Felizmente, o país tem militantes da cultura que não fogem à missão de defender a quadrilha contra o golpe
Você achou que já tivesse visto tudo sobre esse fenômeno(a) da política brasileira, mas tem mais. Vem aí Dilma Rousseff, o filme. O projeto é simples e genial: enfiar no julgamento do impeachment todos os delinquentes petistas que roubaram o Brasil sem perder a ternura, e filmá-los gritando, chorando e esperneando. Não tem erro. Nada comove mais os brasileiros do que o sofrimento de um picareta do bem.
Felizmente, o país tem militantes da cultura que não fogem à missão de defender a quadrilha contra o golpe. É bonito ver a invasão do Senado pelos cineastas da revolução, enquanto Lula é indiciado pela polícia por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Democracia é isso, cada um escolhe a sua narrativa.
Dilma, o filme, não é em si uma novidade. Isso tudo já era um filme, e continuará sendo. Se não fosse, esse bando de notáveis que finge defender uma mulher de um golpe, para dar aquela retocada no verniz de esquerda, estaria exilado de vergonha no pré-sal. Sim, porque só num filme muito bem feito o espectador pode ver uma gangue de parasitas autoritários, ideologicamente filiados aos Maduros da vida, fazendo papel de heróis da resistência democrática.
Essa importante contribuição do cinema brasileiro para a formação do caráter nacional terá cenas fortes. A própria Dilma já deu a pista, comparando-se a Getúlio Vargas e João Goulart: ela explicou que só não a obrigaram a se matar, como fizeram com o companheiro Getúlio, porque hoje vivemos numa democracia. Ou seja: você vai entrar no cinema para assistir à história de uma lenda viva, sabendo que ela poderia ser uma lenda morta. Isso emociona.
Mas cuidado para não se engasgar com a pipoca: essa mesma democracia que salvou a vida de Dilma, a lenda, provavelmente tinha ido à esquina comprar cigarro quando se deu o golpe de estado. Porque ou você tem democracia, ou você tem golpe. Mas não tem problema: se ficar confuso na tela, é só dar uma legendada na lenda.
E aí se dá a maravilha: você que é um vaidoso, egoísta, sem saco para entender os problemas complexos do seu país e a fim apenas de dar aquela lustrada na imagem, ganha uma narrativa épica novinha em folha “contra a direita”. Getúlio, Jango e Dilma. Talvez valesse incluir a frase imortal do companheiro Delúbio no momento em que estourou o mensalão: “É uma conspiração da direita contra o governo popular”. O tempo mostrou que ele tinha razão, porque só uma conspiração muito eficiente seria capaz de levar tantos heróis progressistas para a cadeia por ladroagem.
Graças aos cineastas da revolução, a dicotomia entre esquerda e direita não será condenada à morte num front colegial no Facebook. Seria uma crueldade deixar Jair Bolsonaro e Jandira Feghali a sós com a criançada digital. Dilma, o filme, virá mostrar que você precisa decidir urgentemente se é contra ou a favor da Guerra do Vietnã. Não se omita.
A denúncia cinematográfica contra o golpe dos homens brancos, velhos, feios, recatados e do lar contra a vanguarda política representada por Dilma Rousseff é uma grande sacada. O vexame petista ameaçava a vida boa dos gigolôs da bondade. A falência do proselitismo coitado ameaçava criar uma multidão de párias ideológicos. Aí surgiu a ideia genial, que promete salvar todos os canastrões politicamente corretos fazendo, simplesmente, o mesmo de sempre: chorar.
As Olimpíadas confirmaram, com toda a eloquência das suas caras e bocas, que a verdadeira medalha de ouro no Brasil é a manha.
Um bom tira-teima talvez seja capaz de mostrar Neymar armando a expressão de bebê chorão ainda com sua bola derradeira balançando a rede da Alemanha. É impressionante a velocidade da transformação do gênio em bobo, em nome da brasilidade. Bernardinho não chorou. Mas esse é um chato que só pensa em trabalhar, construir, melhorar, e alimenta sua alma disso. Muito estranho. Capaz até de não se emocionar com o filme da Dilma.
Só no país da manha poderia brotar a coragem de se jogar na tela um bando de criminosos com sotaque de vítimas, em nome de um filão retórico. O truque é continuar chorando, porque aqui quem não chora, não mama — e quem chora mama o seu e o do vizinho, como comprova a literatura pornô da Lava-Jato.
A impressionante trilogia Getúlio-Jango-Dilma logo estará num cinema perto de você, e também numa sala de aula e num palanque eleitoral (que no caso são a mesma coisa). Os genéricos do PT já estão nas ruas para continuar transformando manha em votos. Chorando e mamando.
