A história da perversidade das nossas elites precisa ser recontada desde o fim! Dois debates evidenciam o solene desprezo que supostos procuradores da democracia têm pelo povo. Refiro-me ao fechamento do tráfego da Avenida Paulista aos domingos e à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Começo pelo último. Quando um parlamentar favorável à emenda lembrava que, segundo o Datafolha, 87% dos entrevistados se dizem favoráveis à redução da maioridade, deputados de esquerda tomavam a palavra para vituperar contra o que muitos chamavam de "senso comum". Entenda-se. Para eles, o povo é estúpido, não sabe o que é melhor para si e precisa de um ente de razão para orientá-lo. É a herança marxista vagabunda que sobrou no verbo frouxo dos que nunca leram Marx. Alguns nunca leram. Ponto. Intransitivamente.
Sabem como é... O populacho está tomado pela falsa consciência e precisa da razão iluminista do partido. E pensar que essa gente estava, até anteontem, pedindo Constituinte exclusiva para a reforma política e aprovação das emendas em plebiscito. Mas como? Segundo eles mesmos, os votantes não sabem o que é melhor para si, já que seriam a expressão do vulgo e do senso comum.
Os argumentos contra a redução da maioridade constituem uma das maiores coleções de falácias lógicas e mentiras reunidas sobre um só tema. Mas eu entendo o fundo psicológico e histórico que faz um esquerdista se solidarizar sempre com o algoz, nunca com a vítima. A humanidade será sempre um projeto para os (re)engenheiros de gente. Fascistas!
Esse debate é a cara de um PT que se divorciou do país. E olhem que nem me refiro àqueles companheiros que deveriam compor o núcleo da Papuda. Falo é da legenda que passou a ser, quem diria?, demofóbica e que substituiu o velho anseio de ser um "partido socialista e de massas" pela determinação de ser uma falange de socialites de capacete.
Ou não é essa a escolha de um Fernando Haddad quando estimula o fechamento da Paulista aos domingos? Como lembrou a jornalista Lúcia Boldrini, num excelente texto no Facebook, "a Paulista não é um fim em si mesma". E ela indaga: "Que fetiche é esse com a Paulista? Como assim 'tomar' a Paulista? Quem vai tomar de quem? Quando foi que ela virou a Stalingrado do thomaspikettysmo leblonista?".
Então os bacanas, que decidiram ter chegado a hora de abrir mão de seus respectivos carros, em nome de ideias supostamente generosas de civilização, concluíram que também é o momento de forçar os que não os têm a abrir mão dos seus ônibus? Ou, para reproduzir uma vez mais as considerações de Lúcia: "Acabar com os ônibus na Paulista aos domingos é obrigar as pessoas a fazer mais baldeações ou a andar mais para alcançar as estações de metrô. É tomar o tempo delas, é inviabilizar o passeio ou dificultar o acesso ao trabalho, justo num domingo. É impor sofrimento e restrição aos invisíveis por um fetiche".
Sim, é sobre os invisíveis que falo aqui. Para desespero do PT e de Luiz Inácio "Walking Dead" da Silva, eles começaram a falar, a se manifestar, a reivindicar, a dizer o que pensam nas pesquisas de opinião. A sociedade da militância, dos que se querem diferentes falando em nome dos iguais, chegou à esclerose.
O "thomaspikettysmo" é frescura e "malaise" da abastança. E não nos representa. Isso ficará claro nas eleições. Ou antes, segundo os rigores da lei.
03 de julho de 2015
Reinaldo Azevedo, Folha de S.Paulo
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