Pega mal para um governante ser citado assim. Mas o presidente russo Boris Yeltsin também o fora. E na rede de televisão CNN protagonizara cena memorável dançando em um palco no centro de Moscou depois de ter bebido todas as vodcas possíveis.
DAÍ A LULA determinar a expulsão do país do correspondente do jornal, Larry Rother? Sinto muito, era exagero. E também um abominável ato de arbítrio. Foi isso o que ele ouviu dos poucos assessores com alguma gota de coragem para enfrentar seus costumeiros ataques de cólera - "exagero" Em público, ele vestia a fantasia do "Lulinha paz e amor" com a qual se elegera pela primeira vez.
UM DOS ASSESSORES, em reunião no gabinete presidencial do Palácio do Planalto, sacara de um exemplar da Constituição e apontara o artigo que garantia ao jornalista o direito de permanecer no Brasil. Então Lula cometeu a célebre frase que postei no meu blog no dia 12 de maio de 2004, poucas horas depois de ela ter sido pronunciada: "Foda-se a Constituição!"
NAQUELE DIA, mais de um deputado e senador discursaram no Congresso a propósito do que Lula dissera a respeito da Constituição, embora nenhum, por pudor ou receio de ferir o decoro, tenha reproduzido a frase ofensiva e grosseira. Diretores de jornais e revistas me telefonaram perguntando se eu estava seguro do que publicara. Nenhum ousou escrever sobre o episódio. Eram outros os tempos.
NOS TEMPOS das redes sociais, a imprensa não é mais reverente com os poderosos até porque perdeu o monopólio da informação. Algo que não se dê, a internet dá. Palavras e frases consideradas chulas antigamente foram assimiladas pela linguagem corrente. De resto, como ignorá-las quando saem da boca de homens públicos e têm a ver com fatos públicos relevantes? Foi o que aconteceu outra vez com Lula.
UM VÍDEO postado na internet deu conta do que ele disse em conversa com a presidente Dilma poucos minutos depois do fim do seu depoimento forçado à Lava-Jato na última sexta-feira. Lula disse: "Eles que enfiem no cu todo o processo." Referia-se, certamente, aos procuradores que o haviam interrogado. E ao processo que apura a roubalheira na Petrobras e a sua eventual culpa por ela.
A SAÍDA encontrada por Lula para sobreviver foi se declarar desde já candidato a presidente da República em 2018, correr assustado para o colo do PT, anunciar seu retorno às ruas e reconciliar-se com o discurso incendiário da época em que era inimigo das elites e a elas não se associara ainda, adotando apenas o que elas têm de pior. Dará certo? Difícil que dê. Seria preciso combinar antes com vários adversários.
COM A LAVA-JATO. Com a crise econômica que se anunciou no seu segundo governo. Com a sucessora eleita e reeleita, sem talento para administrar, sequer, uma loja de produtos baratos, quanto mais um país. Com o PT devastado pela corrupção e em queda acelerada no ranking dos partidos mais admirados. E com a maioria dos brasileiros que diz rejeitar a hipótese de votar nele, Lula, novamente.
SÓ HÁ UM RESPONSÁVEL pela tragédia política e pessoal que Lula enfrenta: ele mesmo. Lula está quase nu. E o que já se vê não é recomendável para eleitores com 16 anos ou mais.
10 de março de 2016
Ricardo Noblat, O Globo
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