O selecionado brasileiro de futebol foi derrotado pela equipe nacional alemã. O fato em si, não tem nada de extraordinário. Espantosa é a amplidão do marcador. Que fazer? São coisas da vida.
Os fatos têm a importância que lhes atribuímos. Os atributos que tenho lido e ouvido ― ligados ao jogo deste 8 de julho ― são terríveis. Desonra, fracasso, desgraça, tragédia, debacle.
Não exageremos. Cabeça fria, minha gente. Daqui a alguns dias, acaba a «Copa das copas». Os jogadores voltarão para a Europa, autoabsolvidos, felizes com seus salários milionários. Para o povo brasileiro, ficarão os problemas e… as contas a pagar.
Aqui abaixo vai um elenco dos substantivos exacerbados com que o episódio foi descrito.
Lástima?
Lástima é conceder habeas corpus a cartola da Fifa, preso por ter-se locupletado. Lástima é não se dar conta de que, solto, o acusado pode destruir provas e forjar álibi.
Decadência?
Decadência tem sofrido a indústria brasileira desde que nossos ingênuos dirigentes permitiram que a indústria chinesa estrangulasse, pouco a pouco, a nossa.
Desonra?
Desonra é constatar que, em pleno século 21, nosso País ainda tem hordas de analfabetos.
Extermínio?
Extermínio é o que continua sendo praticado contra nossas florestas em plena era de monitoramento em tempo real por satélite. Habeas corpus não vale em caso de queimadas.
Vergonha?
Vergonha é figurar na lista mundial dos paraísos da prostituição barata ― característica de um povo indigente.
Destruição?
Destruição é o que a disseminação das drogas causa na população ― jovens e velhos ― nas barbas de autoridades coniventes.
Fracasso?
Fracasso é o de uma política de assentamentos que, decorridas décadas, ainda não logrou satisfazer às necessidades dos sem-terra.
Fiasco?
Fiasco é o resultado pífio da Instrução Pública.
Desgraça?
Desgraça é constatar que, cinco séculos após o descobrimento, ainda perdura o sistema de capitanias hereditárias no jogo político do País.
Baque?
Baque é ver jogadores brasileiros milionários, «ídolos» de um país sem heróis, chorando feito criança que perdeu o brinquedo. Alguém já imaginou jogador alemão chorar porque perdeu um jogo?
Calamidade?
Calamidade é o crônico abandono reservado à Saúde Pública, da qual depende a esmagadora maioria de brasileiros.
Horror?
Horror é o que sentimos quando a Fifa ― uma multinacional de características mafiosas ― consegue, sem esforço, impor sua vontade sobre nossos representantes e mudar nossas leis.
Derrota?
Derrotas sucessivas são as que tem sofrido a diplomacia brasileira, outrora respeitada. As más companhias têm influenciado nossos inexperientes (e inescrupulosos) medalhões.
Vexame?
Vexame é constatar, ano após ano, que a classificação do Brasil no índice Pisa não dá sinais de melhora.
Estrago?
Estrago sentimos nós quando temos notícia de que nenhuma universidade brasileira se classifica entre as duzentas melhores do mundo. Até a USP perdeu sua posição.
Prostração?
Prostração é o que sentem os cidadãos bem-intencionados quando se dão conta de que o País vem sendo governado por marqueteiros baseados em slogans.
Abatimento?
Abatimento sentimos nós, cidadãos de bem, obrigados a viver enjaulados enquanto bandidos passeiam livres, leves e soltos.
Falência?
Falência econômica é o fim garantido, a continuarmos seguindo o receituário da contabilidade dita “criativa”, feita para mascarar realidade vergonhosa.
Flagelo?
Flagelo é o tratamento que nossas autoridades maiores vêm impingindo a nossos irmãos nordestinos, ludibriados com a quimera da bifurcação do Rio São Francisco.
Desintegração?
Desintegração é o retrato do Brasil atual ― desintegração avançada do tecido social.
Drama?
Drama é a ingenuidade do bom povo brasileiro. Apoiados nessa candura, os figurões atuais têm ampla chance de se reeleger. A má gestão do país periga, assim, se eternizar.
Declínio?
Declínio é o que se constata ao ouvir um estádio inteiro proferindo insultos de baixo calão. É ver o povo substituindo o voto pelo berro, numa demonstração de declínio civilizatório.
Bancarrota?
Bancarrota é o fim do caminho. Segundo abalizados especialistas, a continuar insistindo no paradigma econômico perigoso em que nos metemos, perigamos virar uma Argentina ou, pior, uma Venezuela.
Desastre?
Desastre é amestrar um povo e incentivá-lo a enxergar o futebol como valor máximo, como glória maior da nação. Esse vezo pode até funcionar em tempos de bem-aventurança, mas o risco de colapso repentino e brutal é imenso. Foi o que aconteceu.
Catástrofe?
Catástrofe é o fato de um povo cordial mas anestesiado ter aprovado ― e aplaudido até ― a dilapidação do erário para garantir o sucesso efêmero do futebol nacional. Desperdício cometido em detrimento de gritantes prioridades nacionais relegadas ao fim da fila.
Ruína?
Ruína é a situação do transporte urbano num país como o nosso, onde a maior parte da população vive ou trabalha em grandes cidades.
Malogro?
Malogro é o resultado de políticas assistencialistas que não diminuíram o fosso entre os que têm mais e os que têm menos. Malogrados nos sentimos em saber que o Brasil permanece entre os países mais desiguais.
Desgosto?
Desgosto é o que se sente ao constatar que futebol, em nosso país, passa à frente do trabalho e das responsabilidades individuais. A prova? Os feriados decretados nos dias de jogo.
Tragédia?
Tragédia é ter certeza de que, passadas as eleições de outubro, teremos mais do mesmo. O risco é grande de que os que lá estão sejam reeleitos e se sintam livres para continuar sua obra de desconstrução do Brasil.
09 de julho de 2014
José Horta Manzano
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