É possível ver o poder no Brasil como um triângulo: Dilma, Renan e Cunha. Olhando melhor, acho que é um círculo. Dilma é a expressão momentânea de um projeto cuja ideia fundamental é a de que os fins justificam os meios. Renan e Cunha são os instrumentos usados para enfraquecer o projeto de Dilma. Combatemos o PT com seu próprio veneno: o círculo se fecha, o triângulo é apenas uma ilusão.
O que me ajudou a concluir isto foi um texto de Maurice Blanchot sobre Hermann Broch. O escritor austríaco, em “Huguenau ou o realismo”, descreve um sistema onde não são os homens que se digladiam nem acontecimentos que se chocam. O que está em jogo são os valores de que as pessoas são protagonistas. No interior desse mundo singular, que é o mundo do sucesso, o Huguenau de Hermann Broch só pode destruir aquilo que o estorva. Ele não terá remorso nem mesmo lembrança do seu ato. Não percebe, em momento algum, o caráter irregular de sua ação.
Blanchot acentua: não é um herói de Dostoiévski, o tempo dos Demônios já passou: “Temos em Huguenau o primeiro dos homens comuns que, protegidos por um sistema e justificados por ele, vão tornar-se, sem ao menos o saber, burocratas do crime e contadores da violência”.
Transportando-me da literatura para a política, talvez tivesse sido mais brando com Dilma, Renan e Cunha se os encarasse apenas como parte de um sistema decadente que nos envolve a todos. Jamais vi uma centelha de inteligência nos discursos, entrevistas e debates de Dilma. Leio agora na entrevista da senadora Marta Suplicy que Dilma é muito culta, gosta de arte e conhece profundamente vários museus. O repórter não pediu para Marta elaborar sobre isso de conhecer profundamente vários museus. Mas, no mínimo, é uma inteligência topográfica, qualidade que deve estimular várias outras.
Sobre Renan, no passado, cheguei a formular um cartaz em que aparece com um chapéu de cangaceiro e o seguinte texto: “Se entrega, Corisco”.
No caso de Eduardo Cunha, cheguei a conectar seu olhar enviesado com um estado de espírito, de alguém sempre escondido tramando algo sospechoso.
Apesar de tudo, tanto Renan como Cunha, em seus impecáveis profissionalismos, sempre me trataram com gentileza, talvez por compreender que vivo num mundo de Dostoiévski, cercado de demônios que se extinguiram como os dinossauros, a máquina de escrever ou o emplastro Sabiá.
Quase toda semana, um empreiteiro preso ameaça arrastar para o escândalo do Petrolão Lula e o governo do PT. Mas é tudo objeto de cálculo, engenheiros pensam coisas claras. O que é melhor: delatar agora e reduzir a pena, ou ser condenado e protelar a execução da pena por vários anos? Com o tempo vão se unir como nas licitações e retalhar as denúncias premiadas como o fazem com as grandes obras: a OAS denuncia um edifício, a Camargo Corrêa uma usina, a racionalidade os acompanhará até o fim.
Vivem como nos Sonâmbulos de Hermann Broch, onde se assiste, segundo Blanchot, a uma nova forma de destino: o destino da lógica.
Transitar do triângulo ao círculo é admitir que há algo mais amplo no processo de decadência da vida pública brasileira. Mas não é fácil para meus modestos recursos. Tudo que posso é apenas querer alcançar o ponto de fechamento do círculo e ganhar o direito de observar desse ponto um todo unido. Como dizia Rilke: gosto quando o círculo se fecha, quando uma coisa se junta à outra: nada mais sábio que o círculo. Os orientais também pensavam assim, e Jung fez das mandalas o símbolo máximo da maturidade psicológica. Por enquanto ainda me perco nos triângulos e quadriláteros, apenas arranho a lógica dominante para encontrar nela os sintomas da irracionalidade.
Cunha contra Dilma, Renan contra Cunha, os lados se movem e não consigo ver nisto nada além de um triângulo das Bermudas onde desaparecem os frágeis barquinhos da esperança. Certamente serei acusado de pessimista, querendo ver abaixo toda essa figura geométrica. A realidade é dura, os seres humanos limitados, precisamos avançar com calma, dentro das condições existentes.
O PT jamais hesitaria em usar Cunha e Renan para alcançar seus objetivos. Mas o que deixou para a sociedade como esperança de neutralizá-lo é um Congresso independente, liderado precisamente por Cunha e Renan.
Deus me livre, mas creio que não estou sendo exato falando de um círculo. Trato de um problema que não se resolve com régua e compasso: a quadratura do círculo. Talvez olhando para fora, vendo a sociedade em movimento, consiga vislumbrar a saída. Certamente não virá de manifestações marcadas com um rígido calendário, como se a indignação tivesse que se submeter também ao compasso burocrático.
No passado sonhávamos com a imaginação no poder. Reduzidos os sonhos, vamos esperar, pelo menos, a imaginação na esquina.
04 de maio de 2015
Fernando Gabeira
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