Raras vezes mencionei o nome desse cascateiro francês, Thomas Piketty, que se pretende o Marx contemporâneo. Seu livro O capital no século XXI, que lhe rendeu uma boa fortuna, apenas repete a velha cantilena socialista contra a "desigualdade", sempre de olho no capital alheio. Fez bem o professor João Carlos Espada, de Portugal (visitado agora por Piketty), em lembrar, contra essa ladainha de ressentidos que se consideram conhecedores dos "rumos da História" (finalismo velho e barato na filosofia hegeliano-marxista), o saudoso Winston Churchill: o melhor instrumento de geração de riqueza e de combate à pobreza é a liberdade:
A visita de Thomas Piketty a Lisboa, na passada segunda-feira, produziu um curioso impacto político. Não é todos os dias que um académico, convidado por uma instituição cultural independente, aceita avistar-se com um candidato a primeiro-ministro e com um candidato a presidente da república, ambos da mesma área política. Como observaram vários analistas, não é seguro que esta politização tenha valorizado o argumento intelectual de Piketty.
Outro elemento curioso desta visita foi a aceitação quase unânime entre nós do alegado problema colocado por Piketty: o problema da desigualdade de resultados nas economias ditas capitalistas.
Toda a gente parece concordar com a asserção de que existe à partida um problema na desigualdade de resultados (a qual deve ser distinguida da pobreza e da exclusão social). Por essa razão de partida, o problema seria ainda maior se a desigualdade de resultados estivesse a aumentar (o que, aliás, não está comprovado).
Peço autorização para duvidar (e espero que, dado que ainda não entrámos em campanha eleitoral, a autorização me seja concedida, sem visto prévio de uma comissão central): não me parece evidente que a desigualdade de resultados seja em si mesma um problema — a menos que a liberdade seja percepcionada em si mesma como um problema.
Com efeito, se partirmos de uma presunção favorável à liberdade, seguir-se-á que todos os indivíduos devem ser igualmente livres perante a lei — isto é, em princípio livres, desde que não violem a lei. Indivíduos igualmente livres vão poder agir diferentemente. Das suas diferentes acções resultarão diferentes resultados. Logo, da igual liberdade perante a lei resulta a desigualdade de resultados.
Pelo contrário, se partirmos de uma presunção favorável à igualdade de resultados, seguir-se-á que os indivíduos não podem, em princípio, ser igualmente livres perante a lei. Eles só poderão ser livres de escolher acções que uma autoridade central previamente possa autorizar — com base na previsão de que essas acções não vão produzir resultados desiguais. E, caso alguma acção previamente autorizada tenha produzido uma desigualdade, o resultado dessa acção autorizada deve ser anulada para restaurar a igualdade (talvez através de um severo imposto ou, quem sabe, de uma “nacionalização”).
Estas duas perspectivas estão subjacentes ao choque fundamental entre as sociedades livres, também chamadas capitalistas, e as sociedades comandadas (comunistas, ou fascistas, ou, em grau menor, de “condicionamento industrial” do Doutor Salazar ou do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal). Nas sociedades livres, tudo é permitido, a menos que seja explicitamente proibido pela lei geral. Nas sociedades comandadas, tudo é proibido, a menos que seja expressamente permitido por uma prévia autorização particular.
Muitos autores observaram este choque entre “a sociedade aberta e os seus inimigos”, desde a Grécia antiga até aos nossos dias. Mas foi talvez David Hume quem melhor captou os resultados da preferência pela igualdade em detrimento da liberdade: a pobreza e o despotismo. Disse ele, em 1777:
“Por mais igual que se torne a distribuição da riqueza, os diferentes graus de arte, interesse e indústria dos homens destruirão imediatamente essa igualdade. Ou, se controlarmos essas virtudes, reduziremos a sociedade à mais extrema indigência; e, em vez de evitarmos a necessidade e a penúria em alguns indivíduos, torná-las-emos inevitáveis para toda a comunidade. Será necessária também a mais rigorosa inquirição para detectar todas as desigualdades assim que elas surjam, bem como a mais severa jurisdição para as punir e corrigir.”
Por outras palavras, os povos que preferem a igualdade à liberdade vão produzir mais pobreza. Perante a pobreza, vão exigir ainda mais igualdade. E obterão mais pobreza. Quando descobrirem que outros povos estão a produzir riqueza, exigirão que a igualdade seja estendida a esses povos (talvez através de um “imposto global”). Obviamente, se isso fosse aceite pelos outros, todos ficariam mais pobres — mas seguramente também mais iguais, na pobreza.
