"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

MSL - O MOVIMENTO DOS SEM-LEI

 
A decisão que desrespeita a a letra da lei agride o regime democrático, ainda que sob o pretexto de aperfeiçoá-la
 
Na semana passada, comentei aqui uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Ele entende que uma de suas funções é "empurrar a história", como Lênin. Não existe democracia sem um Poder Judiciário independente, mas essa independência tem balizas. A decisão que desrespeita ou ignora a letra da lei agride o regime democrático, ainda que sob o pretexto de aperfeiçoá-lo. Juízes também são produto da ordem legal que eventualmente transgridem.
Pergunta-se a Barroso: aquele que manda às favas uma decisão judicial porque está "empurrando a história" merece aplauso ou punição? Sempre se pode argumentar que há o jeito certo e o errado de dar esse empurrãozinho, mas isso é guerrilha ideológica, não Estado de Direito. Vamos ver.
 
Liminar concedida dia desses por uma juíza do Mato Grosso do Sul impedia que proprietários rurais realizassem um leilão de gado, grãos e equinos. O objetivo do evento era arrecadar recursos para mobilizar produtores contra a onda de invasões de terra promovida por índios, ONGs e padres.
Na liminar, depois cassada, a juíza alegava que sitiantes e fazendeiros pretendiam contratar segurança privada --essa era precisamente a acusação feita pelos invasores--, o que implicaria "substituir o Estado na solução do conflito existente entre a classe ruralista e os povos indígenas".
 
Quando os militantes invadem as propriedades, eles não estão tentando "substituir o Estado"? Então o coitado que tem esbulhado o seu direito deve ser proibido até de se defender? De resto, quem quer dinheiro para contratar milícias não realiza leilões à luz do dia.
 
Em outubro, um juiz negou liminar de reintegração de posse à reitoria da USP, invadida por delinquentes de extrema esquerda. O juiz que se negou a devolver o prédio a seus legítimos usuários escreveu, espancando o bom senso e a língua:
"Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal". Quando os criminosos deixaram o prédio, o saldo de destruição impressionava. "Transtorno"?
 
O meritíssimo pertence a uma Associação de Juízes que se denomina "Para a Democracia", algo notável porque nos faz supor que possa existir outra --no caso, "para a ditadura". Tal associação já produziu uma pérola, também na defesa de invasores. Escreveu:
"Não é verdade que ninguém está acima da lei (...): estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que, por isso, rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais".
 
O estilo brega mal esconde a concepção totalitária de direito. Ora, se há pessoas acima da lei, cesse o que o antigo Estado de Direito canta. Tudo lhes é permitido, muito especialmente o crime.
 
O ano começa com o STF prestes a jogar o sistema político na clandestinidade. Quatro ministros já acolheram a Ação Direta de Inconstitucionalidade que quer proibir a doação de empresas a campanhas eleitorais. Se acontecer, as contribuições hoje ilegais assim continuarão.
E boa parte das legais migrará para o crime. Esse mesmo tribunal, e não entro no mérito de cada decisão, "constitucionalizou", por exemplo, o casamento gay, o aborto de anencéfalos e a marcha da maconha. Legislou na contramão da vontade explícita do Congresso. No caso das cotas raciais, condescendeu com a agressão à Constituição promovida pelos dois outros Poderes. E sempre contra a escrita.
 
Se as leis não limitam as ações dos homens, quem disciplina os homens sem limites?
 
03 de janeiro de 2014
Reinaldo Azevedo, Folha de S. Paulo

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