Contexto
Naquele 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello se tornou o primeiro presidente brasileiro eleito por voto direto em quase três décadas. Mesmo assim, o termo “impeachment” não findou numa palavra temida pela imprensa. Além de discussões sobre o impedimento de um ou outro político menos relevante, discutia-se bastante a possibilidade de queda de Erundina, prefeita de São Paulo, e Brizola, governador do Rio de Janeiro – eleito um ano depois.
Vasculhando o acervo da Folha de São Paulo, descobre-se que a possibilidade de interrupção do mandato de Collor surge primeiro com uma primeira derrota no STF já em junho de 1990. Após o esmagador 9×0, o ministro Celso de Mello, relator do caso, alerta que a “reedição de medidas rejeitadas” deveria ser entendida como crime de responsabilidade, o que poderia justificar uma abertura de processo.
Mas é só – ou “já”, uma vez que havia se passado apenas 18 meses de governo Collor – em setembro de 1991 que o assunto ganha força. Exatos dez anos antes da queda do World Trade Center, Jânio de Freitas comenta em coluna que a ideia já seria “audível” em Brasília. E é num debate na Folha de São Paulo que Aloizio Mercadante deixa a entender que o “o impeachment de Collor” estava na mira do PT.
- Celso de Mello alerta Collor
- Janio de Freitas cita murmúrios
- Mercadante debate com FHC
De 29 de setembro de 1991 a 29 de setembro de 1992
Um ano antes de Collor ser derrotado na câmara dos deputados, Mercadante ouve de FHC que a ideia de derrubar o presidente soaria um golpe nas instituições democráticas. Mas o então presidente comete um erro que sairia caro. E, dois dias depois, responde à provocação enraizando o assunto na pauta. Com o debate em curso, a Folha voltaria a citar o termo “impeachment” 32 vezes naquele outubro.
Começa ali um período de 366 dias em que Collor, que tão alto apostara e se dera bem na campanha, passa a colecionar derrotas consecutivas. Em 31 de julho de 1992, afirma que só sai do Planalto morto. Em 14 de agosto, pede para que os brasileiros vistam verde e amarelo apoiando-o. No dia seguinte, os cariocas vão às ruas de preto. No dia 19, o presidente ofereceum bilhão de dólares aos congressistas de forma a aliviarem a investigação já em curso. Três dias depois, decide ir à TV pedir para não ser deixado só. Numa última cartada, apela ao STF, mas em 24 de setembro descobre que os votos que decidirão seu destino serão abertos e transmitidos pela TV.
- Collor morde a isca
- Collor diz que só sai morto
- Collor pede que usem verde e amarelo
- Pessoas vestem luto
- Collor tenta comprar a absolvição
- Collor decide fazer pronunciamento na TV
- Impeachment será votado às claras
As semelhanças com 2015
Revirar o baú da Folha naquele período é estranhar já ter lido algo parecido no noticiário recente. Além da acusação de “golpe”, surge também, como alternativa ao impeachment – ou ainda como saída mais saudável – a volta do parlamentarismo. A fala de Aloysio Nunes em 4 de outubro de 1991 em muito lembra a sua recente postura sobre o impedimento de Dilma Rousseff. E uma pesquisa aponta Lula, a exemplo de Aécio (candidato derrotado no segundo turno na eleição anterior), à frente na corrida presidencial àquela altura do campeonato. Até a aversão aos militares é lembrada em algumas manchetes. Mas a primeira voz jurídica a favor do processo não é Ives Gandra, e, sim, Celso Bandeira de Mello.
- Parlamentarismo logo é cogitado
- Logo chamam de golpe
- Aloysio chama a ideia de loucura
- Gandra defende o parlamentarismo
- Impeachment não e golpe
- Bandeira de Mello defende o impeachment
- Lula surge como líder na corrida presidencial
E as diferenças
Contudo, chama muito mais atenção as diferenças do que ocorreu no período. A começar pela postura da própria Folha de São Paulo. Se hoje é tão cautelosa ao encarar a pauta, já dedicava um editorial ao tema em 08 de outubro de 1991. O mesmo serve para outras entidades e intelectuais que hoje fecham a cara para este debate.
A OAB o discute no mesmo outubro de 1991. A CUT se organiza em novembro, o mesmo mês em que Lula, principal nome da oposição, deixa bem claro o posicionamento a favor. A CNBB exige punição aos culpados, enquanto a classe artística, inspirada na postura de Jô Soares, convoca os próprios protestos em agosto de 1992.
Nomes que hoje compõem a tropa ministerial de Dilma logo cedo se posicionaram. O atual ministro da educação, por exemplo, deixou bem claro sua intenção ainda em outubro de 1991. Em junho de 1992, a maioria dos parlamentares parece estar em cima do muro. Mas a Folha dá como possível a vitória no final de agosto.
- Folha trata do assunto em editorial
- O medo da volta dos militares também é explorado
- Atual ministro da educação defendia o impeachment
- OAB debate impeachment
- CUT pede o impeachment de Collor
- Lula pede o impeachment
- Maioria dos parlamentares estava em cima do muro
- OAB organiza pedido de impeachment
- A Globo se comportava de maneira estranha
- CNBB exige punição aos culpados
- Artistas se inspiram em Jô pelo impeachment
- Folha já contabiliza vitória para o impeachment
Políticos se convenciam aos poucos
Logo cedo, no PMDB, Requião e Quércia ecoam a postura do PT. O jogo até começa a mudar após a capa da Veja com Pedro Collor. Mas os principais líderes só começam a descer do muro depois que Renan Calheiros se volta contra o conterrâneo na CPI. Um mês depois, a oposição já estaria projetando o que seria um governo Itamar. Brizola, temeroso de um impeachment no Rio, só cede à ideia em 21 de agosto, depois de Sarney e antes de FHC. A gota d’água é o abandono do PFL, até então um ferrenho defensor do mandato em curso.