Em tudo isto, como repetiu Winston Churchill, apenas fica esquecido que o mais efectivo instrumento de geração de riqueza e de combate à pobreza é a liberdade. (Público).
04 de maio de 2015
in orlando tambosi
A visita de Thomas Piketty a Lisboa, na passada segunda-feira, produziu um curioso impacto político. Não é todos os dias que um académico, convidado por uma instituição cultural independente, aceita avistar-se com um candidato a primeiro-ministro e com um candidato a presidente da república, ambos da mesma área política. Como observaram vários analistas, não é seguro que esta politização tenha valorizado o argumento intelectual de Piketty.
Outro elemento curioso desta visita foi a aceitação quase unânime entre nós do alegado problema colocado por Piketty: o problema da desigualdade de resultados nas economias ditas capitalistas.
Toda a gente parece concordar com a asserção de que existe à partida um problema na desigualdade de resultados (a qual deve ser distinguida da pobreza e da exclusão social). Por essa razão de partida, o problema seria ainda maior se a desigualdade de resultados estivesse a aumentar (o que, aliás, não está comprovado).
Peço autorização para duvidar (e espero que, dado que ainda não entrámos em campanha eleitoral, a autorização me seja concedida, sem visto prévio de uma comissão central): não me parece evidente que a desigualdade de resultados seja em si mesma um problema — a menos que a liberdade seja percepcionada em si mesma como um problema.
Com efeito, se partirmos de uma presunção favorável à liberdade, seguir-se-á que todos os indivíduos devem ser igualmente livres perante a lei — isto é, em princípio livres, desde que não violem a lei. Indivíduos igualmente livres vão poder agir diferentemente. Das suas diferentes acções resultarão diferentes resultados. Logo, da igual liberdade perante a lei resulta a desigualdade de resultados.
Pelo contrário, se partirmos de uma presunção favorável à igualdade de resultados, seguir-se-á que os indivíduos não podem, em princípio, ser igualmente livres perante a lei. Eles só poderão ser livres de escolher acções que uma autoridade central previamente possa autorizar — com base na previsão de que essas acções não vão produzir resultados desiguais. E, caso alguma acção previamente autorizada tenha produzido uma desigualdade, o resultado dessa acção autorizada deve ser anulada para restaurar a igualdade (talvez através de um severo imposto ou, quem sabe, de uma “nacionalização”).
Estas duas perspectivas estão subjacentes ao choque fundamental entre as sociedades livres, também chamadas capitalistas, e as sociedades comandadas (comunistas, ou fascistas, ou, em grau menor, de “condicionamento industrial” do Doutor Salazar ou do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal). Nas sociedades livres, tudo é permitido, a menos que seja explicitamente proibido pela lei geral. Nas sociedades comandadas, tudo é proibido, a menos que seja expressamente permitido por uma prévia autorização particular.
Muitos autores observaram este choque entre “a sociedade aberta e os seus inimigos”, desde a Grécia antiga até aos nossos dias. Mas foi talvez David Hume quem melhor captou os resultados da preferência pela igualdade em detrimento da liberdade: a pobreza e o despotismo. Disse ele, em 1777:
“Por mais igual que se torne a distribuição da riqueza, os diferentes graus de arte, interesse e indústria dos homens destruirão imediatamente essa igualdade. Ou, se controlarmos essas virtudes, reduziremos a sociedade à mais extrema indigência; e, em vez de evitarmos a necessidade e a penúria em alguns indivíduos, torná-las-emos inevitáveis para toda a comunidade. Será necessária também a mais rigorosa inquirição para detectar todas as desigualdades assim que elas surjam, bem como a mais severa jurisdição para as punir e corrigir.”
Por outras palavras, os povos que preferem a igualdade à liberdade vão produzir mais pobreza. Perante a pobreza, vão exigir ainda mais igualdade. E obterão mais pobreza. Quando descobrirem que outros povos estão a produzir riqueza, exigirão que a igualdade seja estendida a esses povos (talvez através de um “imposto global”). Obviamente, se isso fosse aceite pelos outros, todos ficariam mais pobres — mas seguramente também mais iguais, na pobreza.
Em tudo isto, como repetiu Winston Churchill, apenas fica esquecido que o mais efectivo instrumento de geração de riqueza e de combate à pobreza é a liberdade. (Público).
04 de maio de 2015
in orlando tambosi
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