Alguns diriam que o assunto não cabe por aqui. Não é digital. Mas cabe. E, mesmo que não pareça, tem tudo a ver com a internet. A história começa com a quadra de ases que fundou o jornalismo contemporâneo. O primeiro é Sy Hersh.
O prenome é Seymour, mas mesmo quem não o conhece o chama de Sy. Em 1969, ele publicou em uma agência de notícias a história do massacre de My Lai. Pela primeira vez os americanos souberam de um crime de guerra cometido por seus soldados no Vietnã.
Em 1971, Neil Sheehan contou no “New York Times” sobre os documentos do Pentágono. Um vasto relatório que confirmava: o governo já sabia que vitória era impossível e o Vietnã, um atoleiro, enquanto continuava a enviar jovens para a morte inútil. Por fim, uma série de reportagens publicadas no “Washington Post” ao longo de 1972 revelaram a invasão do escritório do Partido Democrata no edifício Watergate, culminando com a renúncia do presidente.
Os repórteres que assinavam: Bob Woodward e Carl Bernstein. O jornalismo é um antes deles, é outro completamente distinto depois. A investigação tornou-se o campo mais nobre do ramo.
Dos quatro homens que refundaram o jornalismo, o mais rebelde e o mais genial é Seymour Hersh. Nascido em 1937, não tem qualquer plano de se aposentar. A descoberta de My Lai, que lhe rendeu um Prêmio Pulitzer e marca o início dos protestos contra a guerra, já seria o suficiente para fazer uma carreira extraordinária. Hersh, porém, deu ainda os únicos furos a respeito de Watergate fora do “Post”.
E foi o jornalista que descobriu o relatório e as fotos que comprovam a tortura, por soldados americanos, de prisioneiros de guerra na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. Não há um único repórter investigativo vivo com tantos furos deste quilate no bolso.
Na semana passada, Hersh publicou uma longa reportagem na “London Review of Books”. O lide, a ideia central: a história da morte de Osama bin Laden foi muito diferente da contada pelo governo. Os americanos souberam de sua localização porque um agente paquistanês o entregou em troca da recompensa.
O governo do Paquistão mantinha bin Laden prisioneiro e tinha conhecimento da missão americana para matá-lo. O problema da reportagem: praticamente todas as fontes contam a história em off. Sem registrar seus nomes.
Para quê. A imprensa americana caiu em cima. Alguns dos mais importantes jornalistas investigativos dedicados a Paquistão, Afeganistão e al-Qaeda escreveram longos textos, nas mídias sociais e nas páginas oficiais de seus veículos, para desmenti-lo. Para, até, sugerir que o velho mestre passou do tempo. Que talvez os anos todos somados estejam começando a pesar. Afinal, 78 anos são indício de alguém que talvez devesse cogitar aposentadoria.
Mas, aqui e ali, umas coisas escapam. No “New York Times”, a repórer Carlotta Gall comenta um detalhe que sempre a incomodou. Quando um dos dois helicópteros americanos pousou errado e explodiu, os vizinhos ligaram para a polícia paquistanesa. Nem a polícia, nem o exército que ficava ao lado do esconderijo de bin Laden, apareceram. Só deram as caras quando os seals tinham ido embora.
Não quer dizer que Hersh esteja certo. Mas a história oficial não fecha redonda. E governos mentem. Esta é a lição daquela geração. A internet? É lugar para jornalismo e uma boa máquina de propaganda. Para ambos os lados. ;-)
20 de maio de 2015
Pedro Doria
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