"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

QUAL É MESMO A DIVERGÊNCIA?

Moto-perpétuo é a crença de que o gasto público se autofinancia

Eu e Marcos Lisboa temos travado interessante debate com Nelson Barbosa sobre a economia do moto-perpétuo.

Moto-perpétuo é a crença de alguns economistas heterodoxos brasileiros de que o gasto público se autofinancia: o crescimento promovido pelo impulso fiscal mais do que compensa o efeito do gasto sobre o endividamento. No frigir dos ovos, a dívida como proporção da economia se reduz.

Exemplo de crença no moto-perpétuo encontra-se no texto "O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009", de Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, publicado na revista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em junho de 2010.

Os autores sustentam que o impacto dos empréstimos do BNDES sobre o crescimento e a receita de impostos mais do que compensa o custo fiscal das ações do banco. Temos a versão BNDES do moto-perpétuo.

Em sua última resposta na Folha, de 17 de abril, terça-feira passada, Nelson Barbosa alega que nós o acusamos injustamente de defender a economia do moto-perpétuo. Não fomos nós que o acusamos.

Como apontamos no artigo que iniciou nossa conversa, na seção Tendências/Debates de 26 de março, Nelson, em coautoria com José António Pereira de Souza no texto "A inflexão do governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda", apontou que " (...) o eventual financiamento do investimento público por meio da emissão de dívida não seria necessariamente incompatível com a meta global de redução da relação dívida/PIB do setor público brasileiro, visto que tal investimento resultaria na elevação da própria taxa de crescimento do PIB".

A resposta de Nelson Barbosa nesta Folha em 17 de abril não tratou da economia do moto-perpétuo. Barbosa cita trabalhos que calculam que o impulso fiscal sobre o crescimento econômico é positivo, por vezes superior a 1 e, sob algumas circunstâncias, superior a 2. Qualquer estudante de introdução à economia conhece esse fato.

Nossa discussão não se refere ao impacto do impulso fiscal sobre o crescimento. Refere-se ao fato de o impulso fiscal ter impacto muito forte sobre o crescimento da economia e sobre a receita de impostos.

O impacto inicial da elevação do gasto público sobre a dívida seria mais do que compensado pelo crescimento da receita de impostos e da economia, de sorte que a dívida pública, como proporção da economia, reduzir-se-ia no fim do processo. Por isso a denominação de economia do moto-perpétuo. Nenhum dos trabalhos mencionados por Barbosa trata desse tema.

Em tempo: na primeira coluna dessa troca de ideias com Barbosa, citamos artigo de DeLong e Summers publicado no Brookings Paper on Economic Activity em 2012, que descreve uma condição para que ocorra o moto-perpétuo. Mesmo considerado um multiplicador fiscal na casa de 2,5, a economia brasileira nunca atendeu a essa condição.

Resta a Barbosa apresentar algum trabalho acadêmico que mostre que a condição do artigo de DeLong e Summers foi atendida no Brasil entre 2006 e 2010.

Passou despercebido o artigo "Notícias de Maracaibo", de Paula Ramón, publicado na piauí de março. O nível de decomposição do poder público venezuelano assusta.

A Venezuela não caminha em direção à ditadura cubana ou norte-coreana. Caminha em direção à desintegração e total desorganização do poder público; caminha na direção da Somália.


27 de abril de 2018
Samuel Pessoa, Folha de SP

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