- Quércia não descarta impeachment de Collor
- Renan Calheiro denuncia Collor
- Itamar nega a crise
- Mudança de Renan tira alguns de cima do muro
- Michel Temer dá dicas a Collor sobre impeachment
- Oposição já preparava o governo Itamar
- Itamar traça uma estratégia
- Brizola ainda defende Collor
- FHC segue em cima do muro
- Ulysses seguia cético
- Sarney pede impeachment
- Alguns políticos mudam de lado
- FHC finalmente sai de cima do muro
- PFL larga Collor sozinho
Mas e o povo?
Já se discutia o impeachment de Collor há quase 10 meses quando a oposição se tocou que não tinha o devido apoio popular. Em 26 de maio de 1992, apenas 43% dos brasileiros defendem o impedimento do presidente. Em julho, 53% dos eleitores se dizem a favor, assim como 62% dos parlamentares. Só em 06 de agosto, PMDB, PSDB e PT decidem convocar protestos e trabalhar uma maior adesão nas ruas.
A tática surte efeito. Ao final do mês, 70% dos cidadãos concordam com a queda do Presidente. Quando ela de fato vem, oito em cada 10 brasileiros a aprovam.
- Apenas 43% queriam o impeachment
- Sobe para 53% a aprovação do impeachment
- 62% dos deputados se dizem a favor do impeachment
- A oposição se toca que precisará de gente na rua
- Sobre para 70% o apoio ao impeachment
- Aprovação do impeachment chega a 84%
- 80% aprovavam o impeachment
E os protestos?
Ao contrário do que se acredita, não foi o povo quem exigiu atitudes de seus representantes. Foram as entidades políticas que buscaram referendar junto à opinião pública a vontade interna de mudar o comando do país. Tanto que os primeiros protestos ocorrem tarde e sem qualquer encanto. Já era julho de 1992 quando 400 pessoas tomam a iniciativa de ir às ruas reclamar as denúncias de Pedro Collor e Renan Calheiros. Na primeira semana de agosto, o PT se esforça, mas só consegue reunir 10 mil militantes nas quatro principais capitais do país.
A coisa começa a mudar quando Collor, em 14 de agosto, convoca o exército verde e amarelo. No dia 15, já são 10 mil marchando de preto no Rio de Janeiro. Em 16 de agosto, por volta de 50 mil se mobilizam em alguns grandes centros.
A grande data, no entanto, ao contrário do que hoje se noticia, é 25 de agosto de 1992. É quando meio milhão de brasileiros protesta em 31 cidades pela queda do presidente da república. Depois deste dia, Collor perde quase todo o apoio que ainda restava.
- Finalmente um primeiro protesto: 400 pessoas.
- PT leva apenas 10 mil às ruas em 4 capitais
- São Paulo leva 10 mil à Praça da Sé
- Movimento estudantil leva 10 mil às ruas de São Paulo
- Maior protesto conta com 10 mil pessoas
- No RJ, pessoas protestam de luto
- Finalmente a população adere aos protestos
- Meio milhão vão às ruas em 31 cidades
- O Brasil conhece Lindbergh Farias
Queda de Collor vira questão de tempo
Após um hiato entre janeiro e abril de 1992, o assunto impeachment voltou com tudo no que Pedro Collor surge na capa da Veja. Dois meses depois, parlamentares diziam ter as provas necessárias para incriminar o presidente. O povo só entra na equação em agosto, referendando todos os esforços da CPI em curso.
Com 930 dias de mandato, o primeiro presidente eleito com voto direto em 29 anos sofre, na câmara dos deputados, uma derrota incontestável. Eram esperados 396 votos, mas o placar fecha em 441 a 33 para a felicidade de meio milhão de brasileiros que foram às ruas acompanhar a votação. No dia seguinte, a bolsa de valores reage positivamente. O vice presidente assume interinamente até dezembro daquele mesmo ano, quando Collor renuncia e o senado cassa-lhe o mandato e os direitos políticos por 8 anos.
- Surgem as denúncias de Pedro e Reale Jr já direciona o impeachment
- Já há provas contra PC
- CPI pede o impeachment
- Collor tinha 930 dias de mandato quando cai
- Folha esperava 396 votos
- Bolsa sobe.
- Meio milhão estavam nas ruas comemorando
Inspiração
No restante daquele mandato, o Brasil retomaria o crescimento, recriaria os empregos perdidos, renegociaria a dívida externa e dominaria a até então incontrolável hiperinflação. Mas tudo isso só foi possível porque a nação como um todo tomou uma decisão de coragem, que era a de tirar do comando um corrupto que apenas servia para desencorajar qualquer aproximação de pessoas bem intencionadas.
No 30 de setembro de 1992, a Folha de São Paulo não teve medo de chamar aquela de “vitória da democracia”. No que estava corretíssima. Falta hoje em dia, no entanto, a mesma coragem que sobrou décadas atrás não só à imprensa, mas a toda a massa formadora de opinião. Isso precisa ser mudado. E o próximo 16 de agosto pode ser crucial, a exemplo do ocorrido há 23 anos.
29 de julho de 2015
Marlos Ápyus, in implicante



































































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