Confesso ter minimizado, indevidamente, o alcance das aspirações presidenciais de Eduardo Campos. O governador de Pernambuco não é o candidato com mais chances em 2014, à primeira vista, mas no quadro atual desfruta de condições singulares que podem ser bastante favoráveis.
Vejamos. Campos é o único candidato que, provindo da base de governo, à qual ainda pertence, é capaz de conquistar votos na oposição. Neto de Miguel Arraes, o governador mais odiado pela direita golpista de 1964, tem boas credenciais no campo que vai da esquerda ao centro. E é presidente do PSB, que disputa com o PMDB o segundo lugar na aliança governamental; dependendo do critério, é um ou outro.
Também é quem melhor dialoga com a oposição. Sim, o PMDB pode flertar com ela, mas não dispõe, nem em Michel Temer, de um líder tão livre como Campos para dizer o que pensa. E o que ele pensa agrada a uma parte do eleitorado e dos potenciais financiadores do PSDB.
O governador de Pernambuco no 2º turno muda tudo
Se o PT lidera há bom quarto de século a centro-esquerda em nosso País, e desde 1989 é uma das duas forças principais na política brasileira, a liderança da centro-direita cabe, desde 1994, ao PSDB. Mas é essa liderança que agora entra em xeque. Ou seja, a centro-direita existe e continuará existindo. Disputará com o PT, no voto, a hegemonia política no País. Mas hoje sofre uma crise de liderança que, na verdade, é uma crise interna do PSDB, afetando a vasta faixa de opinião que ele tem representado.
Os conflitos entre Aécio Neves e José Serra pela candidatura à Presidência em 2014, intermináveis, são sinal disso. Podem resultar de ressentimentos, talvez do político paulista. Mas na verdade se trata de uma crise de destino do PSDB e de uma crise de representação da centro-direita.
Estas duas crises merecem tratamento à parte, o que faremos em artigo futuro. Mas, por ora, vamos à conjuntura que favorece Eduardo Campos.
Caso Serra deixe o PSDB para candidatar-se por outro partido, quase certamente selará sua derrota, mas também a de Aécio. Por derrota, aqui, não entendo perder, no segundo turno, para o PT. Entendo algo maior e pior: nem mesmo chegar ao segundo turno. Aqui crescem as chances de Campos, assim como as de Marina Silva.
Agora, o desentendimento interno ao PSDB - ou, se quiserem, a cisma de Serra se dispondo até mesmo a realizar um cisma dentro do partido - já basta para enfraquecer os tucanos, mesmo que Serra não saia. Consta que, na melhor das hipóteses para Aécio, que é sua indicação presidencial sem a saída de Serra, este último fará corpo mole na campanha. Isso é ruim em termos de imagem. Basta lembrar a recente eleição paulistana, em que Marta Suplicy, frustrada pelo dedaço de Lula no intento de concorrer à prefeitura, se afastou da campanha de Haddad, somente se integrando nela nas semanas finais e cruciais. Coincidência ou não, foi quando Haddad disparou para a vitória. Pois é. Um boicote interno à candidatura Aécio já faria muito mal. Mais uma vez, a conjuntura favorece Campos - e Marina.
E há mais uma perspectiva no horizonte. Será lamentável se uma força de opinião significativa como o Rede não puder concorrer em 2014. Mas, se o TSE puser paradeiro ao atraso dos cartórios eleitorais na verificação das assinaturas, o Rede não poderá culpar a ninguém por um eventual fracasso. Terá sido Marina que demorou mais de dois anos a se definir.
Aliás, mesmo que Marina concorra, a ausência de palanques nos Estados expõe sua aspiração a sérias dificuldades. Suas perspectivas de sucesso são as mais difíceis, hoje, de medir.
O que resultaria de um forfait da Rede ou do fracasso da candidatura de Marina Silva, somada a uma crise no PSDB? Aumentarão as chances para Eduardo Campos. Ele pode ganhar a preciosa indicação da segunda vaga (a primeira sendo do PT) para o turno final das presidenciais. Pode realizar o que é o sonho de Aécio, o discurso do político mineiro, que consiste em propor um governo pós-PT e não anti-PT. Também isso não é fácil, mas Campos não está marcado pelo ódio ao petismo, longe disso; e soube distanciar-se do PT não nos tempos de Lula, mas depois que ele deixou a presidência para uma sucessora sem o seu carisma. Mesmo a eleição no Recife, em 2012, que foi a segunda vitória de Campos sobre o antigo e ainda atual aliado (a primeira se deu em 2006), se deu no quadro de um enorme desgaste do então prefeito petista da capital pernambucana.
Um candidato que vem da centro-esquerda, comprometido com causas sociais, com fama de bom gestor, falando aos empresários e que permita vivermos uma campanha que atenue o clima de ódio que cresceu entre PSDB e PT: este o perfil que Campos construiu. Isso não basta para vencer mas, numa conjuntura em que a Rede não compareça e os tucanos se dividam, pode dar certo.
O cerne da coisa é: o que se está disputando?
Serra só pode disputar a Presidência. Estar no segundo turno não lhe basta.
Mas, para Aécio, Marina ou Eduardo Campos, ganhar um lugar no segundo turno já é uma grande vitória. Nas últimas três eleições, o segundo turno foi do PT e do PSDB. Agora, pela primeira vez, o lugar do PSDB está a perigo. Quem ganhar essa posição se consagra, mesmo perdendo na final do campeonato presidencial, como líder da oposição num talvez desgastado quarto mandato petista. Torna-se líder da centro-direita. E, com isso, muda os termos em que a nossa política está sendo jogada. Imaginem uma centro-direita cujo lema é o discurso sustentável. Ou que tenha em Eduardo Campos a expectativa de uma síntese entre o que é melhor do PT e o melhor do PSDB. Tudo muda.
26 de agosto de 2013
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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