Toda a atividade do semestre se deveu ao novo protagonismo do Congresso
Talvez seja a hora de tentar um olhar mais profundo sobre os propósitos da sua administração, muito prejudicada pela disfuncionalidade de seu "cérebro", a Casa Civil. Se o recém-empossado ministro, o ilustre general Luiz Eduardo Ramos, não atentar para esse fato, dificilmente cumprirá sua missão, apesar de possuir "a sabedoria de Salomão, a capacidade de articular e gerenciar de José do Egito e a força guerreira de David".
Bolsonaro obteve uma brilhante vitória eleitoral, mas seu partido conquistou apenas 10% das cadeiras da Câmara Federal. A montagem do governo ignorou um fato elementar: nas repúblicas democráticas, quando o presidente não elege uma maioria congressual, o natural é que ele a construa politicamente, dividindo o poder com outros partidos.
É preciso reconhecer que os seus ministros "técnicos" são, em geral, de boa qualidade e têm condições para ajudar o país a reencontrar um crescimento social e econômico robusto, mais equânime e sustentável. Por outro lado, as escolhas de ministros prisioneiros de preconceitos identitários serão um peso morto que continuarão a dificultar aquela caminhada.
Bolsonaro revela um "voluntarismo" para implementar ideias duvidosas, sistematicamente rejeitadas por pesquisas empíricas bem conduzidas. Mas o movimento paciente e cuidadosamente preparado para nomear o filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington, sugere que seu "voluntarismo" tem método, como mostra, aliás, o seu apoio ao fundamentalismo evangélico, que caminha para um paradoxo num país que a Constituição quer laico.
Numa recente manifestação evangélica no espaço físico do Congresso Nacional (o que em si mesmo, é um fato estranho), emergiu um predestinado! O ilustre ministro Onyx Lorenzoni afirmou, sem piscar, "entre nós está o escolhido, Jair Messias Bolsonaro, um homem simples". Pode ser uma verdade: ele foi escolhido por 58 milhões de votos (39% do total) de brasileiros desacorçoados com a prosopopeia petista desmontada pela Lava Jato.
Ou pode ser uma fake news, a não ser que Deus tenha confidenciado o fato diretamente a Onyx. Tudo sugere que Bolsonaro está se deixando seduzir pelo "complexo de Messias", criado pela esperta e competente "dialética evangélica" do deputado paulista Marco Feliciano, de olho na vice-presidência na reeleição de 2022.
Toda a atividade do semestre se deveu ao novo protagonismo do Congresso. Bolsonaro limitou-se a levar-lhes, sem convicção, a proposta da reforma da Previdência agora aprovada, mas, à socapa, trabalhou contra ela para proteger seus correligionários.
17 de julho de 2019
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil
Folha de SP
Talvez seja a hora de tentar um olhar mais profundo sobre os propósitos da sua administração, muito prejudicada pela disfuncionalidade de seu "cérebro", a Casa Civil. Se o recém-empossado ministro, o ilustre general Luiz Eduardo Ramos, não atentar para esse fato, dificilmente cumprirá sua missão, apesar de possuir "a sabedoria de Salomão, a capacidade de articular e gerenciar de José do Egito e a força guerreira de David".
Bolsonaro obteve uma brilhante vitória eleitoral, mas seu partido conquistou apenas 10% das cadeiras da Câmara Federal. A montagem do governo ignorou um fato elementar: nas repúblicas democráticas, quando o presidente não elege uma maioria congressual, o natural é que ele a construa politicamente, dividindo o poder com outros partidos.
É preciso reconhecer que os seus ministros "técnicos" são, em geral, de boa qualidade e têm condições para ajudar o país a reencontrar um crescimento social e econômico robusto, mais equânime e sustentável. Por outro lado, as escolhas de ministros prisioneiros de preconceitos identitários serão um peso morto que continuarão a dificultar aquela caminhada.
Bolsonaro revela um "voluntarismo" para implementar ideias duvidosas, sistematicamente rejeitadas por pesquisas empíricas bem conduzidas. Mas o movimento paciente e cuidadosamente preparado para nomear o filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington, sugere que seu "voluntarismo" tem método, como mostra, aliás, o seu apoio ao fundamentalismo evangélico, que caminha para um paradoxo num país que a Constituição quer laico.
Numa recente manifestação evangélica no espaço físico do Congresso Nacional (o que em si mesmo, é um fato estranho), emergiu um predestinado! O ilustre ministro Onyx Lorenzoni afirmou, sem piscar, "entre nós está o escolhido, Jair Messias Bolsonaro, um homem simples". Pode ser uma verdade: ele foi escolhido por 58 milhões de votos (39% do total) de brasileiros desacorçoados com a prosopopeia petista desmontada pela Lava Jato.
Ou pode ser uma fake news, a não ser que Deus tenha confidenciado o fato diretamente a Onyx. Tudo sugere que Bolsonaro está se deixando seduzir pelo "complexo de Messias", criado pela esperta e competente "dialética evangélica" do deputado paulista Marco Feliciano, de olho na vice-presidência na reeleição de 2022.
Toda a atividade do semestre se deveu ao novo protagonismo do Congresso. Bolsonaro limitou-se a levar-lhes, sem convicção, a proposta da reforma da Previdência agora aprovada, mas, à socapa, trabalhou contra ela para proteger seus correligionários.
17 de julho de 2019
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil
Folha de SP
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