"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 5 de outubro de 2013

UMA JANELA PARA A HISTÓRIA RECENTE

Asilados, exilados, refugiados. Pânico e pavor dos ditadores, pela ordem: guerrilheiros, Arraes, Brizola, Jango. Por que tantos foram torturados, assassinados, desaparecidos?






Muitos me escrevem, me telefonam, perguntam as diferenças entre as palavras e a explicação. Na verdade, a culpa é dos que pretendem informar à opinião pública e acabam provocando confusão maior. As palavras asilados e exilados são continuamente usadas por jornalistas, como se tivessem sentidos semelhantes ou até iguais.

Os primeiros asilados da República em 1889 foram os membros da família real. Todos foram expulsos e mandados viver no exterior. Pode até parecer cruel, não havia como mantê-los aqui.
(Quando a Rússia se transformou em União Soviética, com a vitória da Revolução em 17 de outubro de 1917, toda a família real foi assassinada. Menos crueldade e mais insegurança. Como os Romanoffs estavam no poder há 300 anos, e os soviéticos não conseguiam dominar um país daquele tamanho e totalmente dividido, optaram por essa forma).

No Brasil, além da família real, só houve um asilado: o primeiro-ministro Visconde de Ouro Preto, mas sem base política. O ex-primeiro-ministro e o marechal Floriano, poderoso vice-presidente e ministro da Guerra, estavam apaixonados pela mesma mulher, lindíssima.

O marechal asilou o Visconde, mas ela desprezou o Poder e foi para o exterior com o derrotado. Desespero duplo para o marechal. Não ganhou a mulher e perdeu a autoestima, que era fulgurante.

NOVO ASILO SÓ EM 1930

41 anos depois, o recurso foi utilizado, de forma surpreendente. Houve a eleição (da forma que havia na época, Vargas perdeu para o governador de São Paulo, Julio Prestes (de nenhum parentesco com o próprio). Não se pensou mais em revolução, até o assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa, sobrinho do ex-presidente Epitacio Pessoa, que derrotara Rui Barbosa em 1919.

A vitória da Revolução foi fácil em 3 de outubro. Vargas, que seria chefe do governo provisório, não pôde sair do Rio Grande do Sul, teve que ser nomeada uma “Junta Militar”‘. (Dois generais, Leite de Castro e Tasso Fragoso, um almirante, Silvio Noronha. Não havia brigadeiro, o Ministério da Aeronáutica só seria criado em 1941, com um civil, Salgado Filho. Que depois, candidato ao governo do Rio Grande, morreria num desastre de avião).
 
Getúlio chegou ao Distrito Federal no dia 24, e no mesmo dia assinou decreto asilando nos EUA o já ex-presidente Washington Luiz, fora do Poder. Asilou também um único ministro, Otavio Mangabeira, chanceler. O ex-presidente ficou nos EUA até 1945, Mangabeira veio antes, até se elegeu governador da Bahia. (Embora o grande Mangabeira tenha sido o irmão João, deputado socialista em 1945).
 
Sofrendo de problemas na garganta, superou tudo, se transformou num orador admirável e admirado. Joel Silveira, um dos maiores jornalistas, chegou da FEB (correspondente dos Diários Associados), foi dirigir a revista “O Mundo Ilustrado”, do Diário de Notícias. Fez entrevista com João Mangabeira e Domingos Velasco, também deputado. Como os dois confessaram que eram socialistas e católicos, Joel colocou no título: “Na esquerda, com Deus”. Notável.
 
Quando a revista saiu, foram almoçar no Hotel Serrador, em frente ao Palácio Monroe (Senado, criminosamente derrubado pelo general Geisel, que acreditava que era mesmo presidente). Gostaram da fidelidade da revista, mas riram muito do título. Bons tempos aqueles, jornalistas e políticos almoçavam juntos, e tranquilamente dividiam a conta.
 
O 9 DE JULHO DE 1932 EM SÃO PAULO
 
Em 1929, com a queda de Wall Street, São Paulo sofreu terrivelmente. Plantando e colhendo 92 por cento de todo o café bebido no mundo (outros dois por cento pelo Estado do Rio e mais dois pelo Espírito Santo), São Paulo entrou em crise. Em 1932, incentivado, insuflado e instigado pelo jornal “Estado de S. Paulo”, dirigido pelo doutor Julio de Mesquita Filha, fizeram o que entrou na História como a “Revolução Constitucionalista”.
 
As tropas “legalistas” liquidaram a “revolução” rapidamente. Vargas não esqueceu que se julgava “maquiavélico”, e agiu como se fosse. Nomeou interventor de São Paulo Armando Sales, genro do doutor Julio. Aceitaram como se não tivesse acontecido nada, mas Vargas não esqueceu.
 
