"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

NO PARLAMENTO, A PALAVRA VALE

 
Os que se acham muito bem informados e demonizam o sistema político, porque ele não faz, na velocidade desejada, o que supõem ser o certo , são os mesmos que frequentemente se engasgam quando se pede que digam o nome do deputado ou do senador em quem votaram.

São, em geral, cidadãos pela metade: restringem a sua cidadania ao que lhe dizem seus botões e os interesses dos seus umbigos. Cumprem o seu dever cívico com uma contribuição monetária anônima para os partidos políticos que deles se aproximam no processo eleitoral. Não têm nenhuma disposição de organizarem-se dentro de alguns deles e utilizar proveitosamente uma pequena parte do seu tempo para influir nos seus programas e na escolha dos seus candidatos.

As objeções à necessária participação de todo cidadão virtuoso ao processo partidário são muito conhecidas, mas nenhuma insuperável:

 
1) eles creem que os partidos são dominados por desqualificados , que os usam para seus próprios interesses. Talvez haja alguma verdade nisso, mas é uma generalização perigosa. O problema é que vai continuar a ser assim, enquanto os qualificados não se organizarem (dentro deles) para diminuir o seu poder;
 
2) o trágico é que alguns ainda não entenderam que a reforma eleitoral, que:
a) institui a lista fechada, aumenta o poder dos desqualificados ;
b) o financiamento público das campanhas eleitorais reforça a reprodução do status quo ante . Manteria as coisas onde elas sempre estiveram;
 
3) é verdade que tudo conspira para a reprodução do que está aí : o horário eleitoral, gratuito para os políticos, mas oneroso para a sociedade, que não percebe seu custo , e que beneficia o poder incumbente;
 
4) a falta de controle social efetivo e robusto (apesar do esforço do Ministério Público e do Superior Tribunal Eleitoral) lhe dá, ainda, uma superioridade imensurável; e, finalmente, mas não menos importante,
 
5) a desastrosa institucionalização da reeleição nos Estados e municípios com precário controle social local, combinada com a pouca sensibilidade do eleitor (empiricamente verificada) com relação à integridade e transparência da administração pública, cria as condições para a formação de verdadeiras quadrilhas , que só são substituídas depois de longo e continuado abuso do poder.

Tal sistema, cuidadosamente montado para a sua reprodução depois de uma vitória eventual, não funcionou para o PSDB no nível nacional, porque esse nunca foi, de fato, um partido, mas apenas a emanação de lideranças inteligentes beneficiadas por um acidente maravilhoso, o Plano Real, formulado no governo Itamar Franco. E, mais, porque talvez seu combustível tenha se esgotado com a morte do generoso, trabalhador e astuto Sérgio Motta. Tem funcionado para o PT, depois que Lula se elegeu pela primeira vez diante do fracasso de FHC de fazer o seu sucessor, após de ter ido duas vezes ao FMI para evitar o default externo.

Isso está longe de diminuir o bom trabalho do governo de Fernando Henrique Cardoso, espantosamente escondido pelo próprio PSDB no processo eleitoral de 2002. É importante dizer que o PT não mudou nada. Agora está tentando a lista fechada e o financiamento oficial para aumentar ainda mais o poder de reprodução do poder incumbente. Até aqui, apenas usou a máquina montada pelo PSDB, que foi incapaz de operá-la no nível federal, ainda que a tenha utilizado com algum êxito nos níveis estadual e municipal.

É preciso reconhecer que por muito tempo, ainda, esse mecanismo de reprodução vai funcionar e que devemos tentar ajudar a superar seus estragos. Nossa situação econômica não é tão boa como quer o governo, mas não é tão ruim quanto quer a oposição. Não a oposição política, mas a dos analistas financeiros.

No campo fiscal é desconfortável, não pela situação presente, mas principalmente pelas complicações que poderão advir dos projetos em discussão no Congresso. No campo monetário, a taxa de inflação é preocupante, porque esconde alguns controles de preços, mas nada que não possa ser corrigido ou ameace uma perda do seu controle. No câmbio, o próprio mercado está amenizando os equívocos do governo.

É necessário dizer que o funcionamento do Congresso não é o caos que parece. Ele obedece a pelo menos três convenções: 1) não existe arrependimento. O voto dado não pode ser corrigido por informações posteriores; 2) um parlamentar nunca questiona outro sobre a natureza e qualidade do voto; e 3) a palavra empenhada pelos líderes nos acordos é sempre honrada. A violação dessa regra imobiliza as decisões. É por isso que o respeito mútuo entre o governo e o seu líder deve ser absoluto.

O fato importante é que, por iniciativa da própria presidente, tem havido progresso nas relações do governo com o setor privado, que devem continuar a garantir o sucesso das concessões de infraestrutura, que estimularão em dois ou três anos os investimentos e o crescimento econômico, com efeitos positivos sobre o espírito animal dos empresários.
Tão significativo quanto isso, é o Pacto de Responsabilidade Fiscal, assinado pelas principais lideranças do governo no Congresso para não pôr na pauta qualquer projeto que aumente despesa ou reduza receita, inclusive os que haviam sido propostos pelo governo. As lideranças partidárias e o governo devem ter presente que desrespeitá-lo pode ser um forte ingrediente para a redução do nosso rating soberano, com consequências imprevisíveis sobre o bem-estar dos brasileiros.
26 de novembro de 2013
Antônio Delfim Neto, Valor Econômico

Nenhum comentário:

Postar um comentário