Sem tempo para o descanso, o Brasil entra esta semana na reta final do processo de impeachment, que tem sido longo e tenso. A crise econômica permanece entre nós. Os Jogos Olímpicos se foram. Quando o fogo apagou no Maracanã, em noite de chuva e ventos fortes, o estádio fez o som de lamento. O trabalho para o sucesso da Rio 2016 continua porque é a hora de realizar o planejado e consolidar o legado.
Para que uma Olimpíada dê certo, é preciso muita estratégia, planejamento e trabalho, antes; boa execução e sorte, durante; e novo esforço, depois. Agora é a hora de confirmar o legado. A luta para evitar a repetição de Atenas, com seus equipamentos esportivos abandonados, tem que ser retomada agora, para realizar o que foi planejado e transformar arenas e ginásios em escolas, centros esportivos e de lazer. Para isso, será preciso investimento e esforço de manutenção, num país que permanece em crise fiscal.
O que o Rio ganhou é óbvio: BRT, VLT, vias expressas, túneis, uma linha de metrô, Centro renovado. O que o Rio não conseguiu também é óbvio, mas diz muito do Brasil como um todo. O país sabe que seu ponto fraco é o saneamento básico e seria maravilhoso ter despoluído as águas da Guanabara. Seria o nosso ouro olímpico e não o obtivemos. O que precisa ser feito, contudo, é muito mais difícil, amplo e desafiador do que limpar a Baía para os Jogos. Os percentuais de esgoto canalizado e tratado no Brasil são muito menores do que seria de se esperar dado o nível em que está o nosso desenvolvimento. Que esta seja uma lição a tirar da Rio 2016: ficamos envergonhados com a sujeira da Baía, mas os Jogos foram apenas por 17 dias, e essas águas sujas continuarão aqui. O investimento em saneamento básico é fundamental também pela mensagem divulgada na abertura da Olimpíada: o planeta é um só e estamos em contagem regressiva diante dos riscos da mudança climática. Neste cenário, a água é o bem precioso a se preservar. Os rios do Brasil não podem continuar sendo esgoto.
Há muitas lições a se tirar dos Jogos. O Brasil deve continuar com planos de aumentar suas medalhas olhando para todas as modalidades de esporte e não apenas aquelas que têm mais prestígio ou aquelas em que somos tradicionalmente bons. A canoagem não parecia estar em nenhuma dessas categorias, mas na manhã do sábado a Lagoa lotada de brasileiros torcia para a dupla Isaquias e Erlon. Cada esporte pode ser destaque se houver investimento. Uma potência olímpica se faz com preparação de todas as modalidades.
A lição das Forças Armadas é a de dar ao atleta um apoio de vários anos, mas este é apenas um dos programas dos militares. É preciso manter o que está dando certo, ampliando o trabalho de criação de mentalidade esportiva entre as crianças em projetos como o que acolhe 21 mil crianças em treinamentos no “contraturno”, ou seja, no período em que não estão em aulas.
É fundamental que dentro das escolas seja incentivada a prática de esportes, não para criar atletas mas para preparar para a vida. A luta de proteção dos jovens tem nos esportes e nas artes aliados fortes como temos vistos nos casos que se destacam. O de Rafaela Silva no Projeto Reação é um exemplo.
O Brasil atraiu menos turistas do que poderia porque houve uma sucessão de temores, alguns, fundados, outros, frutos do pessimismo que cercou a realização dos Jogos num país que vive crise política, recessão econômica e ainda teve surtos de doenças graves. Mesmo assim, o resultado de fortalecer o Brasil como destino de turismo pode ser capitalizado se houver um trabalho em cima do que deu certo na Olimpíada do Rio. Nada virá por gravidade, mas o turismo brasileiro é subdimensionado e precisa de visão estratégica.
Não foi o jeitinho brasileiro, mas sim o trabalho que permitiu o sucesso. Mas a superação do inesperado sempre exigirá o improviso. Na cerimônia de encerramento, ele foi necessário. O cano de onde saiu Mario Bros, ou melhor, o primeiro ministro Shinzo Abe, danificou o piso do Maracanã, que foi forrado de madeira pintada de branco para permitir a projeção. Quem viu, prendeu a respiração diante do esforço silencioso e, na penumbra, executado pelos trabalhadores para consertar os danos, enquanto rolavam os discursos. Deu certo e a festa continuou.