O ESTADO NOVO DE 37 E A VINGANÇA DE VARGAS
 
No dia 10 de novembro, implantou o que chamou de Estado Novo (e o Barão de Itararé definiu, “o estado novo é o estado a que chegamos”), não esperou muito. No mesmo dia, mandou para o asilo em Portugal o próprio dono do “Estado de S. Paulo”. Ele não esquecia mesmo.
 
Com este decreto, asilou também em Portugal o ex-presidente Artur Bernardes. Ninguém entendeu e muito menos este repórter. Bernardes era extraordinário nacionalista. Como governador de Minas e depois presidente, fez tremenda campanha contra a Hana Minning, que tinha o monopólio do minério de Minas e do Brasil.
 
O presidente Bernardes voltou em 1945, com 80 anos, se elegeu deputado, para que o filho, também asilado, pudesse ser senador. Este repórter, praticamente com um quarto da idade dele, ficamos amicíssimos, conversávamos diariamente nos quase 8 meses da Constituinte.
 
Idem, idem, com Pedro Aleixo. Num de seus aniversários, que passou na Casa de Saúde São Vicente, só a mulher, o filho padre, a filha diretora da Biblioteca Nacional e eu. Depois se elegeu vice de Costa e Silva, este “incapacitado”, não pôde governar. Veio nova “Junta Militar”.
 
O FIM DA DITADURA DE 45 E A CURIOSA ELEIÇÃO, 33 DIAS DEPOIS
 
Esses dois fatos são rigorosamente históricos. Todos aqueles que ficaram 15 anos no Poder se candidataram. Não houve cassação nem inelegibilidade. E a legislação da época permitia que qualquer cidadão se candidatasse simultaneamente a deputado por seis estados, e a senador por um.
Vargas e Prestes fizeram a festa.
Eleitos deputados e senadores (Prestes, no então Distrito Federal, se elegeu ao mesmo tempo deputado e senador), tinham que optar, lógico escolheram o Senado.
 
Os comunistas, que elegeram 14 deputados, ficaram só até 1948. O Partido Comunista teve a legenda cassada, mas todos já estavam longe, ou aqui mesmo, no que eram mestres: a clandestinidade.
 
Vargas foi apenas duas vezes ao Senado, em 1950 se elegeu presidente. Uma gestão tumultuada, que terminou com seu historicamente genial suicídio. Nesse período só houve um exílio, o de Carlos Lacerda. Aconselhado por Afonso Arinos e Adauto Cardoso, se exilou na Embaixada de Cuba, numa casinha despretensiosa, na Avenida Copacabana.
 
O embaixador era admirador de Lacerda, a embaixatriz tinha ódio. Lacerda viajou para a Europa, voltaria no final do ano, retomaria o mandato de deputado.
 
ASILADOS E EXILADOS DO GOLPE DE 64, SURGIRAM OS REFUGIADOS
 
Como os golpistas começaram prendendo, torturando, matando e “desaparecendo”, alguns não tiveram tempo para nada, às vezes conseguiam atravessar a fronteira. Foi o caso de Jango e Brizola, que não podiam ficar no Brasil. Foram para o Uruguai.
 
Jango conseguiu ficar em Montevidéu. Brizola ficou algum tempo em Montevidéu, deu entrevista a um jornal, o governo dos generais exigiu a sua internação. Foi mandado então para uma cidadezinha a 60 km da capital, onde ficou até 1979, quando os generais-ditadores implantaram a “anistia”, que só servia a eles. E que o Supremo reconheceu e ratificou 20 anos depois.
 
O ACORDO COM ARRAES
 
Foi o primeiro a ser preso, no próprio dia 1º de abril. Com ele, Seixas Doria, também governador, de Sergipe. Foram mandados imediatamente para Fernando de Noronha. Que fora prisão política (com mais de 100 presos, alguns famosos), depois penitenciária. Nunca ninguém fugiu de lá, não havia embarcação, Natal e Recife, duas cidades muito distantes.
 
No início de junho apareceu um coronel (fardado), vindo num avião militar. Foi conversar com Arraes. O coronel não perdeu tempo, fez a proposta: “Eu tenho poder total para decidir. Se o senhor aceitar, sai daqui comigo agora, eu o deixo no Recife, o senhor tem uma semana para ir para onde quiser ou escolher, no exterior”.
 
Arraes aceitou na hora, lógico, nenhuma hesitação. No prazo marcado, sozinho, viajou para Paris. Mas não era seu destino. Já estava tudo acertado. Iria para a Argélia, dominada por um governo comunista, chefiado pelo “camarada” Boumediene. Em 1978, ele morreu de uma doença sanguínea, com suspeita de envenenamento. Arraes ficou até 1979, voltou e foi novamente governador, não deu para ser presidente.
 
MATARAM MUITOS, ASILARA POUCOS. SÓ EM 1968, EXILADOS.
 
Os que não se sentiam bem no Brasil iam embora, era só comprar a passagem e viajar. Os que eram da UNE da resistência (não a de hoje, governista) foram para o Chile, estavam ameaçados mesmo. Ficaram até 1973, houve o golpe também lá, tiveram que sair. Alguns já estavam nos EUA ou na Europa, fazendo cursos.
 
