Nelson Rodrigues todos os domingos ia ao estádio para ver os anjos e os demônios de sua devoção. Ele sempre pregou que o brasileiro precisa acabar com o complexo de vira-lata. Sob a visão de Nelson, nossa vitória sobre a Alemanha na Olimpíada teria sido celestial, porque ele elogiava muito qualquer vitória apertada e sofrida. Quando o Brasil ganhou de 1 x 0 o País de Gales, em Gotemburgo, na Suécia, rumo à primeira Copa, o genial cronista escreveu: “O povo queria que enviássemos uns seis ou sete. Eis a nossa tragédia – a pura e simples vitória não basta. Mas eu vos digo, aqui, foi a maior vitória brasileira”
Naquela época, Nelson Rodrigues criou a história sobre o complexo de vira-latas, que perdura até hoje:
“Temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.
Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Por que, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo.
Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. (…)
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. (Nelson Rodrigues, em “À sombra das chuteiras imortais”, pág. 55).
24 de agosto de 2016
Carmen Lins
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