Mesmo que sem o protagonismo de outros anos, é bem provável que o Bolsa Família volte a gerar acalorados debates na campanha eleitoral, iniciada ontem. Diante do sucesso do programa, nenhum candidato ousará propor seu fim, mas é essencial debater o futuro daquela que se tornou a mais visível política social dos governos petistas.
Poucas políticas públicas no país foram tão avaliadas quanto o Bolsa Família. Olhando para o conjunto de estudos sobre o programa, é possível concluir que ele foi eficiente no alívio imediato da extrema pobreza, ajudou a reduzir a desigualdade e contribuiu para diminuir a desnutrição e a mortalidade infantil. Isso sem gerar o temido "efeito preguiça" ou incentivar a natalidade entre os mais pobres, visto que não há diferença significativa nas taxas de ocupação ou de fecundidade entre beneficiários e não beneficiários com o mesmo perfil.
As contribuições do programa para a melhoria da qualidade do ensino, no entanto, são menos claras. Se, por um lado, há estudos que mostram que ele ajudou a reduzir a evasão escolar, por outro, não há evidência clara de que tenha impacto positivo no desempenho dos alunos, medido em testes de português e matemática.
Essa crítica, é bom registrar, não é feita apenas ao programa brasileiro. Já em 2006, num estudo publicado pela Unesco, os pesquisadores Fernando Reimers, Carol DeShano da Silva e Ernesto Trevino, ao analisar dados de nove países, criticavam as políticas de transferência de renda condicionada por não estarem melhorando o aprendizado dos alunos.
Programas como o Bolsa Família não podem ser responsabilizados pela má qualidade do ensino. Mas, como são políticas que se propõem a atacar a pobreza entre gerações, tal dimensão não pode ser deixada de lado.
Alguns governos, como os de Minas e do Rio, tentaram avançar nessa questão dando bolsas para que os jovens não apenas permaneçam, mas para que sejam aprovados e concluam o ensino médio. Porém, essas políticas ainda carecem de uma avaliação mais robusta sobre seus resultados. Além disso, são mais do mesmo, no sentido que apostam em incentivos financeiros para melhorar a qualidade do ensino sem investir na escola.
Num estudo publicado neste ano no relatório “Por que pobreza”, editado pelo Ipea e pelo Canal Futura, o sociólogo Daniel de Aquino Ximenes revela que as escolas que mais atendem os alunos com Bolsa Família são também aquelas com pior infraestrutura do país. Elas têm menor acesso a esgoto, água, internet, computadores, laboratórios e outros 19 equipamentos avaliados no estudo. O diagnóstico de que as escolas onde estudam os mais pobres apresentam piores condições de oferta parece óbvio, mas o problema é justamente este: tratarmos como natural algo que, num país com índices ainda tão altos de desigualdade, deveria ser inaceitável.
Sem menosprezar os avanços, pode-se dizer que o que fizemos até agora, ao menos no que diz respeito à educação, foi a parte menos difícil: identificar as famílias mais pobres e dar a elas incentivos para que mantenham seus filhos estudando. Se quisermos mais do que isso, não há outra saída a não ser olhar para o que acontece dentro das escolas e reconhecer que há muito a melhorar para que elas deem conta do imenso desafio colocado sob seus ombros.
09 de julho de 2014
Antonio Gois, Jornalista, é colunista de Educação de O Globo
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