O regime foi endurecendo, veio o AI-5, ameaça geral. Existiam muitos presos, fizeram o sequestro genial do embaixador americano, os mesmos americanos que patrocinaram o golpe não tiveram dúvidas: deram ordens para os generais atenderem a tudo, imediatamente. Começando por ler na televisão o que os sequestradores mandaram. 19 foram soltos, sequestram o embaixador da Alemanha, liberdade para mais 39.
 
Diversos deputados foram cercados, perseguidos, ameaçados. Dois eram jornalistas, Marcio Moreira Alves e Hermano Alves, nenhum parentesco. Marcio levou mais de um mês procurando um lugar para sair do Brasil, as fronteiras, vigiadíssimas. Contou tudo, depois, num livro admirável.
 
Hermano, notável jornalista, viveu os últimos 20 anos em Portugal, onde morreu em 2010. Saiu da seguinte maneira. O senador Afonso Arinos, como chanceler, ficou muito amigo do então chanceler do México, naquele momento embaixador no Brasil.
 
Arinos ligou para ele, perguntou, “me convida para almoçar”. A resposta era sim. Arinos botou Hermano na mala do carro, seguiu para Botafogo, sede da embaixada, que estava cercada, como todas. Mas parar um carro oficial?
 
O embaixador foi esperar o senador na porta, dentro da embaixada. Arinos contou o que estava fazendo, o embaixador disse, “o senhor não podia fazer isso”. Chamou se motorista, falou, “guarde o carro do senador, dirija você mesmo”. Não demorou, os três estavam almoçando, Hermano uma semana depois viajando para a Europa.
 
Waldir Pires, Darcy Ribeiro e outros que trabalharam com Jango, entraram na embaixada da Iugoslávia, o governo não criou problemas, foram todos para a Europa. Samuel Wayner estava na embaixada do Chile (36 pessoas num quarto e sala), conseguiu sair depois de dois meses. Foi para Paris.
 
EXPLICAÇÕES FINAIS SOBRE ARRAES, JANGO, BRIZOLA, LACERDA

Arraes – Não tiveram complacência com ele. Tentaram apenas resolver um problema. Preso, não tinham certeza de mantê-lo vivo.
Solto, se transformaria em mártir ou ídolo. Separados pela distância, ficaram tranquilos.

Jango – Nenhuma preocupação. Lembravam do Jango ministro do Trabalho, derrubado por alguns desses generais (então coronéis) em 1952, porque dobrou o salário mínimo. Saiu, não protestou, não reagiu. Achavam que teria o mesmo comportamento. Acertaram.

Brizola – Era a grande preocupação, aqui ou no exterior. Foi vigiadíssimo durante 15 anos, sabiam que com ele não haveria diálogo possível. Nem tentaram.

Lacerda – Ficaram felizes por estar do lado deles. Só que o ex-governador não apoiou o golpe e sim a própria candidatura presidencial, obsessão dele e de Brizola. Em 1965, antes da “Frente Ampla”, insistiram que fosse embaixador na ONU. Queriam se livrar dele. Nem conversou.

LACERDA, UM PÉSSIMO ANALISTA

Depois da “Frente Ampla”, foi abandonado por todos, principalmente os militares que o adoravam, agora desprezavam. No AI-5 foi preso no dia 13, cassado e asilado no dia 30. No dia 2 de janeiro, viajou para a Europa, teve a consideração de ir se despedir de mim e de Mario Lago, ficamos muito mais tempo.

Lacerda era um péssimo analista. Quando queria deslindar um problema, era a mim que recorria. Quando sabia o que eu ia dizer, era de mim que ele fugia. Sofreu muito. Jamais imaginou que ficaria tão sozinho e abandonado. Antes de viajar, escreveu artigo extraordinário, com o título: “Carta a um ex-amigo fardado”.

Desesperado, apaixonado, até surpreendido, tentou um encontro de contas com ele mesmo e com os ex-amigos. Não conseguiu. Ficou quatro ou cinco nos na Europa, voltou, se refugiou na Nova Fronteira, editora que adorava. Mas não abandonou a obsessão da Presidência.

Escrevi várias vezes, “gostaria de ver Lacerda ou Brizola na presidência”. Dialoguei com os dois nesse sentido, não tive o menor sucesso. Brizola ainda foi candidato, Lacerda nem isso.

João Goulart acabou com o futuro dos dois e o presente dele mesmo. Jango, discípulo e protegido sempre por Vargas, estaria glorificado para todo o sempre, se tivesse tido o fim do mestre.

Jango praticou o maior erro de todos: suicídio político, se mantendo vivo. Jogou o país na tragédia ditatorial de 21 anos. E ele mesmo, naufragou no ostracismo, sem direito a reabilitação, até mesmo histórica.

05 de outubro de 2013
Hélio Fernandes

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