23 de agosto de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Para que uma Olimpíada dê certo, é preciso muita estratégia, planejamento e trabalho, antes; boa execução e sorte, durante; e novo esforço, depois. Agora é a hora de confirmar o legado. A luta para evitar a repetição de Atenas, com seus equipamentos esportivos abandonados, tem que ser retomada agora, para realizar o que foi planejado e transformar arenas e ginásios em escolas, centros esportivos e de lazer. Para isso, será preciso investimento e esforço de manutenção, num país que permanece em crise fiscal.
O que o Rio ganhou é óbvio: BRT, VLT, vias expressas, túneis, uma linha de metrô, Centro renovado. O que o Rio não conseguiu também é óbvio, mas diz muito do Brasil como um todo. O país sabe que seu ponto fraco é o saneamento básico e seria maravilhoso ter despoluído as águas da Guanabara. Seria o nosso ouro olímpico e não o obtivemos. O que precisa ser feito, contudo, é muito mais difícil, amplo e desafiador do que limpar a Baía para os Jogos. Os percentuais de esgoto canalizado e tratado no Brasil são muito menores do que seria de se esperar dado o nível em que está o nosso desenvolvimento. Que esta seja uma lição a tirar da Rio 2016: ficamos envergonhados com a sujeira da Baía, mas os Jogos foram apenas por 17 dias, e essas águas sujas continuarão aqui. O investimento em saneamento básico é fundamental também pela mensagem divulgada na abertura da Olimpíada: o planeta é um só e estamos em contagem regressiva diante dos riscos da mudança climática. Neste cenário, a água é o bem precioso a se preservar. Os rios do Brasil não podem continuar sendo esgoto.
Há muitas lições a se tirar dos Jogos. O Brasil deve continuar com planos de aumentar suas medalhas olhando para todas as modalidades de esporte e não apenas aquelas que têm mais prestígio ou aquelas em que somos tradicionalmente bons. A canoagem não parecia estar em nenhuma dessas categorias, mas na manhã do sábado a Lagoa lotada de brasileiros torcia para a dupla Isaquias e Erlon. Cada esporte pode ser destaque se houver investimento. Uma potência olímpica se faz com preparação de todas as modalidades.
A lição das Forças Armadas é a de dar ao atleta um apoio de vários anos, mas este é apenas um dos programas dos militares. É preciso manter o que está dando certo, ampliando o trabalho de criação de mentalidade esportiva entre as crianças em projetos como o que acolhe 21 mil crianças em treinamentos no “contraturno”, ou seja, no período em que não estão em aulas.
É fundamental que dentro das escolas seja incentivada a prática de esportes, não para criar atletas mas para preparar para a vida. A luta de proteção dos jovens tem nos esportes e nas artes aliados fortes como temos vistos nos casos que se destacam. O de Rafaela Silva no Projeto Reação é um exemplo.
O Brasil atraiu menos turistas do que poderia porque houve uma sucessão de temores, alguns, fundados, outros, frutos do pessimismo que cercou a realização dos Jogos num país que vive crise política, recessão econômica e ainda teve surtos de doenças graves. Mesmo assim, o resultado de fortalecer o Brasil como destino de turismo pode ser capitalizado se houver um trabalho em cima do que deu certo na Olimpíada do Rio. Nada virá por gravidade, mas o turismo brasileiro é subdimensionado e precisa de visão estratégica.
Não foi o jeitinho brasileiro, mas sim o trabalho que permitiu o sucesso. Mas a superação do inesperado sempre exigirá o improviso. Na cerimônia de encerramento, ele foi necessário. O cano de onde saiu Mario Bros, ou melhor, o primeiro ministro Shinzo Abe, danificou o piso do Maracanã, que foi forrado de madeira pintada de branco para permitir a projeção. Quem viu, prendeu a respiração diante do esforço silencioso e, na penumbra, executado pelos trabalhadores para consertar os danos, enquanto rolavam os discursos. Deu certo e a festa continuou.
23 de agosto de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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