"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

COMPLEXO DE LINDBERGH

Lindbergh Farias (PT-RJ) causou um dano imenso ao país. E aqui não me refiro à sua vergonhosa atuação como senador da República, mas ao trauma que deixou em toda uma geração.

Símbolo das manifestações contra o ex-presidente Fernando Collor, o então ativista rapidamente se tornou o queridinho da imprensa. Apesar de, na época, ser do PCdoB e, portanto, defender ideias absolutamente retrógradas, pintaram nele a imagem de uma juventude que renovaria a política, a representação da esperança de um novo país pós-impeachment.

A ascensão política de Lindbergh Farias foi meteórica. De deputado federal para prefeito de Nova Iguaçu (RJ), de prefeito para Senador. Igualmente veloz foi o desgaste de sua imagem. Logo que entrou no Senado, seguiu a política hipócrita de seu partido, o PT, e se aliou ao seu antigo inimigo, Fernando Collor. Mais recentemente, o ex-cara-pintada e o ex-presidente se encontraram na Lava Jato, ambos alvos de inquéritos. O frescor da nova política —que seria trazida por um jovem militante comunista— mostrou ser apenas um bafo da velha politicagem.

Como bem definiu Reinaldo Azevedo, Lindbergh é um cara-pintada que virou cara de pau. Antes, liderava movimentos estudantis pelo impeachment de Collor. Hoje, além de ser aliado dele, diz que impeachment é golpe. Não há decepção maior para aqueles que o apoiaram na época, mas mantiveram a coerência e também tomaram as ruas contra o governo Dilma.

É exatamente por isso que diversas pessoas têm criticado a iniciativa de alguns líderes de movimentos de rua, como Fernando Holiday, do MBL, que está concorrendo à vereança em São Paulo. Quem foi cara-pintada e não superou o trauma Lindbergh crê que não é possível participar de movimentos de rua e atuar na política institucional sem abrir mão de todas as virtudes. Isso, na prática, é criminalizar a política. Se as virtudes e os ideais de uma pessoa não conseguem nem sequer sobreviver a uma eleição, então devemos jogar a democracia no lixo. Essa mentalidade foi genialmente batizada por um colega de movimento de "Complexo de Lindbergh".

"Ah, mas Lindbergh também era honesto, idealista, foi a política que o corrompeu!". Antes de qualquer coisa, é preciso desmentir essa história de que Lindbergh mudou. Em sua essência, ele sempre foi o que é. Já quando protestava contra Collor, era militante do PCdoB e "companheiro" de luta de Lula. Ele sempre defendeu os mesmos ideais. A única diferença é que passou de comunista revolucionário a comunista fisiológico -o que, levando-se em consideração as implicações de ser revolucionário, é um inegável avanço.

Os caras-pintadas que se decepcionaram com Lindbergh não podem ser reféns de um complexo que só beneficia aqueles que só estão na política para que a coisa pública atenda aos seus fins privados -e isso, como sabemos, inclui certos companheiros do partido de "Lindinho". Só será possível mudar se não criminalizarmos a mudança possível.



23 de agosto de 2016
Kim Kataguiri, Folha de SP

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