Há um temor difuso no país, o de que os evangélicos, com suas hostes que só crescem e que já constituíram uma bancada no Congresso, tomem, mais dia menos dia, conta do poder. Curioso observar que, não tendo conseguido registrar sua rede – nada de partido, gente fina é outra coisa – em tempo hábil para as eleições do ano que vem, todo mundo esquece que Marina da Silva é evangélica. Também se esquece que é comunista, nestes dias sem lógica em que se pode ser comunista e cristão ao mesmo tempo.
Marina parece também ter esquecido. Em entrevista à Veja da última semana de agosto de 2009, morena Marina evocava seu passado igrejeiro mas não disse nenhuma palavrinha sobre sua militância no Partido Revolucionário Comunista (PRC), ligado ao PT, sob o comando dessa figura impoluta da política nacional, o deputado José Genoíno. Como leio jornais todos os dias e jamais vi a moça renegar publicamente o marxismo, deduzo que marxista continua sendo.
O silêncio é boa estratégia. Por um lado, ostenta no currículo a adesão à doutrina dos amanhãs que cantam. Por outro lado, não a renegando, capitaliza a simpatia dos eventuais últimos camaradas que ainda restam.
Embora não aluda à sua militância no PRC – a palavra comunista virou palavrão – para bom entendedor a morena Marina deixa clara sua filiação ideológica: “Minha geração ajudou a redemocratizar o país porque tínhamos mantenedores de utopia. Gente como Chico Mendes, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, que sustentava nossos sonhos e servia de referência. Agora, aos 51 anos, quero fazer o que eles fizeram por mim. Quero ser mantenedora de utopias e mobilizar as pessoas”.
Com candidata que reivindica a influência desta gente, sai da frente. Após 30 anos de militância no PT, não encontrando espaço para suas ambições presidenciais, migrou para o PV. Mas sempre manteve suas simpatias pelo partido corrupto. Afinal, precisa de votos: “Os erros cometidos pelo PT foram graves, mas estão sendo corrigidos e investigados. Quando da criação do PT, eu idealizava uma agremiação perfeita. Hoje, sei que isso não existe. Minha decisão não foi motivada pelos tropeços morais do partido, mesmo porque eles foram cometidos por uma minoria”.
Seja como for, o PT não comete crimes. Apenas erros. Ou malfeitos, como diria Dona Dilma. Ou desvios, como gosta de dizer Tarso Genro ao referir-se ao comunismo.
Seu conceito de minoria é estranho. Os petistas todos estão afogados até o pescoço em suas falcatruas e no apoio a falcatruas alheias – vide a affaire Sarney – e a morena Marina fala em tropeços morais de uma minoria. Insiste em afirmar que não rompeu com o petismo. “De jeito nenhum. Tenho um sentimento que mistura gratidão e perda em relação ao PT. Sair do partido foi, para mim, um processo muito doloroso. Perdi quase três quilos”. Ora, se romper com a corrupção emagrece, desconfio que todo petista deve ter optado, como Lula, pela obesidade. Poder engorda.
Adelante! A ex-ministra do Meio Ambiente, que sempre opôs dificuldades à construção de hidrelétricas na Amazônia, particularmente as de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, afirmou então que não era bem assim: “No Brasil, quando a gente levanta algum "porém", já dizem que somos contra. Nunca me opus a nenhuma hidrelétrica. O que aconteceu naquele caso foi que eu disse que, antes de construir uma usina enorme no meio do rio, era preciso resolver o problema do mercúrio, de sedimentos, dos bagres, das populações locais e da malária”. Ou seja, o Brasil precisará encontrar rios sem peixes fluviais se quiser desenvolver-se.
Agora vem o melhor. De católica-marxista fervorosa, Marina morena migrou para a Assembléia de Deus. Interrogada sobre se é partidária do criacionismo, em oposição ao evolucionismo, saiu pela tangente, como sempre sai: “Eu creio que Deus criou todas as coisas como elas são, mas isso não significa que descreia da ciência. Não é necessário contrapor a ciência à religião. Há médicos, pesquisadores e cientistas que, apesar de todo o conhecimento científico, crêem em Deus”. Ora, a Inquisição foi mais coerente. Mandou Giordano Bruno para a fogueira e humilhou Galileu Galilei. Marina quer conciliar o que não é conciliável. Atribui sua migração da Igreja Católica para a Assembléia de Deus aos metais pesados.
“Para quem não tem fé, não há como compreender. Esse meu processo interior aconteceu em 1997, quando já fazia um ano e oito meses que eu não me levantava da cama, com diagnóstico de contaminação por metais pesados. Hoje, estou bem”. É mais uma dessas crentes curada por medicina de ponta que atribui sua cura ao deus bíblico.
Marina migrou de partido em partido sempre em busca de um alvo, a Presidência da República. Com os vinte milhões de votos do pleito passado, deixou-se picar pela mosca azul. Não tendo conseguido registrar seu instrumento particular de acesso ao poder, faz suspense e só neste sábado decidirá se opta por um partido já constituído. Se faz suspense, é porque ainda não largou o osso. Se não, já teria dito que não aceita partido algum.
E aí surge o problema. Se aceita, a tal de Rede perde seu carro-chefe. Sete partidos nanicos, querendo pôr a mão em seu potencial de votos, oferecem sua legenda. Claro que o E.T. de Xapuri só anuirá se for cabeça de chapa. Sabe muito bem que se não aceitar, terá uma longa travessia no deserto até 2018.
Aceitando, tem mídia garantida até as próximas eleições. De repente, não mais que de repente, alguma legenda vai trocar sua carta por um novo estilo em política, o evangelismo ecológico.
De comunista de carteirinha, Marina morena virou santa do dia para a noite. Dizia que a Rede de Sustentabilidade – estranho partido que se define com um heptassílabo indecifrável pelo eleitor comum – não tinha como finalidade sua candidatura. Neste sábado, veremos se é coerente ou hipócrita.
05 de outubro de 2013
janer cristaldo
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