Estão nossas instituições políticas e jurídicas a um passo da desmoralização, com base naquela vergonhosa e histórica realidade da existência de leis que pegam e de leis que não pegam. Fala-se da lei da Ficha Limpa, saudada há um ano como carta de alforria da moralidade, encontrando-se agora em sua prova definitiva.
Porque a finalidade da lei era impedir a candidatura de políticos condenados por corrupção em suas diversas modalidades. Para evitar a prática de injustiças ou perseguições, o texto exige duas condenações: na primeira instância, por um juiz singular, depois confirmada por um colegiado, na segunda instância.
O diabo é que a malandragem sempre encontra meios de burlar a melhor das intenções. Através decisões sucessivas, a chamada jurisprudência, a Justiça Eleitoral dispôs que a lei só pode ser aplicada no período anterior ao pedido de registro dos candidatos.
Quer dizer, mesmo o mais corrupto dos pretendentes às eleições, se puder postergar a segunda condenação antes do prazo fatal para o registro, ficará livre da aplicação do princípio da Ficha Suja.
Quer dizer, mesmo o mais corrupto dos pretendentes às eleições, se puder postergar a segunda condenação antes do prazo fatal para o registro, ficará livre da aplicação do princípio da Ficha Suja.
Acaba de acontecer esse malabarismo com o ex-senador e ex-governador de Brasília, José Roberto Arruda. Tirando irregularidades anteriores que o levaram a renunciar ao Senado, ele foi condenado na primeira instância por improbidade administrativa, obrigado a uma segunda renúncia, no caso do cargo de governador.
Havia sido flagrado recebendo dinheiro sujo, acusado de comprar o apoio da deputada Jacqueline Roriz. Ficou até mesmo preso, por 60 dias, por haver tentado influenciar testemunhas no processo.
Havia sido flagrado recebendo dinheiro sujo, acusado de comprar o apoio da deputada Jacqueline Roriz. Ficou até mesmo preso, por 60 dias, por haver tentado influenciar testemunhas no processo.
Nada mais evidente do que a lei da Ficha Limpa interromper sua nova trajetória política, candidato que é, outra vez, a governador. E com a agravante de liderar as pesquisas eleitorais, sabe-se lá porque.
Pois Arruda conseguiu registrar sua candidatura no dia 5, quando vencia o prazo. Acontece que só no dia 9, numa dessas estranhas coincidências da política brasileira, a Segunda Turma Civil do Tribunal de Justiça do Distrito Federal confirmou a primeira sentença. Isso por haver o ex-governador, através de competentes advogados, protelado a óbvia decisão. Resultado: tendo sua candidatura registrada, ele poderá, mesmo condenado por um colegiado, disputar as eleições e até, se eleito, tomar posse no cargo.
Além de desmoralizar a lei da Ficha Limpa, entrará no governo de Brasília como a raposa entra no galinheiro, ainda que tudo legalmente explicado.
Existem situações em que a lei deve ceder lugar ao bom senso. Essa é uma delas, emblemática para demonstrar a falência das instituições vigentes. Mais uma lei que não pegou? Onde se insere a majestade do Poder Judiciário?
14 de julho de 2014
Carlos Chagas
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