28 de agosto de 2016
Guilherme Fiuza, O Globo
Você achou que já tivesse visto tudo sobre esse fenômeno(a) da política brasileira, mas tem mais. Vem aí Dilma Rousseff, o filme. O projeto é simples e genial: enfiar no julgamento do impeachment todos os delinquentes petistas que roubaram o Brasil sem perder a ternura, e filmá-los gritando, chorando e esperneando. Não tem erro. Nada comove mais os brasileiros do que o sofrimento de um picareta do bem.
Felizmente, o país tem militantes da cultura que não fogem à missão de defender a quadrilha contra o golpe. É bonito ver a invasão do Senado pelos cineastas da revolução, enquanto Lula é indiciado pela polícia por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Democracia é isso, cada um escolhe a sua narrativa.
Dilma, o filme, não é em si uma novidade. Isso tudo já era um filme, e continuará sendo. Se não fosse, esse bando de notáveis que finge defender uma mulher de um golpe, para dar aquela retocada no verniz de esquerda, estaria exilado de vergonha no pré-sal. Sim, porque só num filme muito bem feito o espectador pode ver uma gangue de parasitas autoritários, ideologicamente filiados aos Maduros da vida, fazendo papel de heróis da resistência democrática.
Essa importante contribuição do cinema brasileiro para a formação do caráter nacional terá cenas fortes. A própria Dilma já deu a pista, comparando-se a Getúlio Vargas e João Goulart: ela explicou que só não a obrigaram a se matar, como fizeram com o companheiro Getúlio, porque hoje vivemos numa democracia. Ou seja: você vai entrar no cinema para assistir à história de uma lenda viva, sabendo que ela poderia ser uma lenda morta. Isso emociona.
Mas cuidado para não se engasgar com a pipoca: essa mesma democracia que salvou a vida de Dilma, a lenda, provavelmente tinha ido à esquina comprar cigarro quando se deu o golpe de estado. Porque ou você tem democracia, ou você tem golpe. Mas não tem problema: se ficar confuso na tela, é só dar uma legendada na lenda.
E aí se dá a maravilha: você que é um vaidoso, egoísta, sem saco para entender os problemas complexos do seu país e a fim apenas de dar aquela lustrada na imagem, ganha uma narrativa épica novinha em folha “contra a direita”. Getúlio, Jango e Dilma. Talvez valesse incluir a frase imortal do companheiro Delúbio no momento em que estourou o mensalão: “É uma conspiração da direita contra o governo popular”. O tempo mostrou que ele tinha razão, porque só uma conspiração muito eficiente seria capaz de levar tantos heróis progressistas para a cadeia por ladroagem.
Graças aos cineastas da revolução, a dicotomia entre esquerda e direita não será condenada à morte num front colegial no Facebook. Seria uma crueldade deixar Jair Bolsonaro e Jandira Feghali a sós com a criançada digital. Dilma, o filme, virá mostrar que você precisa decidir urgentemente se é contra ou a favor da Guerra do Vietnã. Não se omita.
A denúncia cinematográfica contra o golpe dos homens brancos, velhos, feios, recatados e do lar contra a vanguarda política representada por Dilma Rousseff é uma grande sacada. O vexame petista ameaçava a vida boa dos gigolôs da bondade. A falência do proselitismo coitado ameaçava criar uma multidão de párias ideológicos. Aí surgiu a ideia genial, que promete salvar todos os canastrões politicamente corretos fazendo, simplesmente, o mesmo de sempre: chorar.
As Olimpíadas confirmaram, com toda a eloquência das suas caras e bocas, que a verdadeira medalha de ouro no Brasil é a manha.
Um bom tira-teima talvez seja capaz de mostrar Neymar armando a expressão de bebê chorão ainda com sua bola derradeira balançando a rede da Alemanha. É impressionante a velocidade da transformação do gênio em bobo, em nome da brasilidade. Bernardinho não chorou. Mas esse é um chato que só pensa em trabalhar, construir, melhorar, e alimenta sua alma disso. Muito estranho. Capaz até de não se emocionar com o filme da Dilma.
Só no país da manha poderia brotar a coragem de se jogar na tela um bando de criminosos com sotaque de vítimas, em nome de um filão retórico. O truque é continuar chorando, porque aqui quem não chora, não mama — e quem chora mama o seu e o do vizinho, como comprova a literatura pornô da Lava-Jato.
A impressionante trilogia Getúlio-Jango-Dilma logo estará num cinema perto de você, e também numa sala de aula e num palanque eleitoral (que no caso são a mesma coisa). Os genéricos do PT já estão nas ruas para continuar transformando manha em votos. Chorando e mamando.
28 de agosto de 2016
Guilherme Fiuza, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário