demonstrarem os políticos – o presidente Michel Temer e sua base parlamentar – na busca das soluções para os graves problemas do País e na sua efetiva implementação.



10 de setembro de 2016
Editorial Estadão

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