Brasileiro começa a encará-la como prática que produz perdas irreparáveis na prestação de serviços públicos
Há mudanças importantes tanto na percepção do brasileiro sobre corrupção quanto na maneira de lidar com ela.
Até recentemente, a população a via como inevitável e, mesmo, tolerável, que podia ser compensada com o dinamismo do administrador público. A novidade está em que começa a encará-la como prática que produz perdas irreparáveis na prestação de serviços públicos: “A saúde é essa precariedade porque a corrupção desviou dinheiro dos impostos. O mesmo acontece com a baixa qualidade da educação, dos transportes, da segurança e do saneamento”, observa a socióloga Fátima Pacheco Jordão. E essa mudança tem importantes consequências do ponto de vista eleitoral, como as pesquisas estão mostrando.
Corrupção é coisa antiga, como se sabe. Mas a maneira de encará-la muda com a história e com a cultura. Para não ir muito longe, convém recordar que a apropriação privada de bens e recursos públicos sob o regime patrimonialista era entendida como fato normal. Qualquer ministro de Estado ou funcionário entendia que não havia nada de especialmente errado em se enriquecer no serviço público.
Embora também antigos, os valores republicanos, que fazem rigorosa distinção entre patrimônio público e patrimônio privado, vêm sendo absorvidos meio aos trancos por aqui.
A população brasileira apenas episodicamente via a corrupção como questão moral. Mas se até recentemente a tratava com permissividade, agora a encara como perda. “Antes, era o rouba, mas faz. Agora, é rouba e me nega serviços que paguei a duras penas com impostos”, observa Fátima Jordão. A população está mais propensa a entender a corrupção como prática que reduz o número de creches, de postos de saúde e eleva o preço da condução.
Os políticos já entenderam que o eleitor já não tolera o desvio de recursos públicos, como antes. Mas não sabem ainda como lidar com isso. Estão apavorados com a força da Operação Lava Jato, mas já não podem nem manifestar-se nem reagir abertamente contra ela.
O PT, que se propôs a batalhar por ética na política, acabou aprisionado por suas contradições. De um lado, não pode negar os valores republicanos, mas, de outro, por conveniência, adotou práticas marxistas toscas em que convinha “desapropriar” o Estado burguês, praticante e defensor da mais-valia que explora o trabalhador, para garantir recursos com o objetivo de assegurar a tomada e a consolidação do seu projeto de poder. Logo se viu que muitos companheiros do partido foram além. Não só desviaram recursos públicos “em benefício da causa”, mas acabaram por tirar proveito próprio. Este não foi o único desvio de conduta adotado pelo PT. Seu extenso braço sindicalista, onde predomina a cultura patrimonialista, que não faz distinção entre os recursos do sindicato e o patrimônio de seus dirigentes, também não fazia muita questão de assumir a ética republicana, cada vez mais demandada pela opinião pública.
“Desse ponto de vista, o impacto da carga tributária é menos importante do que a qualidade dos serviços prestados pelo Estado”, diz Fátima Jordão. Por isso, também, ela aplaude a nova ferramenta colocada à disposição pelo site do Estadão, “De Real para Realidade” (www.derealpararealidade.com), que calcula as perdas da corrupção. Ela indica, por exemplo, que um desvio de R$ 52 milhões corresponde à perda de 433 mil vacinas H1N1, 632 ambulâncias ou, ainda, 0,176 km de metrô.
A nova maneira de ver a corrupção, que ajudou a impulsionar com mais de 2 milhões de assinaturas as Dez Medidas contra Corrupção em projeto que tramita no Congresso, passou a ter impacto eleitoral, entende Fátima.
No caso de São Paulo, por exemplo, o candidato a prefeito Celso Russomanno parou na ótica da defesa do consumidor; não consegue demonstrar como superar as perdas provocadas pela corrupção de quem utiliza os serviços públicos. Marta Suplicy, por sua vez, limita-se a falar dos CEUs e do que realizou no seu mandato de prefeita, sem enfatizar a eficácia com que os recursos do eleitor devem ser administrados. João Dória está obtendo sucesso nas pesquisas de intenção de voto não só porque passa a mensagem de que não tem passado que o condene, mas, também, porque promete ser bom gerente dos recursos do povo, explica Fátima Jordão, que é especialista em Opinião Pública.
Como diria Shakespeare, há mais coisas a considerar quando o assunto é corrupção do que sonha nossa vã filosofia.
