"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

REMEMBER CELSO

Por falar em Cristo, entre 176 e 180 d.C. surgiu uma das mais virulentas críticas ao cristianismo, elaborada pelo nobre romano Celso. Já naqueles dias, a nova seita era acusada de criar um Estado dentro do Estado. "Há uma raça nova de homens, nascidos ontem, sem pátria nem tradições, unidos contra todas as instituições religiosas e civis, perseguidos pela justiça, universalmente marcados de infâmia, mas que se vangloriam da execração comum".

Para os romanos de então, era normal que cada nação tivesse seus deuses. Os romanos tinham os seus, os gregos e egípcios também. Os judeus, por sua vez, tinham um só, Jeová. Com o cristianismo surgia algo novo. A nova raça de homens, como diz Celso, tinha também um só deus, mas este não pertencia a nação nenhuma. Não pertencendo a nação nenhuma, se pretendia o deus de todos.

Estas reflexões, Celso as reuniu em O Discurso Verdadeiro, obra que foi entusiasticamente queimada pela nova Igreja. Dela só restou o Contra Celso, de Orígenes, teólogo cristão que pretendeu refutá-lo. Sorte nossa. Conforme prática da época, ao discutir um livro, era costume primeiro citar seus argumentos para depois rebatê-lo. Não fosse este zelo dos teólogos cristãos, nada teríamos do pensamento do pensador romano. A propósito, Orígenes foi aquele santo homem que levou a sério as palavras do Cristo transcritas por Mateus:

"Ai do mundo, por causa dos tropeços! pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier! Se, pois, a tua mão ou o teu pé te fizer tropeçar, corta-o, lança-o de ti; melhor te é entrar na vida aleijado, ou coxo, do que, tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo eterno. E, se teu olho te fizer tropeçar, arranca-o, e lança-o de ti; melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, ser lançado no inferno de fogo."

O que fazia Orígenes tropeçar não era bem a mão ou o pé, muito menos o olho, mas um outro membrinho inquieto que o fazia pecar. O santo homem decidiu então cortá-lo. Pelo menos preservou longos trechos do Discurso Verdadeiro. É Celso quem aventa uma hipótese bastante plausível, que Cristo teria sido filho de Maria com um soldado romano chamado Pantera. Que não era filho de José, isto está nos Evangelhos. Quanto a ser filho do Paráclito, isto ultrapassa a humana razão. Filho de algum pai haveria de ser. Celso faz perguntas bastante pertinentes:

“Por que te viram então, a ti, filho de Deus, vagabundo de infelicidade, vergado sob o pavor, desamparado, correndo o país com os teus dez ou onze acólitos recrutados na ralé do povo, entre publicanos e marinheiros sem eira nem beira, e ganhando envergonhadamente uma precária subsistência? Por que foi preciso que te levassem para o Egito? Para te salvarem do extermínio pela espada? Mas um Deus não pode temer a morte. Um anjo veio de propósito do céu ordenar a ti e a teus pais a fuga. O grande Deus, que já tinha tido o trabalho de enviar dois anjos por ti, não podia então preservar o próprio filho no seu próprio país?”

É pergunta de difícil resposta. Não por acaso, os cristãos abominam Celso. Relendo o Contra Celso, encontrei este texto escrito há quase vinte séculos, mas de extraordinária lucidez mesmo em nossos dias.

“Há muitos que, embora careçam de reputação ou nome, exercem seu ofício ao menor estímulo, com a maior facilidade, dentro e fora dos lugares sagrados como se estivessem submetidos ao êxtase profético. Outros, vagando como mendigos e visitando as cidades e os acampamentos militares, oferecem o mesmo espetáculo. Cada um deles tem as palavras na ponta da língua e usam-nas instantaneamente: “Sou Deus”, “filho de Deus” ou “espírito de Deus”. Vim porque o fim do mundo se aproxima e vós, os humanos, sereis destruídos por vossa maldade! Mas eu vos salvarei e vós me contemplareis vir novamente com poder celestial! Bem-aventurado quem agora me honre! Eu relegarei todos os demais ao fogo eterno, as cidades bem como seus países e seus povos. Aqueles que não reconheçam agora as sentenças que caem sobre suas cabeças logo se lamentarão e mudarão de opinião inutilmente! Mas aqueles que tiverem acreditado em mim, preservarei eternamente! A essas ameaças grandiloqüentes acrescentam palavras raras, meio loucas e absolutamente incoerentes, cujo sentido não pode ser compreendido por nenhum homem, por mais inteligente que seja, tão obscuras e vazias. Mas o primeiro simplório ou charlatão que as ouve pode explicá-las como lhe parecer melhor... Estes pseudoprofetas, a quem em mais de uma ocasião ouvi pessoalmente, admitiram sua fraqueza depois que os convenci e confessaram que inventaram todas suas inúteis palavras”.

Sempre é bom voltar aos antigos.


17 de abril de 2014
janer cristaldo

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