O PT quer proibir doações privadas em campanhas eleitorais. Todas as campanhas terão um campeão de verbas a partir de então: o próprio PT.
A visão moderna de democracia (que começa no Iluminismo) tem como tripé fundamental a idéia da “separação de poderes”. Muito antes da democracia, o poder quase sempre foi dividido. É por isso que se fala em poder econômico, poder político, poder produtivo, poder eclesiástico etc: cada um tem o seu papel, são todos interdependentes e podem imiscuir-se uns nos outros ou não (o que a democracia moderna foi 200% incapaz de evitar).
É possível evitar o poder político escorando-se no poder econômico ou na agitação das classes baixas com cada vez mais facilidade (também temos o poder comunicativo hoje, numa era informacional). Muito mais facilmente do que podemos tentar encontrar alguma espécie de checks and balances entre Executivo centralizado, Legislativo comprado e aparelhado e Judiciário ativista e indicado pelo Executivo.
Começa-se a votar agora a reforma política que pretende proibir doações de empresas para campanhas políticas. Até o momento, já tem 4 votos a favor no STF.
É algo parecido com as discussões sobre drogas (na verdade, troca-se a categoria da droga): fala-se em “acabar com o tráfico”, que é venda ilegal, legalizando as vendas. Uma discussão atrás do próprio rabo ad nauseam.
O projeto é imensamente imoral: o meu, o seu, o nosso dinheiro vai financiar partidos fazerem política para nós mesmos. Partidos os quais não quero sequer que existam, que dirá que recebam o meu dinheiro para fazer propaganda para mim.
Com a eterna ladainha contra o “poderio econômico”, como se ele fosse a nossa grande Nêmesis, e como se Eike Batista, Abílio Diniz, Nizan Guanaes e jornalistas que vão de Bárbara Gancia a José Luiz Datena não fossem todos apoiadores do PT, busca-se concentrar todo o equilíbrio das vontades apenas no poder político à propósito de uma “democratização” . Claro, quem está no poder será o campeão do montante de verbas para propaganda, arrancada dos próprios “compradores”.
Assim, a democracia se torna um bom modo de tomar o poder e de governar “legitimamente”, e revela o caráter do antigo termo “democracia” (de Platão até antes do Iluminismo): a tirania da maioria, onde qualquer coisa é aceita, desde que tenha 51% dos votos.
Se o PT hoje está no poder, vai querer mesmo estatizar todo o dinheiro e ficar com a maioria. Muito melhor do que o modelo cubano, pode deixar umas migalhas para uma coisa que alguns chamam de “oposição”, que nunca é capaz de legislar nem executar leis (muito menos chegar perto do Judiciário), com uma aparência de forças em disputa, mas que é hegemônica e homogênea, além de hiperconcentrada.
Se Noam Chomsky crê, de forma parecida com Michel Foucault, que a sociedade não tem liberdade no capitalismo por causa da força da imprensa e das agências de publicidade em fomentar e dirigir vontades para os mesmos objetivos, sua “saída” é de uma inteligência cavalar: concentrar poder contra os “poderosos”, os “mandarins”, e ao invés de deixar um pingo de liberdade para as pessoas escolherem entre automatismos comportamentais, obrigá-las a votar e aceitar o poder dos políticos, que vão forçá-las a serem livres de suas vontades corrompidas.
Com isso sendo discutido e aceito pelo STF, chegaremos facilmente a um novo estágio da “democracia”, ou na verdade seu velho sentido platônico: toma-se o poder com a maioria, e depois apenas manda-se a minoria a obedecê-la – afinal, a maioria é legítima e a minoria tem de aprender a viver sempre de migalhas.
Todas as campanhas terão um campeão de verbas a partir de então: o próprio PT. Afinal, um partido viciado em oclocracia como o PT não agiria diferentemente – ou alguém acredita que o PT está interessando em uma reforma para compartilhar o poder, para dar mais espaço para qualquer coisa fora do Estado, contra o Estado dominado por ele? Ele quer o bolo para si.
E a conta para nós, que estaremos felizes, “livres do poder econômico”, dando nosso próprio dinheiro não para quem queremos, mas para o PT e quem é a “maioria”.
Como esperar ter alguma mudança social com uma maioria eternamente sendo a mesma maioria?
A democracia é linda como uma forma de tomar o poder, mas o PT sempre confirma as previsões dos adoradores da res publica em oposição à ditadura da maioria: assim que o poder é tomado, é apenas concentrado e torna-se discussão bizantina entre os burocratas que legislam toda a nossa vida.
03 de janeiro de 2013
Flávio Morgenstern
Nenhum comentário:
Postar um comentário