Torna-se cada vez mais decepcionante a análise do estranho julgamento do rito do impeachment da presidente Dilma Rousseff, realizado dias 16 e 17 de dezembro pelo Supremo Tribunal Federal. Para um jornalista que há exatos 50 anos acompanha a política brasileira, é muito triste constatar que até mesmo a suprema corte apresente sintomas de podridão.
Em momentos de grave crise, já houve ocasiões em que os ministros do STF se curvaram diante dos detentores do poder, pois nem todos têm a coragem de um Adaucto Lúcio Cardoso e se despem da toga em pleno plenário, como protesto a arbitrariedades. Mas em situação de democracia plena, como a que estamos vivendo, jamais o Supremo mostrara tamanha servidão como agora, a ponto de descumprir uma das leis federais que regula exatamente o rito de seus julgamentos.
JULGAMENTO DO MÉRITO
Venham o que aconteceu no caso da ação do PCdoB, sobre o rito do impeachment, quando o Supremo, por unanimidade, ilegalmente transformou em julgamento do mérito uma simples sessão inicial para exame de liminares em medida cautelar.
Pela primeira, em democracia plena, se viu o Supremo desrespeitando uma lei federal. No caso, foi flagrantemente descumprida a Lei 9882/99, que regula a atuação do próprio STF no processamento de ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), como é justamente o caso do processo movido pelo PCdoB, que tramita como ADPF 378.
UM RELATOR RELAPSO
Conforme esclareceu um oportuno artigo de Moacir Pimentel, publicado nesta quinta-feira aqui na Tribuna da Internet, partiu do próprio ministro Edson Fachin a proposta de transformar em julgamento do mérito a sessão de simples exame de liminares. Quer dizer, nem mesmo o relator da ação se interessou em fazer cumprir a legislação federal específica que regulamenta esse tipo de tramitação no Supremo.
O pior foi a justificativa canhestra do decano Celso de Mello, que deveria dar exemplo de respeito à lei, mas fez exatamente o contrário, ao apoiar a proposta ilegal do relator e fazer a seguinte observação:
“Relembro que quando do julgamento da ADPF 144 ajuizada pela AMB, o pedido era de mera cautelar, mas o Tribunal o converteu em julgamento definitivo, uma vez que todos os sujeitos da relação processual intervieram com sustentações orais que denotaram exame em profundidade e não apenas cognição sumária (…) Como há pelo menos um precedente, ele autoriza a proposta do eminente ministro Fachin” – alegou espantosamente Celso Mello.
COMO PODEM ERRAR ASSIM?
É inacreditável que os juristas do Supremo consigam errar tanto assim. Por unanimidade dos presentes (apenas Gilmar Mendes se ausentara), nove ministros embarcaram nessa onda do decano. Ninguém argumentou que as duas ações são inteiramente diversas.
A ação da ADPF 144 foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que peticionava acerca de declarações de inelegibilidades. O mais importante é que, no caso, todas as liminares pedidas foram rejeitadas por unanimidade.
O caso da ADPF 378, foi totalmente diverso: houve liminares concedidas integralmente, outras parcialmente, e algumas denegadas, a unanimidade ficou longe de ser atingida, ocorreu votação até de 6 a 5, que hipoteticamente permitiria embargos infringentes.
Além do requerente (PCdoB) e das partes interessadas (a presidente da República e o Congresso Nacional), apresentaram-se à lide muitas outras partes, a saber: o PSDB, o DEM, o PT, o PSOL, o PSB, o Solidariedade, a Rede, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e o PP, o que demonstra a extraordinária importância da questão, que se relaciona diretamente com o impeachment da presidente da República.
DIFERENÇA COLOSSAL
Qualquer estudante de Direito perceberia esta colossal diferença entre os dois processos. Um com todas as liminares rejeitadas por unanimidade; o outro, eivado de dúvidas e de interpretações altamente questionáveis. Como dar idêntico procedimento a causas tão diferentes?
Portanto, o fato de transformar em julgamento de mérito uma controvertida sessão de liminares representa um erro judiciário que tem de ser revisto, para que a ADPF 378 siga seu caminho judicial, previsto na Lei 9882/99, recebendo as manifestações das 12 partes e da Procuradoria Geral da República, em seguida o parecer definitivo do relator e depois o ansiado julgamento do mérito.
Enquanto isso não acontece, a presidente finge governar e o país vai se derretendo.
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