Informações de delatores da Odebrecht sugerem que a empresa mudou a estratégia para repassar dinheiro a políticos entre 2010 e 2014, recorrendo a doações eleitorais declaradas à Justiça Eleitoral. Um dos 77 executivos que assinaram acordo de colaboração com a Operação Lava Jato, em dezembro, Claudio Melo Filho listou pagamentos no valor total de R$ 26,6 milhões via caixa dois em 2014. Quatro anos antes, o montante era de R$ 42,3 milhões (soma corrigida pela inflação até 2014).
Em compensação, quando fala de pagamentos por doação eleitoral, Melo Filho declara R$ 680 mil em 2010 (R$ 871 mil corrigidos) ante R$ 9,8 milhões em 2014.
O levantamento da Folha considera pagamentos citados por delações que vieram a público, quando estão discriminados o valor, o ano e como o dinheiro foi entregue.
Outros pagamentos delatados pela empreiteira ainda permanecem sob sigilo. Os acordos de colaboração ainda precisam da homologação do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
NOVO CAMINHO – Ainda em 2014, ano em que as doações da Odebrecht deram um salto, as primeiras investigações da Lava Jato já apontavam recursos eleitorais como caminho usado para pagamento de propina.
A operação foi deflagrada em março daquele ano. Ainda antes do pleito, foi instalada a CPI da Petrobras no Congresso, e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef fecharam as primeiras delações.
Em abril, um relatório da Polícia Federal sobre um documento achado na casa de Costa levantava a hipótese de que o esquema na Petrobras podia ter irrigado campanhas. “[Há] diversas anotações que indicam possíveis pagamentos para ‘candidatos’, podendo indicar financiamento de campanha”, diz o texto.
EM FORMA DE DOAÇÃO – Em novembro daquele ano, quando dirigentes de oito empreiteiras foram presos, o Ministério Público Federal indicou que a propina havia ganhado forma de doação. “Parte dessas doações pode representar pagamento de propina para agentes públicos para a obtenção de vantagem indevida, sendo as doações formais mera estratégia de lavagem de capitais”, disse a Procuradoria.
O aumento das doações oficiais apontadas por delatores é corroborado por dados do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual empresas do grupo doaram um total de R$ 15,7 milhões a candidatos, comitês de campanha e partidos em 2010 – equivalente a R$ 20 milhões pela inflação do período. Nas eleições de 2014, o valor sobe para R$ 88,9 milhões – um salto de 343%.
COINCIDÊNCIAS – Em sua delação, Melo Filho menciona ao menos 12 políticos beneficiados com caixa dois em 2010 que, ao solicitarem auxílio financeiro novamente na campanha de 2014, receberam por meio de doações oficiais. O ex-deputado federal Hugo Napoleão (PSD-PI) e o deputado federal Paulo Henrique Lustosa (PP-CE), receberam exatamente a mesma quantia nos dois anos, segundo Melo: R$ 100 mil cada um.
Em outras situações, o valor supostamente pago via caixa dois e por meio de doações é muito semelhante de um ano para o outro. É o caso do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), com R$ 300 mil em 2010 e R$ 280 mil em 2014, e do deputado federal Paes Landim (PTB-PI), R$ 100 mil e R$ 80 mil.
O ex-ministro Geddel Vieira Lima, por exemplo, aparece na delação como recebedor de R$ 1,5 milhão não declarados em 2010. Já em 2014, Melo Filho relata que a Odebrecht repassou a Geddel R$ 2,7 milhões – tudo registrado na Justiça.
Os políticos citados na delação têm negado irregularidades nas contas eleitorais.
CORRUPÇÃO – Apesar de declaradas à Justiça, doações feitas pela Odebrecht a candidatos ainda podem configurar crime de corrupção, afirma o advogado e professor de direito penal da USP Pierpaolo Bottini.
Segundo o especialista, se comprovado que o pagamento oficial foi feito por uma empresa em troca de uma ação específica do político ou partido – um contrato público ou uma proposta de lei- é corrupção, não importando se o repasse foi registrado ou não.
Ainda de acordo com o advogado, dependendo da situação, o pagamento registrado pode ser enquadrado também como lavagem de dinheiro. “Há o argumento de que a doação [legal] é uma tentativa de ocultar a corrupção”, completa.
PROIBIÇÃO LEGAL – Doações eleitorais feitas por empresas eram permitidas até antes das eleições municipais de 2016. A partir daí, somente pessoas físicas puderam contribuir. Foi uma tentativa de barrar a corrupção.
Em relação aos repasses de empresas, a separação entre mera doação e corrupção eleitoral é frágil. “A empresa podia doar para parlamentares que defendessem causas que são importantes para ela. Outra coisa é doar já tendo combinado com o político que ele vai apresentar uma emenda ou proposta de lei”, afirma Bottini.
DIFERENÇA TÊNUE – A delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Claudio Melo Filho, que detalha doações eleitorais feitas pela empresa, traz os dois tipos de situação.
“No ano de 2014, encaminhei à Odebrecht solicitações de agentes públicos (candidatos a deputados federais, distritais e estaduais, sendo que todos se elegeram) para pagamentos a pretexto de campanha, tendo a companhia os realizado de maneira oficial. Esses pagamentos, seguindo a linha do que era realizado nas demais campanhas eleitorais, tinham como premissa a expectativa de que o candidato, caso fosse vencedor das eleições, se dedicaria aos pleitos de interesse da empresa”, relata Melo Filho.
“Há situações em que a diferença é muito tênue e, no fundo, sempre vai acabar sendo uma questão de o que se prova e o que se não prova”, diz Bottini.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, a Odebrecht simplesmente “legalizou” as propinas. Se a doação é oficial, significa caixa 1, não é crime. Somente se não for comprovado o gasto de campanha é que se configura crime eleitoral, não dá cadeia, mas o felizardo perde o mandato e os direitos políticos (hipoteticamente, é claro, porque todos sabem como a Justiça brasileira é ágil e veloz). Ou seja, a impunidade está praticamente garantida. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, a Odebrecht simplesmente “legalizou” as propinas. Se a doação é oficial, significa caixa 1, não é crime. Somente se não for comprovado o gasto de campanha é que se configura crime eleitoral, não dá cadeia, mas o felizardo perde o mandato e os direitos políticos (hipoteticamente, é claro, porque todos sabem como a Justiça brasileira é ágil e veloz). Ou seja, a impunidade está praticamente garantida. (C.N.)
04 de janeiro de 2017
Carolina Linhares
Folha
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