"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 11 de dezembro de 2016

ALVOROÇO - MUNDO E BRASIL

Aumento dos graus de incerteza na política, na economia e na interação de ambas é assustador

“Não existe nada estável no mundo: o alvoroço é a nossa única música”, escreveu o poeta John Keats a seu irmão, em 1818. A frase faz sentido, a julgar pela experiência dos últimos 200 anos, e segue relevante, hoje, para o mundo e para o Brasil neste final do surpreendente ano de 2016. Afinal, não é todo ano que temos a eleição de um Trump, um Brexit, nacional-populismos e tiranias em ascensão no mundo e, no Brasil, o fim do ciclo do “projeto” petista.

O alvoroço (uproar no original inglês) não é a nossa única música (existem as boas), mas os graus de incerteza na política, na economia e, particularmente, na interação de ambas – nos âmbitos nacional, regional e global – vêm aumentando de forma assustadora. E não foi algo que aconteceu de repente, não mais que de repente. Não se trata apenas de um fenômeno cíclico, passageiro. Não existe esse tal de “novo normal” à frente, que alguns procuram – em vão – identificar. André Lara Resende está correto ao insistir na observação de que tanto no Brasil como no mundo “nunca a conjuntura foi tão pouco conjuntural”.

Segue um breve comentário sobre o contexto global e sobre o Brasil de hoje e os desafios à frente, em particular para o crucial biênio 2017-2018, no qual definiremos boa parte da próxima década.

Sobre o mundo: o rearranjo de placas tectônicas no início dos anos 1990, após a queda do Muro de Berlin, a reunificação alemã, o colapso do império soviético, a emergência da China como potência econômica, a decisão europeia de lançar o euro e os déficits externos crescentes dos EUA, permitiu que o mundo experimentasse o que Rogoff chamou de o mais longo, o mais intenso e o mais amplamente disseminado ciclo de expressão da história moderna, que se estendeu do início dos anos 90 até a crise de 2008-2009. Segundo o FMI, cerca de 600 milhões de pessoas se integraram à economia global como trabalhadores e consumidores urbanos entre 1990 e 2007. Desde então o mundo experimentou tanto as consequências da crise quanto das necessárias respostas a ela.

Mas os eleitores, em particular na Europa, vinham expressando insatisfação com o que consideravam relativa perda de soberania nacional, há muito, tanto em plebiscitos como em eleições regulares. Na raiz do problema, indivíduos sentindo-se inseguros, ameaçados, prejudicados ou mesmo já vitimados pelos efeitos sobre empregos domésticos, derivados de importações de bens e serviços, de imigrações e, não menos importante, com os efeitos da rapidez avassaladora das mudanças tecnológicas e da globalização sobre a demanda por mão de obra.

A frase de Keats que abre este artigo é uma das epígrafes de um belíssimo livro de Thomas K. McCraw:O Profeta da Inovação – Joseph Schumpeter e a Destruição Criativa. A destruição criadora era, segundo Schumpeter, o “elemento essencial” do funcionamento do que chamava de “a máquina capitalista”. Imbatível na geração de renda e riqueza, mas, como os ventos e as águas, sujeita a inconstâncias, instabilidades e disrupções, o que pode gerar – e gera – mal-estar e descontentes.

Tão ou mais importante, a máquina capitalista, se imbatível na geração de renda e riqueza, não o é na distribuição da renda e da riqueza, o que levou à intervenção de governos no processo e às hoje chamadas economias sociais de mercado, das quais existem inúmeras variedades, com os mais distintos graus de eficácia na tentativa de preservar a inovação e limitar os experimentos que se podem mostrar, como bem o sabemos, verdadeiras “criações destrutivas”, de emprego, renda, riqueza, crescimento – e de solvência fiscal.

O Brasil, sempre sujeito aos ventos do mundo, encontra-se hoje, como raras vezes em nossa História, num desses angustiantes momentos – definidores de sua trajetória futura. É obvio que não há soluções simples. E as que parecem sê-lo estão erradas, na economia como na política. Não haverá uma grande batalha que tudo definirá. Não há uma panaceia nem haverá um dia D. Não há um(a) salvador(a) da pátria, como o Brasil, espero, terá aprendido.

Mas é imperativo procurar acelerar o processo de ampliação do espaço das convergências possíveis. Para tal é preciso um sério esforço por evitar que a polarização atual se agrave com a intolerância daqueles que consideram qualquer interlocutor potencial ou como um cúmplice de suas ilusões, ou como um inimigo a ser abatido.

Concluo com meu comentário sobre uma observação de Jared Diamond. “Mesmo quando uma sociedade foi capaz de antecipar, perceber e tentar resolver um problema, ela pode ainda fracassar em fazê-lo, por óbvias razões possíveis: o problema pode estar além das suas capacidades; a solução pode existir, mas ser proibitivamente custosa: os esforços podem ser do tipo muito pouco e muito tarde, e algumas soluções tentadas podem agravar o problema.”

É verdade, mas, a meu ver, por mais difíceis que sejam, os problemas do Brasil não estão além de nossas capacidades, as soluções podem ter custos, mas com definição de prioridades eles podem ser mitigados, e não tornados proibitivos pela procrastinação e pelo too little too late. E por último, algumas soluções tentadas podem agravar o problema, como também o sabemos, mas é sempre possível aprender com a experiência e não incorrer em velhos erros, como no nosso passado recente.

Vem daí a minha esperançosa confiança no futuro. Por que há hoje, talvez devida à crise, maior consciência da natureza dos desafios a enfrentar. Na macroeconomia, em especial na área fiscal (nos três níveis de governo), na promoção do investimento privado em infraestrutura, nos setores de óleo, gás e energia elétrica, na fundamental área de educação, na previdência, na saúde, na busca de igualdade de oportunidades – e perante a lei. Mas alvoroço, algazarra e algaravia continuarão conosco – e com o mundo – pelos próximos anos.

Feliz Natal!


Pedro Malan, Estadão
Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

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