25 de setembro de 2016
Celso Ming, Estadão
Há mudanças importantes tanto na percepção do brasileiro sobre corrupção quanto na maneira de lidar com ela.
Até recentemente, a população a via como inevitável e, mesmo, tolerável, que podia ser compensada com o dinamismo do administrador público. A novidade está em que começa a encará-la como prática que produz perdas irreparáveis na prestação de serviços públicos: “A saúde é essa precariedade porque a corrupção desviou dinheiro dos impostos. O mesmo acontece com a baixa qualidade da educação, dos transportes, da segurança e do saneamento”, observa a socióloga Fátima Pacheco Jordão. E essa mudança tem importantes consequências do ponto de vista eleitoral, como as pesquisas estão mostrando.
Corrupção é coisa antiga, como se sabe. Mas a maneira de encará-la muda com a história e com a cultura. Para não ir muito longe, convém recordar que a apropriação privada de bens e recursos públicos sob o regime patrimonialista era entendida como fato normal. Qualquer ministro de Estado ou funcionário entendia que não havia nada de especialmente errado em se enriquecer no serviço público.
Embora também antigos, os valores republicanos, que fazem rigorosa distinção entre patrimônio público e patrimônio privado, vêm sendo absorvidos meio aos trancos por aqui.
A população brasileira apenas episodicamente via a corrupção como questão moral. Mas se até recentemente a tratava com permissividade, agora a encara como perda. “Antes, era o rouba, mas faz. Agora, é rouba e me nega serviços que paguei a duras penas com impostos”, observa Fátima Jordão. A população está mais propensa a entender a corrupção como prática que reduz o número de creches, de postos de saúde e eleva o preço da condução.
Os políticos já entenderam que o eleitor já não tolera o desvio de recursos públicos, como antes. Mas não sabem ainda como lidar com isso. Estão apavorados com a força da Operação Lava Jato, mas já não podem nem manifestar-se nem reagir abertamente contra ela.
O PT, que se propôs a batalhar por ética na política, acabou aprisionado por suas contradições. De um lado, não pode negar os valores republicanos, mas, de outro, por conveniência, adotou práticas marxistas toscas em que convinha “desapropriar” o Estado burguês, praticante e defensor da mais-valia que explora o trabalhador, para garantir recursos com o objetivo de assegurar a tomada e a consolidação do seu projeto de poder. Logo se viu que muitos companheiros do partido foram além. Não só desviaram recursos públicos “em benefício da causa”, mas acabaram por tirar proveito próprio. Este não foi o único desvio de conduta adotado pelo PT. Seu extenso braço sindicalista, onde predomina a cultura patrimonialista, que não faz distinção entre os recursos do sindicato e o patrimônio de seus dirigentes, também não fazia muita questão de assumir a ética republicana, cada vez mais demandada pela opinião pública.
“Desse ponto de vista, o impacto da carga tributária é menos importante do que a qualidade dos serviços prestados pelo Estado”, diz Fátima Jordão. Por isso, também, ela aplaude a nova ferramenta colocada à disposição pelo site do Estadão, “De Real para Realidade” (www.derealpararealidade.com), que calcula as perdas da corrupção. Ela indica, por exemplo, que um desvio de R$ 52 milhões corresponde à perda de 433 mil vacinas H1N1, 632 ambulâncias ou, ainda, 0,176 km de metrô.
A nova maneira de ver a corrupção, que ajudou a impulsionar com mais de 2 milhões de assinaturas as Dez Medidas contra Corrupção em projeto que tramita no Congresso, passou a ter impacto eleitoral, entende Fátima.
No caso de São Paulo, por exemplo, o candidato a prefeito Celso Russomanno parou na ótica da defesa do consumidor; não consegue demonstrar como superar as perdas provocadas pela corrupção de quem utiliza os serviços públicos. Marta Suplicy, por sua vez, limita-se a falar dos CEUs e do que realizou no seu mandato de prefeita, sem enfatizar a eficácia com que os recursos do eleitor devem ser administrados. João Dória está obtendo sucesso nas pesquisas de intenção de voto não só porque passa a mensagem de que não tem passado que o condene, mas, também, porque promete ser bom gerente dos recursos do povo, explica Fátima Jordão, que é especialista em Opinião Pública.
Como diria Shakespeare, há mais coisas a considerar quando o assunto é corrupção do que sonha nossa vã filosofia.
25 de setembro de 2016
Celso Ming, Estadão
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